quarta-feira, 16 de julho de 2008

19 de julho de 1979: triunfa uma revolução popular na Nicarágua

Nicarágua: triunfa de novo a revolução na América Latina

Por Marcelo Buzetto [Quarta-Feira, 16 de Julho de 2008 às 15:21hs]

A história da Nicarágua foi profundamente marcada por intensos conflitos entre as forças sociais e políticas atreladas e subordinadas ao colonialismo, ao imperialismo e as forças sociais e políticas patrióticas, anticolonialistas/antiimperialistas, ou seja, revolucionárias.

Com a expansão do capital e do capitalismo para o continente americano, principalmente durante as duas primeiras revoluções industriais, a Nicarágua acaba adquirindo um papel importante e até mesmo estratégico para o avanço das relações capitalistas de produção na América Central.

Desde o início do século XIX os Estados Unidos da America começam a exercer na região a posição de potência imperialista que, através do militarismo, do expansionismo e de guerras de conquista de território tentam se impor como a nação que têm como destino “proteger” e garantir a segurança em todo o continente. Se utilizando da palavra de ordem “a América para os americanos”, ao mesmo tempo em que estimulava lutas anticolonialistas contra os espanhóis em diversos países, aproveitava-se da situação de fragilidade dos movimentos pela independência para intervir nos rumos da economia e da política durante e após os processos de libertação colonial.

Entre 1821 e 1823 ganham força a luta pela independência em toda a América Central, e a Nicarágua passa a se integrar à Federação das Províncias Unidas da América Central (junto com Guatemala, Honduras, El Salvador e Costa Rica).

Entre o imperialismo inglês e estadunidense surge a idéia de se fazer um canal, através do Lago Nicarágua, que pudesse proporcionar a ligação entre o Oceano Pacífico e o Oceano Atlântico, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento do capitalismo e das relações comerciais entre a América Central e o mundo. Esta proposta fortalece a disputa pelo controle do território nicaragüense e durante todo o século XIX este país será vítima de guerras civis dirigidas por diversos setores da classe dominante e de intervenções estrangeiras. Essas lutas internas criaram as condições favoráveis para que, em 1855, um mercenário estadunidense chamado William Walker invadisse o país com suas tropas e se auto-proclamasse presidente da Nicarágua. Após a deposição de Walker em 1857 multiplicam-se as lutas entre liberais e conservadores, e os EUA passam a intervir de maneira cada vez mais direta, seja econômica, política ou militarmente, na vida deste país.

Segundo Humberto Ortega, em seu livro 50 anos de luta sandinista (Editora Quilombo) entre o final do século XIX e início do século XX, “ao lado do desenvolvimento da burguesia cafeeira agro-exportadora, desenvolvem-se (...) as camadas médias da população (pequenos produtores, artesãos, comerciantes, etc.) e as forças sociais novas e revolucionárias (proletariado do campo e da cidade, este último incipiente, e, principalmente nos centros mineiros, bananeiros e madeireiros)”. Este autor ainda afirma que “é preciso enfatizar que as condições objetivas determinavam que a classe potencialmente revolucionária não pudesse, neste período, apresentar um projeto político superior e classista”.
Augusto César Sandino e o exército proletário-camponês: origens do sandinismo
"A soberania de um povo não se discute, se defende de armas nas mãos!" (Augusto César Sandino)

Durante o ano de 1926 a Nicarágua vive mais uma guerra civil, conhecida como a Guerra Constitucionalista, num momento onde ficam cada vez mais explícitas as contradições no interior das forças liberais, pois muitos de seus representantes em nada se diferenciavam dos seus inimigos conservadores. É neste momento que um setor proletário e popular, nascido de dentro das lutas liberais, começa a ganhar independência em suas ações e inicia a construção de um movimento de caráter nacional e antiimperialista, tendo como o seu principal líder, Augusto César Sandino, também chamado de “general de homens livres”. Em 1926, os fuzileiros navais dos EUA (“Marines”) haviam novamente invadido o país, com a desculpa de que estavam ali para “pacificar” a região.

Os invasores estadunidenses apreendem inúmeras armas e munições das tropas liberais que se entregaram e aceitaram a deposição das armas e o controle militar do país por uma potência imperialista. Durante os dois primeiros dias de ocupação militar estadunidense, um grupo de prostitutas, jovens e pobres, em Puerto Cabezas, decidem que os militares invasores devem pagá-las pelos “serviços” prestados não em dólares, mas em armas e munições. Essas jovens da classe trabalhadora, que viviam numa situação de miséria e exploração por conta da situação econômica e social em que vivia o povo nicaragüense, conseguiram juntar 40 rifles e cerca de 7.000 cartuchos, que seriam entregues para Sandino e os combatentes pela liberdade da Nicarágua.

