quinta-feira, 17 de abril de 2008

As lutas pelas reformas e o golpe de 1964


As lutas pelas reformas e o golpe de 1964

por Augusto Buonicore*


O golpe de 1964 não foi um mero complô militar, com apoio do imperialismo norte-americano. Ele tinha bases sociais fortes nas classes economicamente dominantes e na elite política civil a elas ligada.

Em agosto de 1961 o Brasil foi pego de surpresa pela notícia da renúncia do presidente Jânio Quadros. Perdendo o apoio da UDN, devido a sua política externa independente, e sem conseguir amparo na esquerda, Jânio pretendia com sua renúncia criar uma crise política que lhe permitisse voltar com maiores poderes. O plano fracassou, pois foram poucos aqueles que exigiram sua recondução ao cargo.

Os ministros militares, apoiados pelos liberal-conservadores, tentaram impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Eles lançaram uma nota que dizia: “Na presidência da República, em regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe do governo, o Sr. João Goulart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o país mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil.”.

Contra o golpe direitista se levantaram amplas forças políticas e sociais. No processo de resistência destacou-se Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul. Neste estado se organizaram milícias populares e a “rede da legalidade”, através da qual as notícias da luta pela posse de Jango eram divulgadas por todo país e ajudavam articular a luta democrática. Os movimentos sindical e estudantil decretaram greve geral. O comando do 3º Exército, contrapondo-se aos ministros militares, rejeitou o golpe contra a constituição e, por alguns dias, o Brasil se encontrou a beira de uma guerra civil.

Em meio à grave crise política, uma saída de compromisso conservadora foi encontrada. Jango assumiria, mas teria seus poderes reduzidos pela instauração do sistema parlamentarista. Em poucas horas, o sistema de governo era alterado e Jango pode ser empossado. Apenas os setores mais à esquerda protestaram contra tal solução conciliatória. Acreditavam que mais alguns dias de resistência teriam garantido a manutenção do presidencialismo.

O deputado Tancredo Neves, dirigente do PSD mineiro, foi eleito para o cargo de primeiro-ministro. Ele era um conciliador, com leve verniz nacionalista e reformista. Por isso mesmo, não era o candidato favorito da ala direitista do PSD e da UDN. No seu governo, dando vazão a desconfiança da direita liberal, foram canceladas as concessões das jazidas de ferro à companhia norte-americana Hanna. Escandalizou, também, os conservadores o reatamento de relações diplomáticas com a URSS e as sistemáticas objeções às propostas de sanções norte-americanas contra Cuba. Parte dessa política externa altiva se deveu ao ministro das relações exteriores Santiago Dantas. Por sinal, este havia sido o único ministério preenchido pelo partido do presidente da República, o PTB.

No entanto, o ministério da fazenda coube ao banqueiro Walter Moreira Salles, adepto da ortodoxia liberal-conservadora. Este foi um meio encontrado para conseguir apoio da “comunidade financeira internacional”. Um no cravo e outro na ferradura, este era o lema.

O presidente era um latifundiário que tinha como base social de seu governo os trabalhadores urbanos. Apoio que havia consolidado nos seus poucos meses à frente do Ministério do Trabalho do segundo governo de Vargas, quando propôs um reajuste de 100% no salário mínimo. Proposta que levou a uma crise militar – o “manifesto dos coronéis” - e sua destituição do ministério.

No primeiro ano de seu governo a inflação continuou sua marcha batida. O deputado da esquerda trabalhista Sérgio Magalhães afirmou: “grupos financeiros, externos e internos, procuram criar, com a elevação desenfreada do custo de vida e a especulação no mercado cambial, uma situação insustentável, que justifique perante o povo, a implantação de uma ditadura de direita”. Além da inflação, o país começou apresentar claros sinais de estagnação econômica.

Cresceu na sociedade – inclusive nas Forças Armadas – a idéia que o parlamentarismo criava enormes dificuldades para superação da crise econômica e política. Era preciso fortalecer os poderes do presidente. Aumentou então a pressão para antecipação do plebiscito que deveria decidir sobre o sistema de governo. Ele estava previsto para o final do governo de Jango.

