sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Pino Solanas, um cidadão latino-americano



Um dos principais cineastas latino-americanos da atualidade, candidato pela segunda vez à Presidência do seu país, Fernando "Pino" Solanas fala da Pátria Grande Latino-americana e dos seus projetos de cinema.

Fernando Solanas - ou Fernando "Pino" Solanas - é hoje, sem dúvida, um dos mais importantes cineastas latino-americanos. Em sua rica filmografia, constam trabalhos como El hombre que mirava del Sud , Tangos - o Exílo de Gardel e, mais recentemente, os documentários Memórias del Saqueo, La dignidad de los Nadies e Argentina Latente. No último final de semana, ele esteve por algumas horas no Rio de Janeiro, onde mostrou, no Festival de Cinema, o seu mais recente documentário, Argentina Latente. Lançado pela segunda vez candidato à Presidência da Argentina por um conjunto de movimentos sociais, para as eleições do próximo dia 28, Solanas faz uma análise sobre seu país, com duras críticas ao Presidente Néstor Kirchner e ao "mar putrefato" em que se transformou o Partido Justicialista, cujos dirigentes, segundo o cineasta, teriam traído os ideais de Perón e Evita. Solanas concedeu esta entrevista ao Brasil de Fato poucas horas antes de retornar à sua Argentina e retomar a campanha presidencial.
Quem é?
Expoente do cinema político latino-americano, o documentarista argentino Fernando Ezequiel Solanas, conhecido como Pino Solanas, nasceu em Olivos, província de Buenos Aires, em 16 de fevereiro de 1936. Sua trajetória como documentarista começa com La Hora de los Hornos (1968), um clássico do cinema latinoamericano, sobre a ditadura na Argentina. Por causa desse filme, apresentado pela primeira vez no Festival de Pesaro, na Itália, o cineasta foi exilado na França (1976-1984) onde realizou um único filme, Le Regard des Autres (1980). Com o fim da ditadura, retorna a seu país. Em 21 de maio de 1991, três dias depois de criticar duramente, num jornal de Buenos Aires, o então presidente Carlos Saúl Menem, foi metralhado por dois desconhecidos. A partir de então iniciou seu engajamento na disputa eleitoral. Em 1992, candidato a senador pela cidade de Buenos Aires, conseguiu 7% dos votos. No ano seguinte, elegeu-se deputado nacional (federal).Em 2004, o Urso de Ouro especial do Festival Internacional de Cinema de Berlim, pelo conjunto de sua obra. Há mais de 30 anos retrata a realidade de seu país.
Brasil de Fato – O que vem a ser Argentina Latente?
Fernando Solanas – O título expressa uma Argentina que está viva, uma Argentina profunda, que palpita como o coração. Argentina Latente tem como objetivo principal revelar para o espectador as capacidades ou potencialidades de uma Argentina científica e técnica. É curioso, mas o esvaziamento econômico do país foi paralelo ao esvaziamento informativo. O império do poder midiático que deixou absolutamente de lado todas as referências das capacidades industrias, científicas e técnicas da Argentina. Se você pergunta quem construiu alguns dos aviões argentinos, ninguém sabe. Se pergunta, quem são os cérebros que construíram os reatores nucleares argentinos, ninguém sabe. E a Argentina é líder mundial em reatores nucleares, tendo acabado de instalar um na Austrália. Ninguém sabe disso. O filme recupera essa história. São 150 anos de construção de uma Argentina moderna, onde cientistas e pesquisadores de todas as disciplinas deram muito a este país, apesar dos maus tratos, apesar dos baixos salários. Apesar do neoliberalismo e, às vezes, apesar da repressão - os cientistas, muitas vezes foram expulsos do país. Assim, Argentina Latente remete a uma série de homenagens, uma série de redescobrimentos de um país, com o objetivo de fazer o espectador pensar e refletir, sobretudo o que temos, se pensamos a Argentina dentro de um contexto de uma América Latina integrada e unida, desde o Caribe até a Patagônia.
O filme seria uma demonstração de amor ao seu país... Exato: uma série de poemas de amor ao meu país. O que emociona no filme é a paixão com que pesquisadores, técnicos, operários, engenheiros trabalharam suas obras, como se fossem obras de arte. Há paixão pelo país, há paixão pela Argentina. E, repito, há paixão por uma grande pátria. A Pátria Grande Latino-americana.
E como está hoje a nossa Pátria Grande?
