quinta-feira, 25 de março de 2010

Debate sobre Integração Latino-americana - 14/04/10

DEBATE SOBRE

“A INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA NA VISÃO DOS GOVERNOS E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS”

DIA 14 DE ABRIL - 19H30

COM

PAOLA PRADO BELTRÁN – CÔNSUL GERAL DO EQUADOR EM SÃO PAULO e

CARLOS TREJO – CÔNSUL GERAL DE CUBA EM SÃO PAULO - “ALBA, UNASUL E CELAC: INSTRUMENTOS DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA”

MARCELO BUZETTO – COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS (NELAM/CUFSA), PROFESSOR DO CUFSA, DA UMESP-SBC E DA ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES - “OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA:CLOC, VIA CAMPESINA, CONSELHO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DA ALBA”

LOCAL: AUDITÓRIO DA FAECO

CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ (CUFSA)
AV. PRINCIPE DE GALES, 821, BAIRRO PRÍNCIPE DE GALES, SANTO ANDRÉ/SP

ORGANIZAÇÃO: NÚCLEO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS (NELAM/CUFSA) http://nelamsp.blogspot.com/
APOIO: Colegiado do Curso de Relações Internacionais, Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (PROPPEX-CUFSA).

Datas e conteúdo do novo curso gratuito do NELAM

CURSO GRATUITO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

EUA E AMÉRICA LATINA: GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ABERTURA OFICIAL DO CURSO:

14 de abril de 2010, 19H30, Auditório da FAECO, com palestra de Carlos Trejo (Cônsul Geral de Cuba), Paola Prado (Cônsul Geral do Equador) e Marcelo Buzetto (Coordenador do NELAM/CUFSA) com o tema “A integração latino-americana na visão dos governos e dos movimentos sociais”.

DATAS E CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Abril:
14: Abertura do curso com o debate “A integração latino-americana na visão dos governos e dos movimentos sociais”.

17 e 24: Formação Econômica , Social e Histórica dos EUA. A expansão neocolonialista/imperialista - Prof. Me. Marcelo Buzetto (doutorando em Ciências Sociais PUC/SP, coordenador do NELAM/CUFSA, professor, CUFSA, UMESP-SBC e Escola Nacional Florestan Fernandes, membro do NEILS/PUC-SP)

Maio:
08: Doutrina Monroe X Bolivarianismo - Prof. Dr. Luis Bernardo Pericás (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais-FLACSO, Doutor em História Econômica USP)

22: Do Corolário Roosevelt à II Guerra Mundial- Prof. Me. Antonio Macário de Moura (Mestre em Ciências Sóciasis pela UNESP Marília, membro-colaborador do NELAM/CUFSA)

Junho:
05 e 19: EUA e a Guerra Fria na América Latina: golpes, terrorismo e ditaduras – Prof. Dr. Júlio César Zorzenon (doutor em História Econômica USP, professor CUFSA, membro do NELAM/CUFSA)

HORÁRIO E DIA

O curso ocorrerá sempre aos sábados, das 8h00 às 13h00, no Auditório da FAECO, no Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), situado na Avenida Príncipe de Gales, 821, bairro Príncipe de Gales, Santo André/SP. O período das 8h00 às 10h00 será considerado como tempo para leitura, e o período presencial será das 10h00 às 13h00, sendo o tempo para estudo e debate em sala de aula.

CARGA HORÁRIA - 33 HORAS

O CURSO SERÁ GRATUITO E ABERTO PARA A COMUNIDADE. TAMBÉM SERÁ FORNECIDO CERTIFICADO PARA QUEM PARTICIPAR DE, NO MÍNIMO, 75% DOS ENCONTROS.


ORGANIZAÇÃO: NÚCLEO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS (NELAM/CUFSA)
http://nelamsp.blogspot.com

APOIO: COLEGIADO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS/PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO (PROPPEX)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

As lutas sociais e políticas no Equador

As lutas sociais e políticas no Equador: possibilidades e contradições da chamada “Revolução Cidadã”- Marcelo Buzetto