No primeiro de maio de 1962, Jango anunciou que pretendia alterar o artigo da constituição que impedia uma efetiva reforma agrária, pois a condicionava ao pagamento prévio, em dinheiro e pelo justo valor aos grandes proprietários de terra. As reformas de base começavam tomar conta da pauta política e polarizar opiniões. Para a esquerda nacionalista o caminho das reformas democráticas parecia passar pela volta imediata ao presidencialismo.

Após a renúncia de Tancredo se deu uma luta política pela indicação do nome que o substituiria. Jango defendia o petebista Santiago Dantas, que, por sua vez, era rejeitado pelo PSD e pela UDN. No embate parlamentar, a direita parecia prestes a impor o conservador Auro de Moura Andrade. A resposta dos setores operários e populares foi a convocação de uma greve geral em defesa de um “governo democrático e nacionalista”. A greve foi apoiada pelos generais nacionalista, entre eles o comandante do I Exército, Osvino Alves. Sob forte pressão, Moura Andrade foi obrigado a renunciar da indicação.

A alternativa encontrada foi a eleição de Brochado da Rocha. Como o anterior, tratava-se um gabinete conciliador com verniz reformista. Ele se destacou pela elaboração e aprovação da Lei de Remessa de Lucros e pela tentativa de antecipar o plebiscito sob o sistema de governo para outubro de 1962, data que ocorreria eleição para renovação do congresso.

A rejeição da proposta de antecipação levou a convocação de uma nova greve geral e o aumento da pressão dos setores militares, que se impacientavam com a demora na definição da data do plebiscito. Este finalmente foi marcado para janeiro de 1963. Mais uma vitória das forças nacionalistas.

Um dos últimos atos de Brochado da Rocha foi solicitar do congresso a autorização para que o conselho de ministro pudesse legislar, através de decretos-leis, sobre as reformas de base. Isso, no entanto, era demais para as forças conservadoras que rejeitaram o pedido. O primeiro-ministro renunciou e em seu lugar foi indicado Hermes Lima. Sua única e grande missão foi organizar plebiscito.

Parênteses: Este foi um período de ascensão das lutas sociais. Entre 1961 a 1963 ocorreram 435 greves, contra 177 no triênio anterior. Em julho de 1962 foi criado o Comando Geral de Greve para coordenar a greve geral política por um gabinete nacionalista. No mês seguinte esta organização foi transformada no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Em dezembro de 1963 surgiu a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura. O movimento camponês, através dos sindicatos rurais e das ligas camponesas, tomava vulto e apavorava os latifundiários.

Antes do plebiscito ocorreu a eleição de outubro de 1962. O prestígio da Jango e a perspectiva das reformas levaram a uma grande vitória das forças democráticas e nacionalistas. O PTB quase dobrou o número de deputados federais: de 66 passou para 116. Os pequenos partidos aliados nacionalistas, trabalhistas e socialistas conquistaram 49 vagas. Representando um aumento significativo das forças pró-reformas, se comparado com a composição do congresso na gestão anterior. Apesar disso, elas representavam apenas 40% da câmara federal – número insuficiente para impor as mudanças necessárias. Do outro lado, o PSD conquistou 118 cadeiras, a UDN 91 cadeiras e os pequenos partidos conservadores conseguiram 35. Ou seja, 60% da Câmara ainda estavam nas mãos de forças tendencialmente conservadoras.

O crescimento da esquerda nacionalista no parlamento não refletiu nos executivos estaduais. O direitista Carlos Lacerda se elegeu governador na Guanabara, Adhemar de Barros em São Paulo, Magalhães Pinto em Minas Gerais e Ildo Meneghetti no Rio Grande do Sul. Todos estes eram ardorosos opositores do presidente e ligados ao esquema golpista. Os setores nacionalistas elegeram Miguel Arraes para o governo de Pernambuco e Mauro Borges para o de Goiás.

Mas, o governo Jango teria uma estrondosa vitória poucos meses depois. No plebiscito de janeiro 1963 cinco em cada seis eleitores votaram pela volta do presidencialismo, restituindo assim plenos poderes ao presidente. O presidencialismo conquistou nove milhões de votos, o dobro da votação conseguida por Jango na eleição de 1960. Era a sua consagração política.