Vai andando. São esses impulsos renovadores que vêm do Caribe. É a força das iniciativas generosas de Hugo Chávez – que há vários anos vem fazendo propostas absolutamente inovadoras, que mudam a ética do mercantilismo capitalista, substituindo- a por uma ética da integração, uma ética generosa. Aí está a Petro Caribe, que troca petróleo por matéria prima, e fixa o preço de um barril (a um dólar baixíssimo) de 20 e tantos dólares. É o tempo do despertar da consciência dos povos originários. Aí temos a Bolívia com um presidente indígena, o primeiro da América! E temos também o Equador com Correa.São movimentos que buscam uma renovação profunda, uma revolução profunda para caminhar rumo ao socialismo do Século 21! E a primeira medida de Chávez, a primeira medida do Evo Morales e do Rafael Correa foi tocar a questão da Constituinte.
A integração da América Latina caminha para o socialismo do século 21?
Claro. Nossos povos têm que sair do esquema neoliberal. E têm que mudar. Têm que mudar a essência do que tem sido a América Latina: um território colonial e neocolonial. Território de saque de mais valia e de recursos naturais. Temos de construir formas inovadoras. Quando falamos de um socialismo latino-americano, falamos de um socialismo pensado a partir de nossas tradições históricas, a partir das nossas heranças. De Simón Rodrigues, Artigas, Mariano Moreno, Monteagudo.. . a Mariátegui. Todo esse imenso acervo cultural. Citaria 50 nomes, desde Tupac Amaru, Bolívar..., e assim por diante.
No final do seu filme, você cita vários líderes latino-americanos, inclusive João Goulart.
João Goulart é uma figura importante. Não cheguei a conhecê-lo pessoalmente, mas conheci Darcy Ribeiro. Durante seu exílio em Montevidéu, Darcy ia dar aulas em Buenos Aires. Eu estive muito próximo dele, inclusive o apresentei a uma pessoa que ele admirava muito, o Juan José Hernandez Arregui [um ensaista e um dos referenciais da esquerda peronista].Tenho vários amigos que gostavam muito de Darcy. Inclusive a segunda candidata a deputada da lista de nosso espaço político, o Projeto Sul, Alcida Argumedo. A figura de Darcy é espetacular. É uma figura da América Latina.
O senhor é muito crítico com relação ao presidente Néstor Kirchner...
Sou muito crítico. Mas veja, meu ofício não é ser opositor, devo esclarecer. No entanto, há 50 anos que milito pela causa da minha pátria. Há 50 anos que sou um militante social, um militante político – e passei de tudo: exílio, perseguições.. sofri até um atentado a bala. Quer dizer, há 50 anos que viemos lutando pela segunda emancipação do meu país. Em 2003 tivemos esperanças, com cautela, porque Kirchner vinha navegando neste mar putrefato do Partido Justicialista.
Por que "mar putrefato"?
Traíram o legado de Perón e Evita.Traíram numa girada de 180 graus. Kirchner votou todas as piores leis de Menem, as que arremataram o patrimônio público, o petróleo e o gás. Daí, passam os anos, e aparece Kirchner, em abril de 2003, pelas mãos de Duahlde. Era o mal menor. Kirchner surpreendeu a todos quando se investiu de uma certa dignidade nacional – Menem era o gerente imediato das corporações. Kirchner ganha simpatia e tem algumas atitudes muito interessantes, como quando votou contra a Alca em Mar del Plata e renovou a Corte Suprema de Justiça. Mas..., Kirchner aprofunda a essência do modelo neoliberal. A Argentina perde todos os anos cerca de 25 bilhões de dólares entre petróleo, gás e a grande mineração das corporações. Kirchner aprofundou esse modelo. E o decisivo para entender que era o momento de mudar o espaço político foi que, desde o fim do ano passado, Kirchner entregou o controle total das riquezas petrolíferas para as províncias [equivalentes na divisão administrativa da Argentina aos estados no Brasil], sabendo que todas essas províncias sempre foram feudos oligárquicos pró-menemistas,
Mas o povo respondeu agora a Menem, em La Rioja. Acabou politicamente com Menem ao derrotá-lo na última eleição daquela Província.
Mas veja, a Argentina sofre com o poder dos meios de comunicação.O governo está absolutamente vinculado à mídia. O governo Kirchner prolongou por dez anos as concessões de TVs. Em troca de nada. Em troca de apoio. E, prestemos atenção, o governo é o principal anunciante das rádios e TVs. Em conseqüência, palavras como estas são muito difíceis de serem ouvidas. Casualmente, nos períodos eleitorais, como agora, têm que nos dar espaço. E é esta é uma das razões....
... de sua candidatura.