De acordo com a nova constituição do país, aprovada por um referendo popular em 28 de setembro de 2008, o Equador é um “Estado constitucional de direito, e justiça, social, democrático, soberano, independente, unitário, intercultural, plurinacional e laico” (art.1) que “condena toda forma de imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, e reconhece o direito dos povos à resistência e libertação de toda forma de opressão” (art.416). Só por estes dois artigos da nova Constituição já é possível perceber que algo de novo acontece neste país.
Desde 21 de janeiro de 2000, quando foi vitoriosa uma grande mobilização social que levou à derrubada do presidente Jamil Mahuad, em Quito, o país vive um processo de ofensiva dos movimentos de massa da classe trabalhadora, que é uma classe profundamente marcada pela questão étnica e pela questão das nacionalidades, pois no país existem 14 nacionalidades e povos (Waorani, Chachi, Tsáchila, Awá, Épera, Kichwa, Cofán, Siona, Andoa, Secoya, Zápara, Shuar, Achuar e Shiwiar, além dos povos afroecuatoriano e montubio).
Desde então diversos movimentos sociais se fortaleceram ou foram criados, e a luta popular deu um salto adiante em termos de organização, mobilização e participação ativa do povo. Essa mobilização de 2000 uniu a Confederação Nacional de Nacionalidades Indígenas – CONAIE, a Confederação de Povos da Nacionalidade Kichwua do Equador – ECUARUNARI e diversos outros movimentos a setores militares do exército organizados pelo Coronel Lúcio Gutierrez, que assumirá a presidência de 2003 a 2005, sendo retirado também pela pressão popular. Hoje várias pessoas e lideranças afirmam que Gutiérrez era um quadro da CIA no Equador, e que participou dos levantamentos populares em 2000 para não deixar que a classe dominante perdesse o controle da situação, impedindo assim uma vitória plena de uma alternativa verdadeiramente popular e independente da classe trabalhadora. O coronel (que agora assina “engenheiro”) criou o Partido Sociedade Patriótica e segue hoje na oposição a Rafael Correa, com grande influência nas Forças Armadas, segundo dizem muitos dirigentes populares do Equador. Esse processo de ofensiva, de reorganização popular com amplas lutas de massa foi criando condições favoráveis para a construção de uma unidade entre diversas organizações, o que resultou na candidatura de Rafael Correa pelo Movimento Aliança País, partido criado para a disputa eleitoral de 2006, que recebeu o apoio do Partido Socialista do Equador-PSE, da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras - FENOCIN e da Confederación Única Nacional de Afiliados al Seguro Social Campesino CONFEUNASCC, duas organizações da CLOC/VIA CAMPESINA no Equador. Outros setores de esquerda também lançaram candidatos, como o Movimento Popular Democrático-MPD (que é o braço público-legal do Partido Comunista Marxista-Leninista/PCML e tem o controle da União Nacional dos Educadores (UNE) e o Movimento Plurinacional Pachakutik-Novo País (MPP-NP). No segundo turno de 2006 esses movimentos apoiaram Rafael Correa.
Este governo me parece (em algumas coisas, não na maioria das coisas) algo como o que teria sido o Brasil se Lula tivesse vencido as eleições de 1989, ou seja, depois de alguns anos de retomada das lutas sociais e populares, com ofensiva do movimento de massas, conquistas democráticas e reorganização popular, surgem movimentos, organizações e partidos de esquerda que conseguem fazer uma candidatura democrática e popular ganhar as eleições, tem uma nova constituição bastante avançada em muitos temas, o novo governo tem políticas públicas e programas sociais inovadores para os mais pobres, a participação popular cresce, enfim, as condições tornaram-se mais favoráveis para o avanço de um projeto democrático, popular e antiimperialista. Tudo isso acontecendo com todas as possibilidades e todas as contradições possíveis e imagináveis. Todo tipo de oportunismo, reformismo/governismo, divisionismo/sectarismo se desenvolvendo no interior das organizações populares e partidos de esquerda. Várias formas de luta e de organização surgindo e se desenvolvendo. Conflito permanente entre os novos e velhos dirigentes. Concentração de poder X luta pela construção de uma direção mais coletiva para os movimentos. Todo tipo de sedução/cooptação por parte do governo. Luta para manter a independência e a autonomia do movimento social diante do governo. Diversas e distintas situações, para o bem e/ou para o mal. É um governo nacional-desenvolvimentista, de centro-esquerda (talvez com mais conteúdo de esquerda do que de centro), com pessoas ligadas à movimentos sociais em cargos importantes, com posições bastante progressistas em relação à diversos