A esquerda imaginava que Jango aproveitaria das vitórias eleitorais obtidas para iniciar uma grande ofensiva favorável às reformas de base. No entanto, o presidente optaria pelo caminho mais lento da conciliação. O novo ministério, como os anteriores, incorporou conservadores e reformistas. O resultado dessa nova tentativa de conciliação foi o Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado. Ele propunha medidas de contensão inflacionária e de desenvolvimento econômico, como condições preliminares para implementação das reformas. Embora não-ortodoxo o plano não agradou os nacionalistas e socialistas que desejavam algo mais avançado, condizente com o resultado do plebiscito.

O PSD sempre teve uma posição ambígua em relação ao governo Jango e isto se devia a contradição existente entre sua base social conservadora e sua origem varguista. Flertava com o governo, tentado empurrá-lo para posições mais conservadoras. Jango, algumas vezes, entrava neste jogo e procurava isolar a esquerda trabalhista. Mas, conforme a crise econômica e política avançavam, a maioria do partido deslocou-se para o campo da oposição. O principal articulador da direita do PSD foi o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade.

Nos últimos meses de 1963, Jango tentou organizar uma Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, na qual se incluía o PSD. A proposta foi rechaçada pela esquerda trabalhista (brizolista) que liderava a Frente de Mobilização Popular. Inicialmente, o PCB defendeu a proposta de Goulart e depois recuou. A Frente Parlamentar Nacionalista tendia a defender Goulart e a ampliação da aliança política em defesa das reformas, mesmo às custa de algumas concessões programáticas. A incapacidade de unificar a esquerda levou ao fracasso do projeto frentista que, por sinal, também não era bem visto pelos caciques do PSD.

A Frente de Mobilização Popular, por sua vez, era formada pela ala esquerda do PTB - o chamado grupo compacto – o PC brasileiro, o PCdoB, a POLOP, a AP e entidades gerais, como o CGT, a UNE, as Ligas Camponesas etc. Nela o brizolismo era muito influente. Defendia as reformas de base e se colocava radicalmente contra a política de conciliação implementada por Jango e Santiago Dantas.

A direita também tinha as suas organizações. No processo de desestabilização do governo Jango jogou um grande papel o chamado Complexo IBAD-IPES. Estas duas organizações se unificaram em julho de 1962 formando o principal centro de financiamento e difusão ideológica das forças golpistas. O IBAD recebia contribuições das grandes empresas multinacionais, como a General Motors, Texaco, Schering, Coca-cola, IBM, Esso, Souza Cruz etc. Para o IPES contribuíam 297 corporações norte-americanas, além de empresas da Alemanha Ocidental, Inglaterra e Bélgica. Uma CPI no Congresso determinou o fechamento do IBAD por corrupção eleitoral, mas não tocou no IPES.

No final de 1963 era visível que o Plano Trienal havia fracassado. Ele não conseguiu estancar a inflação nem garantir um desenvolvimento mais rápido. A política de conciliação, expressada nele, parecia finalmente ter se esgotado. Abria-se uma fase de crescente e perigosa radicalização social e política.

Diante da oposição crescente da direita, apoiada pelo imperialismo estadunidense, Jango rompeu com a política anterior e aderiu à tese da frente de esquerda e nacionalista. Em janeiro de 1964, Goulart regulamentou a lei de remessa de lucro, que havia sido aprovada há mais de um ano. Alguns dias antes já havia assinado um decreto que previa a revisão de todas as concessões feitas na área de mineração.

O marco desta passagem foi, sem dúvida, o comício de 13 de março realizado na Central do Brasil. Dele participaram 200 mil pessoas, sob a proteção do I Exército. Bastante simbólico foi o fato de que este ato havia sido convocado pelas confederações sindicais. Jango foi apenas um dos convidados, ainda que o principal.