É assim que tem início a constituição de um dos mais importantes movimentos de insurreição popular da América Latina. Sandino afirma que “os ianques devem ir embora da Nicarágua”. Dizia o general de homens livres: “Eu quero pátria livre ou morrer.”. Sandino nasce em 1895. Durante a adolescência aprende a ler e trabalha como assalariado agrícola. Em 1921 vai para Honduras, trabalha como assalariado no engenho Montecristo. Em 1922 está na Guatemala, trabalhando como mecânico nas oficinas da empresa estadunidense United Fruit. Em 1923 aparece no porto de Tampico, no México, onde também é mecânico na empresa Huasteca Petroleum Company. Neste México profundamente marcado pelas lutas revolucionárias de Emiliano Zapata e Pancho Villa, Sandino conhece militantes comunistas, socialistas, sindicalistas revolucionários, e assim vai formando sua consciência antiimperialista.

Quando retorna à sua pátria Sandino decide levar até as últimas conseqüências a luta pela libertação da Nicarágua, e assim forma o Exército Defensor da Soberania da Nicarágua (EDSN). Expressão autêntica do povo em armas, esse “exército proletário-camponês”, como dizia o próprio Sandino, seria o início de um grande movimento popular e proletário, que adquire um caráter de massas durante o seu desenvolvimento nas décadas seguintes. Entre 1926 e 1934 o imperialismo e a classe dominante nicaragüense foram obrigados a enfrentar um inimigo que teve coragem e capacidade de impor derrotas a um exército numericamente e militarmente superior ao seu.

A guerra de guerrilhas, uma tática muito utilizada nas chamadas “guerras irregulares”, garantiu a surpresa e a mobilidade necessária para que o EDSN sobrevivesse. Também o inegável apoio popular e a justiça da causa que defendiam (a total liberdade e independência da Nicarágua) foram elementos fundamentais desta primeira fase da luta sandinista. Como muitos dos mártires das lutas populares na América Latina, Sandino também foi assassinado, em 21 de fevereiro de 1934. De 1964 a 1979: ofensiva e vitória da revolução sandinista Entre o período de 1934 e 1956 houve um período considerado de descenso da luta de massas e revolucionária, com a intensificação da repressão contra todos aqueles que levavam adiante a bandeira do antiimperialismo.

Apesar da repressão surgem inúmeras lideranças no movimento estudantil, popular e sindical, além de organizações políticas de esquerda, sejam comunistas ou socialistas, que, aos poucos, vão se preparando para o momento de uma ofensiva contra a classe dominante e o imperialismo. Desde 1956 vinham surgindo organizações políticas revolucionárias, como a Juventude Democrática Nicaragüense (JDN), a Juventude Revolucionária Nicaragüense (JRN), a Juventude Patriótica Nicaragüense (JPN), o Movimento Nova Nicarágua (MNN), a Frente de Libertação Nacional (FLN), etc. A vitória da Revolução Cubana em 1959 deu ânimo e fortaleceu os movimentos antiimperialistas e anticapitalistas em toda a América Latina, e assim foi também na Nicarágua.

Com a unificação de vários grupos e organizações revolucionárias surge, entre 1960 e 1963, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Tendo como um de seus dirigentes o marxista Carlos Fonseca, a FSLN transformou-se na vanguarda política do proletariado e das massas populares, que desenvolvia um trabalho de organização entre trabalhadores rurais e urbanos, estudantes e intelectuais ao mesmo tempo em que preparação a luta guerrilheira. Essa combinação de diversas formas de luta e de organização contra o inimigo comum foi, junto com a unidade do movimento revolucionário, um dos motivos fundamentais da vitória da revolução sandinista.

A FSLN realizou ações ousadas durante seu processo de luta contra a ditadura do presidente Anastácio Somoza Debayle, como em 1970, quando um comando da FSLN seqüestrou um avião com dois executivos estadunidenses para trocá-los por presos políticos sandinistas, entre eles Carlos Fonseca. Ou quando um grupo de 20 guerrilheiros, em 22 de agosto de 1978, com disfarces da Guarda Nacional, tomam o Palácio Nacional, em Manágua, e capturam e mantém como reféns 3.500 políticos e empresários, exigindo a libertação de 59 membros da FSLN que estavam sofrendo torturas nas prisões da ditadura somozista. Neste ano de 1978 crescia a ofensiva das massas contra o governo anti-popular e pró-imperialista de Somoza. Em fevereiro ocorre um levante popular em Monimbó, a 32 km da capital, Manágua. Em abril, uma greve nacional de estudantes paralisa as escolas públicas e privadas, bem como as universidades. Cria-se o Movimento Povo Unido, uma frente ampla com os diversos setores do sandinismo. Era evidente o processo de ascenso do movimento de massas da classe trabalhadora nicaragüense.