temas, com uma base social popular, principalmente indígena, camponesa e de setores médios (pequena e média burguesia urbana, intelectuais). É o momento do nacional-desenvolvimentismo equatoriano, onde “governar é construir estradas”, impulsionar grandes obras de infra-estrutura, facilitar o transporte de pessoas e mercadorias por todo o território nacional, com preocupação ambiental e social, como sempre manifesta Correa em suas intervenções. Os direitos democráticos mais elementares para os povos e nacionalidades indígenas estão chegando agora, é algo novo, conquistado coma as lutas massivas dos últimos anos, que resultaram em leis e numa nova constituição. A democratização dos meios de comunicação é outro desafio, e o governo contra-ataca indo para cima dos monopólios com uma campanha “Liberdade de Expressão, Sim! Liberdade de Difamação, Não!”, “Liberdade de Expressão, Sim! Liberdade de Distorção, Não!”. Uma coisa é certa: o nível de consciência política das massas se elevou nesses últimos 10 anos, também sua capacidade de organização e de mobilização, mas tudo isso ainda é muito insuficiente para os desafios que a classe trabalhadora equatoriana tem pela frente. Os que apóiam o governo dizem que há uma “Revolução Cidadã” em curso. Eu diria: não há revolução alguma, nem situação revolucionária, nem mesmo situação pré-revolucionária. Existe um processo de mobilização de massas que pode avançar para uma situação pré-revolucionária ou não, depende de uma série de fatores, das condições objetivas e subjetivas do próximo período. Os meios de produção continuam nas mãos dos mesmos, antes e depois de Correa. Quem apóia o governo caracteriza o mesmo como sendo um governo em disputa (FENOCIN, CONFEUNASCC, etc, e me pareceu a caracterização da maioria dos movimentos sociais). A diferença é que existem movimentos e organizações dentro desse campo mais submissos ao governo e movimentos/organizações com mais capacidade de análise crítica, autonomia e independência, indo num apoio mais crítico (caso da FENOCIN). Todos reconhecem a existência de setores conservadores e até mesmo de direita dentro do próprio governo. Mas reconhecem que as condições para a esquerda acumular forças são mais favoráveis na atualidade. Quem se coloca na oposição “de esquerda” ao governo caracteriza o mesmo como um governo de direita (o que considero um equívoco), como é o caso da ECUARUNARI. Também o MPD/PCML afirma que o governo está num caminho de direitização. Os que se opõem a esta tese dizem que CONAIE/ECUARUNARI/PACHAKUTIK partiram para a oposição pois não tiveram êxito na tentativa de chantagear o governo, ou seja (segundo lideranças do governo e de vários movimentos sociais), chegaram com uma lista de cargos com nomes já indicados de suas organizações, dizendo que se o governo não aceitasse o acordo, de trocar cargos por apoio político, iriam para a oposição. Outra crítica que muitos movimentos sociais fazem à esta “oposição de esquerda” é que tem uma visão muito corporativista, sempre o mais importante é a minha organização, a minha reivindicação, a luta dos povos indígenas, desprezando/menosprezando outras lutas e outros setores da classe trabalhadora. Já as três organizações citadas criticam FENOCIN/CONFEUNSCC e outros afirmando que estes foram cooptados e agora estão recebendo os cargos do governo como prêmio por sua obediência a Correa.No caso do MPD/PCML um dos motivos de sua crescente oposição a Correa, segundo nos disseram algumas lideranças camponesas e indígenas, foi a nova lei da educação superior, que criou novas regras para as eleições de reitor e assim criou condições para retirar das mãos do MPD/PCML o controle da Universidade Andina Simon Bolívar, pois a base de atuação desse partido são as universidades.Uma preocupação presente no dia-a-dia das lutas sociais no Equador é a possibilidade de uma nova contra-ofensiva vitoriosa por parte da direita, que tenta hoje se reorganizar aproveitando-se da situação de divisão entre as forças populares e antiimperialistas. A forma como as divergências (dentro da esquerda) estão se apresentando pode levar a um distanciamento tão grande entre as várias organizações que o diálogo e o debate sobre qual é o projeto estratégico poderá ficar prejudicado, encerrando assim a possibilidade de um acordo programático mínimo entre o que lutam para colocar o país nos rumos de uma transição com caráter anticapitalista. Nosso desejo é que os trabalhadores e trabalhadoras do Equador possam fazer valer a consigna “Nenhum passo atrás!”, pois já perdemos em Honduras, continuamos perdendo na Colômbia e a vitória eleitoral da direita na Chile também foi mais um sinal de que devemos nos preparar melhor para os embates do próximo período.