No seu discurso o presidente foi duro com seus opositores de direita. Afirmou ele: “Chegou-se a proclamar que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse dona da democracia (...) A democracia que eles desejam impingir é a democracia do anti-povo, a democracia da anti-reforma, a democracia do anti-sindicato (...) A democracia que eles pretendem é a democracia dos privilégios, a democracia da intolerância e do ódio. A democracia que eles querem é a democracia para liquidar a Petrobrás, é a democracia dos monopólios, nacionais e internacionais”. Continuou ele: “não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar (...) a necessidade da revisão da Constituição (...) A constituição atual é uma constituição antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada; uma estrutura injusta e desumana. O povo quer que se amplie a democracia, quer que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facilitado participar da vida política do país, através do voto, podendo votar e podendo ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e que seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminação ideológica ou religiosa”.

Jango arremessou-se contra aqueles que usavam do manto da religião para combater as reformas: “O cristianismo nunca foi o escudo para privilégios (...) nem também os rosários podem ser levantados contra a vontade do povo e as suas aspirações mais legítimas. Não podem ser levantados os rosários da fé contra o povo, que tem fé na justiça social (...) Os rosários não podem ser erguidos contra aqueles que reclamam a discriminação da terra, hoje ainda em mãos de tão poucos”. Isso enfureceria a alta cúpula da Igreja católica que, naquele momento, se vinculava aos setores mais reacionários da sociedade.

Ainda no palanque Jango assinou dois decretos. Em um estatizou as refinarias de petróleo privadas e em outro desapropriou as terras com mais de cem hectares que margeavam as rodovias, ferrovias e açudes federais. Para a esquerda era o começo das reformas de base democráticas. O deputado socialista Barbosa Lima Sobrinho escreveu exultante um artigo intitulado “As esquerdas tem um Novo Comandante”. Jango, finalmente, se reconciliava com a esquerda nacionalista e comunista.

Entre as reformas apregoadas estavam: a reforma agrária, que tinha como condição a eliminação do artigo constitucional que previa indenização prévia e em dinheiro; a reforma política, que incluía a legalização do PCB, extensão do direito ao voto aos analfabetos, soldados, cabos e sargentos; a reforma universitária que previa abolição da cátedra e liberdade de ensino. Jango planejava submeter todas essas propostas a um plebiscito nacional.

As reformas anunciadas por Jango não tinham nada de radical, mas assustaram as elites brasileiras. Para o Marechal Castelo Branco era o primeiro passo para o estabelecimento de uma “ditadura síndico-comunista”. Lacerda engrossou o coro dos golpistas: “O discurso de João Goulart, afirmou ele, é subversivo e provocador (...) O candidato furou ontem a barreira da Constituição (...) A guerra revolucionária está desencadeada. Seu chefe ostensivo é o Sr. João Goulart, até que os comunistas lhe dêem outro”.

No dia 19 de março veio a resposta conservadora. Uma passeata de cerca de 500 mil pessoas intitulada “Marcha da família com Deus pela liberdade” paralisou o centro de São Paulo. O evento teve apoio do governo de Estado, de setores da Igreja Católica, da Fiesp, da Sociedade Rural, das Associações Comerciais e diversas entidades das classes médias. A grande imprensa começava a clamar abertamente pela destituição de Jango.

O pretexto do golpe militar foi a revolta dos marinheiros e fuzileiros, que teve início em 26 de março. Ela foi apoiada pela CGT, pela UNE e pela Frente de Mobilização Popular. A quebra de hierarquia militar foi esgrimida pelos oficiais golpistas contra o governo. Era a comprovação de que o país estava à beira de um levante síndico-comunista e que a ordem liberal-burguesa estava ameaçada. Fechou-se, então, o cerco em torno de Goulart. Contra ele se levantou o conjunto das classes proprietárias, inclusive a chamada burguesia nacional e as camadas médias.

Na noite do dia 31 de março eclodiu um golpe militar visando derrubar o presidente da República. Logo em seguida o presidente do Congresso Nacional, Áureo de Moura Andrade, convocou uma sessão extraordinária e, com Jango ainda em território brasileiro, declarou vaga a presidência e, sob protesto dos parlamentares progressistas, empossou o deputado Raniere Mazzili.

A grande maioria dos governadores, assembléias legislativas e câmaras municipais apoiaram a deposição de Goulart. A mesma coisa fizeram os grandes órgãos de comunicação. Portanto, o golpe de 1964 não foi um mero complô militar, com apoio do imperialismo norte-americano. Ele tinha bases sociais fortes nas classes economicamente dominantes e na elite política civil a elas ligada.