É uma das razões por quê saímos candidato, agora na ala social da Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA) e o Partido Socialista Autêntico, o Movimento Pela Recuperação do Petróleo (Moreno) - que fundamos, e o Projeto Sul. Formamos uma nova força política, da esquerda latino-americana, com um projeto que pode se realizar amanhã, como nacionalizar o petróleo e o gás. Não há nenhuma razão para que a Argentina não o faça. Fomos o primeiro país que iniciou, na América Latina, a exploração estatal do petróleo e gás.

Então, o que falta para que a Argentina e a América Latina mudem de política?

Os nossos governos são hipócritas e mentirosos. Na verdade prosseguimos com o mesmo modelo imposto por Menem. A riqueza continua sendo distribuída como no período de Menem. Continua haver o mesmo domínio dos banqueiros que havia durante a ditadura. Continua sendo a mesma lei da radiodifusão da época da ditadura militar.Ningué m a mudou.

Além dos projetos políticos, qual será o seu próximo projeto cinematográfico, depois de Memórias del Saqueo, La dignidad de los nadies e, agora, Argentina Latente?

Já estou com um quarto filme rodado, que é Os Homens que estão sós e esperam, que trata dos serviços públicos, em especial os ferroviários. Tive que interromper a finalização em função da campanha eleitoral. Já está filmado e programado para ser lançado em fevereiro ou março O quinto é Terra Sublevada, longa-metragem que fecha esta série de cinco filmes e que trata sobre os bens da terra e a contaminação. Neste, abordo o o saque dos minérios, o saque do petróleo, o saque da terra, a destruição da mata nativa. Neste sentido, o principal é nós construirmos o nosso próprio projeto ambientalista, que não tem as mesmas prioridades dos norte-americanos. A nossa visão antepõe a defesa do meio ambiente a qualquer dos mega-projetos industriais – energéticos ou minerais. Nosso desenvolvimento não será um desenvolvimento com a mesma velocidade que o proposto pelo modelo neoliberal, que é absolutamente destruidor, que concede todas as regalias às corporações. Usam cianureto e fazem voar os cerrados. Levam tudo e depois você fica com o dano ambiental

O que você diria para nós, latino-americanos?

É... creio que é necessário pressionar pela base para avançar mais rápido rumo à unidade do continente. Creio que os dirigentes políticos de nossos países ainda não têm um olhar de longo alcance, e se prendem a pequenas contradições ou rivalidades secundárias, frente ao imenso deafio de construir a Pátria Grande Latino-americana, com o seu Parlamento, seu banco, sua integração energética... A urgência do mundo exige que nos integremos rápido.

Filmografia Mantivemos em castelhano os títulos originais dos filmes, pois – pelo que nos foi informado, não são possíveis de encontrar traduzidos para o português nas videolocadoras brasileiras. Seguir andando - 1962 (curta metragem)Reflexión ciudadana - 1963 (curta)La hora de los Hornos - 1968Argentina, mayo de 1969: los caminos de la liberación - 1969Perón, la revolución justicialista - 1971 Perón: Actualización política y doctrinaria para la toma del poder - 1971Los hijos de Fierro - 1975El exilio de Gardel (Tangos) - 1985Sur - 1988El viaje - 1991La nube - 1998Afrodita, el sabor del amor - 2001 (Filme inconcluso) Memoria del saqueo - 2004La Dignidad de los Nadies - 2005Argentina latente - 2007La tierra sublevada (em fase de montagem – ler entrevista)

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