No início da FSLN constituíram-se três tendências no interior da organização: a Tendência Proletária (TP), tendo como referência Jaime Wheelock, a Guerra Popular Prolongada (GPP), sendo um de seus líderes Ricardo Morales Avilés e a Tendência Insurreicional (também chamados “terceiristas”), com Humberto Ortega como um de seus principais representantes. Após a morte de Carlos Fonseca, em 1976, problemas internos dificultavam uma unidade maior entre as três tendências da FSLN. Em março de 1979 é formado o Diretório Nacional da FSLN, com o objetivo de criar um comando unificado para a revolução sandinista. São indicados três nomes de cada tendência, todos recebendo o título de Comandante. São eles: Daniel Ortega, Humberto Ortega e Vitor Tirado, pelos terceiristas, Tomás Borge, Bayardo Arce e Henry Ruiz, pela GPP e Jaime Wheelock, Luis Carrión e Carlos Nuñez, pela TP. Neste mesmo momento 27 combatentes são elevados à posição de Comandantes, sendo três deles mulheres (Dora Maria Téllez, Letícia Herrera e Mônica Baltodano).

Entre 1978 e 1979 crescia também a participação da classe operária nas mobilizações sandinistas, principalmente em cidades como Manágua, Leon e Matagalpa, mas também no interior, nas usinas de açúcar, etc. Essa participação massiva de diversos setores da classe trabalhadora no campo e na cidade, juntamente com a ofensiva guerrilheira foi criando as condições favoráveis para a tomada de vários municípios pela FSLN.

Vendo que a derrota era inevitável, o ditador Somoza foge para Miami (EUA), em 17 de julho de 1979. Estava se completando a ofensiva final da FSLN. Em 19 de julho as colunas guerrilheiras entram em Manágua, consolidando assim a vitória da revolução popular sandinista.

No dia seguinte, mais de 250 mil pessoas se concentram nas ruas da capital para saudar o novo governo revolucionário. Entre 1979 e 1990, a revolução estimulou o desenvolvimento de diversas experiências de poder operário e popular, erradicou o analfabetismo e fez a reforma agrária, importantes conquistas sociais, mas viveu um período de guerra permanente dos contra-revolucionários financiados pelos governos de Honduras dos EUA. Eles levaram a guerra e a destruição para dentro na Nicarágua, e milhares de trabalhadores e trabalhadoras perderam sua vidas na defesa da revolução. Em 1990, destruída economicamente pela guerra, a Nicarágua passa por eleições presidenciais. A FSLN perde as eleições para uma coalizão de partidos de centro-direita, apoiados pelos EUA. Entregam o governo, e o país viverá sob o comando do neoliberalismo, que irá aprofundar a miséria e a exclusão social. Em 1979 a FSLN conquista parcela importante do poder. Em 2006, Daniel Ortega, da FSLN, é eleito novamente presidente da Nicarágua. Chegam ao governo, não ao poder, mas a FSLN já não é a mesma de 1979, assim como a Nicarágua não é a mesma.

Neste 19 de julho, mais uma vez lembramos de Sandino e Carlos Fonseca, na certeza de que na Nicarágua de hoje, apesar de tudo, ainda existem milhares de homens e mulheres que são dignos de serem chamados de Sandinistas. Para Sandino, princípios valiam muito mais do que votos e cargos. Como disse certa vez, num momento de isolamento e defensiva, “Não estou disposto a entregar minhas armas. Morrerei com os poucos que me acompanham, porque é preferível morrer como rebeldes do que viver como escravos”.
Saiba mais: “Sandino: general de homens livres” –Gregório Selser (Global Editora) 50 anos de luta sandinista”- Humberto Ortega (Editora Quilombo) Lições da Nicarágua – A experiência da esperança”- Ernesto Cardenal e outros (Ed. Papirus) A revolução nicaragüense” – Matilde Zimmermann (Ed. UNESP) “Obras”, Tomo 2-Viva Sandino – Carlos Fonseca (Ed. Nueva Nicarágua)
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Marcelo Buzetto é coordenador do Núcleo de Estudos Latino-americanos (NELAM).