Bibliografia

-Bandeira, Luiz Alberto Moniz – O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964), editora UNB.
-Silva, Hélio – 1964: golpe ou contra-golpe, Ed. Civilização Brasileira.
-Toledo, Caio Navarro (org) 1964: visões críticas do golpe, Ed. Unicamp.
-------------------------- - O governo Goulart e o golpe de 1964, Ed. Brasiliense.
Publicado em 16 de abril de 2008, no site www.vermelho.org.br .

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Debate organizado pelo NELAM discute o papel de Cuba e Venezuela no Processo de Integração Latino-Americana

Estudantes, professores e representantes de movimentos sociais presentes no debate

No sábado, dia 12 de abril, ocorreu mais um debate organizado pelo NELAM, no Centro Universitário Fundação Santo André.

Cerca de 80 pessoas estavam presentes no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FAECO). Em sua maioria, estudantes do curso de Relações Internacionais, interessados em aprofundar seus conhecimentos sobre qual é a importância do processo de integração latino-americana na atualidade, bem como qual o papel que países como Cuba, Venezuela e Brasil podem desempenhar neste início de século XXI, momento em que o tema da integração adquire cada vez mais relevância nas discussões sobre política externa e política internacional.
Também participaram do debate estudantes dos cursos de História, Ciências Sociais e Administração, além da professora Marineide, que leciona em diversos cursos da FAECO e FAFIL.
Na coordenação da mesa estava a professora Fabiana Rita Dessoti (NELAM). Os debatedores foram os professores Marcelo Buzetto (doutorando em Ciências Sociais/PUC-SP, NEILS-PUC/SP e NELAM) e José Alfonso Klein (doutorando em Ciências Sociais/PUC-SP, NEILS-PUC/SP e NELAM).
A escolha da data teve relação com os seis anos da fracassada tentativa de golpe civil-militar contra o governo democrático e popular da Venezuela. Entre 11 e 12 de abril de 2002, forças sociais e políticas anti-democráticas se insurgiram na tentativa de instaurar uma ditadura na Venezuela. Tomaram o palácio do governo, sequestraram e mantiveram incomunicável durante 48 horas o presidente Hugo Chávez Frias, invadiram e destruíram as instalações da TV estatal-canal 8, destruíram parte da embaixada de Cuba, agrediram funcionários e partidários do governo, além de provocarem confrontos entre a população em várias partes do país. Essa oposição golpista e anti-democrática também foi responsabilizada pela morte de dezenas de pessoas que marchavam pelas ruas de Caracas quando foram surpreendidas por franco-atiradores, que disparavam suas armas contra os manifestantes que eram a favor e contra o governo, numa clara tentativa de jogar uns contra os outros e de simular uma situação de caos e de confronto generalizado que justificasse o golpe contra Chávez. As grandes empresas de comunicação alimentavam o ódio dos golpistas com imagens manipuladas que insinuavam que o governo reprimia o povo. A farsa deste falido golpe de estado financiado pelo governo dos EUA é desmascarada pelo brilhante documentário "A revolução não será televisionada", dirigido por Kim Bartley e Donnacha O'Brian, que foi exibido após o debate.
Durante sua exposição o professor Klein afirmou que existe muito desconhecimento e preconceito quando se fala da situação de Cuba. Afirmou que o povo cubano enfrenta sim dificuldades, mas que estas são resultado, principalmente, do bloqueio econômico imposto desde a década de 60 pelo governo dos EUA. Também fez questão de ressaltar que no sistema político-eleitoral de Cuba são as organizações e movimentos sociais que indicam os candidatos, e não o Partido Comunista Cubano (PCC), como pensam muitas pessoas. Segundo o professor esse critério cria condições mais favoráveis para que os eleitos sejam pessoas que, de fato, terão algum compromisso com a comunidade, pois foi a própria comunidade ou movimento sindical, popular e estudantil que fez a escolha. Outro tema que ganhou destaque na exposição de Klein foi a solidariedade presente na política externa de Cuba. Deu como exemplo a Operação Milagros, onde o governo daquele país tem oferecido tratamento e cirurgia gratuita de catarata a pessoas de diversos países da América Latina.
Já o professor Marcelo Buzetto iniciou com uma apresentação do NELAM, afirmando que o mesmo é um espaço coletivo e democrático que procura ser mais um instrumento do processo de integração e cooperação entre os povos da América Latina. Em sua exposição sobre a Venezuela destacou que este país vem sendo constantemente atacado por setores mais conservadores e anti-democráticos da política latino-americana justamente por ter feito uma escolha: construir um caminho próprio de desenvolvimento econômico e social. O professor demonstrou como o governo Chávez é resultado de um amplo processo de mobilização social que entre 1989 e 1998 tomou conta da Venezuela. Apresentou o governo venezuelano como uma frente de partidos e movimentos sociais de esquerda que se uniram em torno de um programa anti-neoliberal, que nos últimos anos tem implementado importantes medidas de caráter democrático, popular e antiimperialista. Durante o debate surgiu o tema da defesa nacional, e como tal questão está inserida na reflexão sobre a integração sul-americana. O professor Marcelo afirmou que a Venezuela vem propondo desde 1999 a integração do sistema de defesa sul-americano, além de defender a criação de uma "Organização do Tratado do Atlântico Sul" (OTAS), como forma de neutralizar a influência das potências capitalistas que se organizam através da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Também afirmou que o governo da Venezuela e Brasil discutem a criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano, iniciativa que poderia contribuir para evitar, segundo o professor, aventuras militaristas como a invasão do território equatoriano por forças armadas da Colômbia, como ocorreu em março deste ano. Essa iniciativa, num momento em que existem governos bastante alinhados com a posição política da Venezuela em relação à integração, como é o caso da Bolívia e do Equador, e governos que, apesar de algumas divergências, são considerados amigos da Venezuela, como é o caso do Brasil e da Argentina, poderia neutralizar a influência estadunidense, que se expressa principalmente através da postura do atual presidente colombiano Álvaro Uribe.
No final do debate a professora Fabiana fez um convite para que todos e todas que estejam interessados na reflexão sobre os rumos da América Latina se integrem e participem do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NELAM).