Marcelo Buzetto-Setor de Relações Internacionais do MST, Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos do Centro Universitário Fundação Santo André (NELAM-CUFSA). Esteve recentemente no Equador participando do Io. Encontro Nacional de Organizações e Movimentos Sociais, na cidade de Baños, 14 e 15/01/10.

Sujeito Histórico e Revolução Social na América Latina



O debate sobre o sujeito histórico: proletários, camponeses e indígenas na Revolução Latino-Americana[1] - 15/01/2010 - Baños, Equador.

Marcelo Buzetto[2]

Em primeiro lugar gostaria de, em nome do povo brasileiro, de me solidarizar com o povo do Haiti, que sofre mais uma vez devido a um terremoto que matou mais de 100 mil pessoas. Nos envergonha e causa indignação aos movimentos sociais do Brasil a ocupação militar daquele país, comandada pelas tropas do exército brasileiro. Desde 2004 o exército brasileiro e de outros países, sob a bandeira da ONU, estão no Haiti, e não construíram um único hospital, uma única escola, não distribuíram um único hectare de terra para o povo plantar e comer, não elaboraram um plano de emergência para situações de catástrofe, mesmo sabendo que o país sempre viveu situações de risco. Consideramos um erro do governo brasileiro manter tropas no Haiti, por isso continuaremos lutando pela retirada imediata das tropas do Haiti. Ajuda humanitária sim, como fazem Cuba e Venezuela, soldados para reprimir o povo, não!

1. O que é uma revolução?

Para identificarmos de qual sujeito histórico estamos falando, creio que é importante definir o que queremos, onde queremos chegar, o que pretendemos fazer, o que queremos transformar, com que intensidade será essa transformação, etc.
Penso que os movimentos sociais de que falamos são aquelas organizações que representam a classe trabalhadora e as massas populares, ou seja, os pobres do campo e da cidade. Se queremos transformar, de fato, a realidade econômica, social, política e cultural em que vivemos, só existe um caminho, que é construir nas lutas cotidianas as condições mais favoráveis para desencadearmos uma verdadeira revolução social, que seja a expressão real das necessidades e desejos da classe trabalhadora, dos setores mais explorados e oprimidos da sociedade.
Uma revolução acontece quando a classe oprimida toma em suas mãos os meios de produção, quando o poder econômico e político passa de uma classe para a outra através de um amplo e intenso processo de mobilização popular e social, onde os mais pobres adquirem um certo nível de consciência política , de organização e de mobilização que faz com que a classe dominante não tenha mais condições de manter seus privilégios e de continuar explorando o povo. A esse processo radical de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais chamamos de revolução.

2. Por quê lutamos por uma revolução social?

Porque queremos construir uma nova sociedade, verdadeiramente justa, democrática e humana. Uma sociedade onde a garantia de uma vida digna para todos e todas seja o principal objetivo da economia e do processo de produção, onde as relações sociais não sejam baseadas na exploração da maioria por uma minoria rica que concentra em suas mãos o poder econômico e político. Uma revolução social é uma necessidade objetiva para melhorar as condições de vida e de trabalho daquelas pessoas que no mundo atual são obrigadas a vender sua força no trabalho para os ricos/empresários em troca de um salário de fome.

3. Que tipo de revolução temos que fazer para atender as necessidades da maioria do povo?

Se vivemos no modo de produção capitalista, e reconhecemos nesse sistema a causa fundamental de toda a desigualdade econômica e social existente, então, uma revolução social verdadeira, autêntica, terá um caráter e um conteúdo profundamente antiimperialista e anticapitalista. Terá que ser uma revolução que vá criando condições cada vez mais favoráveis para uma transição para além do capitalismo, uma revolução que seja um processo de mobilização social e popular onde a classe trabalhadora vai, através de suas lutas concretas, se apropriando dos meios de produção e construindo assim as novas relações econômicas da nova sociedade que vai sendo construída coletivamente pela força organizativa dos pobres do campo e da cidade, da classe operária, dos camponeses, dos povos originários/indígenas, etc... Terá que ser uma revolução contra o capital e contra o capitalismo, e em defesa do socialismo.

4. Já houve uma revolução assim na América Latina?

Para nós do MST, a única revolução social anticapitalista vitoriosa na América Latina, até o momento, tem sido a Revolução Cubana de 1959. Existiram e existem ainda hoje tentativas revolucionárias, movimentos revolucionários, momentos de intensa mobilização popular, mas tudo isso não significa vitória de uma revolução social anticapitalista.