segunda-feira, 7 de abril de 2008

NELAM realiza debate sobre Cuba e Venezuela no Processo de Integração Latino-americana - 12/04

Debate

Cuba e Venezuela no Processo de Integração Latino-americana

Com:

Marcelo Buzetto – professor do CUFSA, membro do NELAM e do Neils/Puc-SP e do Setor de Relações Internacionais do MST

José Alfonso Klein – professor do CUFSA, membro do NELAM e NEILS-Puc/SP e da Intersindical

Dia 12/04/2008 (sábado) –
13h00 – Auditório Faeco

Centro Universitário Fundação Santo André
Av. Príncipe de Gales, 821, Bairro Príncipe de Gales –
Santo André/SP


13h00-15h00:debate
15h00: documentário “A revolução não será televisionada” (Filmado e dirigido por: Kim Bartley e Donnacha O’Briain. Produção: Power Picture associada à Agencia de Cinema da Irlanda)


12/04/2002 – 12/04/2008: 6 anos da tentativa de golpe civil-militar contra o governo democrático da Venezuela


Organização: Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NELAM)
Apoio: MST, Intersindical, NEILS-PUC/SP

Professores e estudantes do NELAM fazem reunião com Cônsul Geral de Cuba

Os professores Marcelo Buzetto e José Alfonso Klein, junto com um grupo de 15 estudantes do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA) estiveram, no último dia 29/04, no consuldado de Cuba em São Paulo.

No dia 29 de abril realizou-se a primeira reunião deste ano entre professores e estudantes do Núcleo de Estudos Latino-americanos - NELAM e representantes do governo de Cuba. A reunião ocorreu no Consulado de Cuba, no bairro de Perdizes, em Saõ Paulo. Além dos professores Marcelo Buzetto e José Alfonso Klein, coordenadores do NELAM, 15 estudantes do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André, membros do NELAM, estiveram presentes.

Pelo Consulado da República de Cuba participaram o Cônsul Geral, Sr. Carlos Trejo e o Cônsul Bladimir. Os dois diplomatas cubanos fizeram uma exposição da situação de Cuba na atualidade, destacando os convênios e parcerias que este país desenvolve com universidades e com o governo brasileiro. Falaram sobre as possibilidades existentes de convênios e de intercâmbio que poderiam se desenvolver entre o Centro Universitário Fundação Santo André, através do NELAM, e instituições de ensino e pesquisa de Cuba.

Entre os membros do NELAM estavam diretores da FAECO Júnior, entidade formada por alunos e ex-alunos da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do CUFSA. FAECO Júnior e NELAM farão uma reunião para discutir os encaminhamentos relacionados à possíveis parceiras com o governo cubano e o CUFSA.

Os membros do NELAM decidiram elaborar uma proposta de intercâmbio para ser apresentada ao CUFSA.

Outro tema discutido durante a reunião foi a formação de um grupo de estudantes e professores do NELAM para conhecer Cuba em janeiro de 2009, durante as comemorações dos 50 anos da Revolução Cubana. O convite feito pelo Cônsul foi recebido com muito entusiasmo, e o NELAM já está se organizando para que aqueles que estejam interessados nessa viagem possam ir se preparando desde já para conhecer esta experiência particular de desenvolvimento econômico e social que é Cuba.

Ao final da reunião houve um debate sobre a situação atual de Cuba e os desafios que este país têm enfrentado diante do bloqueio econômico estadunidense, uma ação de guerra que causa inúmeros prejuízos econômicos e sociais para esta pequena ilha caribenha.
Outro tema que tomou conta da reunião foi um informe sobre o Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba e a II Convenção Paulista de Solidariedade a Cuba, que será realizada no dia 10 de maio, em São Paulo.
No final da reunião os estudantes receberam um presente do Cônsul, charutos cubanos, um produto conhecido internacionalmente e que já faz parte da cultura popular em Cuba.

O NELAM agradeceu a hospitalidade do Cônsul Geral de Cuba, Carlos Trejo, e do Cônsul Bladimir, e já fez o convite para que, assim que for possível, os dois visitem, mais uma vez, o Centro Universitário Fundação Santo André.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Caio Navarro Toledo - Brasil: 44 anos do golpe de abril

Caio Navarro de Toledo: 44 anos do Golpe de Abril

Passados 44 anos, na data de hoje – coincidindo com o dia em que o imaginário popular consagra ao “dia da mentira” –, era rompida a legalidade democrática instituída no Brasil com a Carta de 1946.

Por Caio Navarro de Toledo*

Diante da questão – golpe ou revolução –, caberia lembrar as palavras de um eminente protagonista dos idos de abril. Num depoimento, em 1981, Ernesto Geisel, que por cinco anos foi presidente na ditadura militar (1974-1979), declarou: “o que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções se fazem por uma idéia, em favor de uma doutrina”. Para o vitorioso de abril, o movimento se fez contra Goulart, contra a corrupção, contra a subversão. Estritamente falando, afirmou o general, o movimento liderado pelas Forças Armadas não era a favor da construção de algo novo no país.

Embora lúcidas – na medida em que rejeitam a noção de Revolução –, as formulações do ex-ditador podem ser objeto de uma contraleitura. É possível, pois, ressignificar todos os contras presentes no depoimento do militar brasileiro. Mais apropriado seria então afirmar que 1964 representou um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; um movimento contra as reformas sociais e políticas; uma ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores e do rico debate ideológico e cultural que estava em curso no país.

Em síntese, no pré-64, as classes dominantes e seus aparelhos repressivos e ideológicos – diante das legítimas iniciativas e reivindicações dos trabalhadores (no campo e na cidade) e de setores das classes médias –, apenas vislumbravam “crise de autoridade”, “subversão da lei e da ordem”, “quebra da disciplina e da hierarquia” e “comunização” do país. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro.

Em toda nossa história republicana, o golpe contra as frágeis instituições políticas do país se constituiu em ameaça permanente. O fantasma do golpe rondou, em especial, os governos democráticos no pós-1946 e, com maior intensidade, a partir dos anos 1960. Pode ser dito que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Em abril de 1964, o golpe – permanentemente reivindicado por setores da sociedade civil – foi, então, definitivamente vitorioso.

O golpe paralisou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que se processava em órgãos governamentais, partidos políticos, associações de classe, entidades culturais, revistas especializadas (ou não), jornais etc. Nos anos 1960, conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam politicamente para defender seus projetos sociais e econômicos.

Se o governo Goulart e as forças progressistas tiveram alguma parcela de responsabilidade pelo agravamento da crise política no pré-1964, deve-se, contudo, enfatizar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a democracia foram as classes dominantes* – apoiadas por setores médios e incentivadas por órgãos governamentais norte-americanos (Embaixada dos EUA, Departamento de Estado, Pentágono e outras agências de segurança) – e facções duras das Forças Armadas brasileiras, representadas pela alta oficialidade.

Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e militares, como uma autêntica Revolução – com a virtude maior de ter sido um movimento que, de forma “pacífica”, derrotou a “subversão comunista” e a “iminente” ameaça do socialismo...

Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas, de imediato, congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela “solução” que encontraram na superação da “crise política” vivida pelo país. Uma nova (e grandiosa) Cuba ao sul do Equador, era, assim evitada, avaliou a administração do presidente norte-americano Lyndon Johnson.

O governo João Goulart ruiu como um castelo de areia. As classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das manifestações e passeatas – lideradas por segmentos das classes médias e financiadas pelo empresariado – que, em algumas capitais do país, pediam a destituição de Goulart. Revelavam, inclusive, certa simpatia pelo governo reformista de Jango; no entanto, nada fizeram para evitar a sua derrubada em abril de 1964.

As forças políticas de esquerda que afirmavam representar os trabalhadores e os setores populares nenhuma ação significativa desenvolveram para impedir o golpe político-militar. Como bem se sabe, o golpe de 1964 não foi um raio em céu azul pois, desde agosto de 1961 (com o fracasso do veto à posse de Goulart após a renúncia de Jânio Quadros), era ostensiva a conspiração da direita civil e militar.

Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as forças progressistas e de esquerda nenhuma resistência ofereceram aos golpistas. Alegando que não queria assistir uma “guerra civil” no país, Goulart negou-se a atender alguns apelos de oficiais legalistas no sentido de ordenar uma ação repressiva – de caráter meramente intimidatório – contra as frágeis forças sediciosas que vinham de Minas, comandadas pelo obscuro General Mourão Filho. Preferiu o exílio, não o enfrentamento político contra seus adversários.

No calor da hora, algumas lideranças de esquerda afirmavam que os golpistas, caso ousassem quebrar a ordem constitucional, teriam suas “cabeças cortadas”. Era, pois, uma metáfora. Com a ação dos “vitoriosos do abril”, esta expressão se tornou uma dura e cruel realidade para muitos homens e mulheres, vítimas da ditadura militar que sobreviveu durante 20 anos.

As forças políticas e sociais, hoje comprometidas com o aprofundamento da democracia política e com a realização de reformas sociais e econômicas no capitalismo brasileiro não devem se silenciar sobre este evento que marcou a história política brasileira. Passados 44 anos, nada há, pois, a comemorar. Ao contrário, devemos sempre relembrar: Ditadura, nunca mais!

* Professor colaborador da Unicamp, autor de O governo Goulart e o golpe de 1964, Editora Brasiliense e 1964: visões críticas do golpe (org.), Editora Unicamp; fonte: www.pt.org.br
* Em escritos recentes, alguns historiadores têm afirmado que, no pré-1964, setores da esquerda – por “não morrerem de amores pela democracia”– também tinham projetos golpistas. Não fornecem, contudo, evidências para demonstrar esta hipótese. Fornecem, sim, argumentos para que se fortaleça a idéia de que o golpe de 1964 teria sido um contragolpe preventivo. Certamente, a direita brasileira não pode senão manifestar sua satisfação com estas infundadas insinuações – expostas, publicamente, por ocasião dos eventos ocorridos em 2004 (seminário, artigos, entrevistas etc) por alguns historiadores e cientistas políticos progressistas.

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