5. Para ocorrer uma revolução anticapitalista, qual é o sujeito histórico fundamental?

Para nós o sujeito histórico fundamental num processo de transformação social anticapitalista segue sendo, como já afirmaram Karl Marx, Frederich Engels e Vladimir Lênin, o proletariado, o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados, assalariados permanentes, assalariados temporários, trabalhadores e trabalhadoras empregados, subempregados, desempregados, ou seja, os despossuídos dos meios de produção, os que só possuem, para vender no mercado, sua força de trabalho. Também podemos chamar de classe trabalhadora. Por quê afirmamos isto? Porque o proletariado é um sujeito histórico universal, que existe e resiste em todos os países do mundo, do centro, da semi-periferia e da periferia do sistema capitalista internacional. É o sujeito histórico que segue, inclusive, crescendo do ponto de vista numérico em muitos países do mundo. É, sem dúvida nenhuma, a maior parte da população mundial. Veja o caso da China, do Leste Europeu, das ex-repúblicas soviéticas, de países africanos e latino-americanos, onde o processo de proletarização/assalariamento das massas camponesas e indígenas/originárias continua ocorrendo, e com grande intensidade e velocidade durante os anos noventa do século XX e início do século XXI. Na China dos últimos trinta anos, com sua população de 1bilhão e 315 milhões de habitantes, vive-se um processo de formação da classe operária industrial/urbana.
E @s desempregad@s também são proletári@s? Sim, pois estar desempregad@ não significa deixar de ser despossuído ou perder sua condição de vendedor da força de trabalho. Ser desempregado é fazer parte daquilo que Marx chamou de “exército industrial de reserva” e que Engels chamou, em seu livro A situação da classe operária na Inglaterra, de “exército de trabalhadores desempregados”.

6. O proletariado e o desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo

Como o processo de desenvolvimento do capitalismo pelo mundo é profundamente desigual e contraditório, este sistema se objetiva com uma intensidade e com uma velocidade diferentes em cada país, em cada região dentro de um país, em cada momento histórico, etc.
Sendo assim, também o proletariado/a classe trabalhadora sofre transformações, pois seu desenvolvimento em nível internacional também é desigual.
Portanto, no interior do proletariado existem muitas diferenças. Nem tod@ proletári@ vive nas mesmas condições de trabalho e/ou exploração. Existem trabalhadores e trabalhadoras com diferentes padrões salariais, com mais ou menos direitos trabalhistas assegurados, com maior ou menor nível de organização sindical e no local de trabalho, ou seja, todas as diferenças e contradições possíveis e imagináveis se desenvolvem no dia-a-dia da classe trabalhadora mundial. A situação concreta de cada proletári@ é distinta, muda de região para região, de uma categoria profissional para outra, de um setor da economia para outro, de um país para outro.
Na África do Sul, por exemplo, o proletariado organizado pela COSATU (Central sindical sul-africana) sempre lutou contra o racismo e contra o capitalismo, pois o racismo do regime capitalista do Apartheid criou uma situação concreta que obrigou os sindicatos a incorporar a luta contra o racismo como um dos elementos fundamentais da luta de classes entre proletariado e burguesia.
Já no Peru, na Bolívia, no Equador, na Guatemala e outros países, o proletariado é indígena, e isto já nos alertava José Carlos Mariátegui em seu livro “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, um marxista e revolucionário peruano, nos anos 20 do século passado.

7. Toda a base social de uma revolução anticapitalista é proletária?

Quando afirmamos que a força social e política principal, fundamental e determinante para a vitória de uma revolução anticapitalista é o proletariado, não estamos menosprezando ou ignorando outras forças e/ou setores sociais existentes numa sociedade de classes.
Por exemplo, temos no Brasil – e creio que também em outros países, como Equador – uma categoria social chamada por Lênin de semi-proletariado/semi-assalariados. No Brasil quem já escreveu sobre isso foi Claus Germer, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e intelectual marxista que contribui com vários movimentos de trabalhadores do campo e da cidade. Além de proletári@s, @s semi-proletári@s também são parte da base social do MST, e participam ativamente da luta pela terra e pela reforma agrária. São famílias que possuem pouca terra, um pedaço muito pequeno de terra, não possuem nem equipamentos agrícolas nem mesmo tração animal, vivem numa situação tão precária que não conseguem produzir nem mesmo sua sobrevivência com o trabalho na terra. Portanto, possuem pouca terra e não possuem as condições necessárias para a produção de uma vida digna, nem mesmo para sua subsistência. Então o que fazem? São obrigados a vender a única coisa que possuem: sua força de trabalho. Não fazem isto por que gostam, por que querem, mas pela necessidade de garantir comida e outros produtos básicos para sua sobrevivência. Geralmente trabalham para os latifundiários e/ou empresas em condições intensas de exploração. Trabalham muito e ganham pouco. Muitas vezes só tem trabalho durante poucos meses, numa determinada época, não é um trabalho permanente. Trabalham sem receber os direitos trabalhistas assegurados pelas leis brasileiras.
Essas famílias não são puros assalariados, mas não são burgueses. São semi-proletários/semi-assalariados. São os mais pobres entre aqueles que tem um pedaço de terra. Eles também são/devem ser parte da base social a ser mobilizada e organizada para um processo de luta econômica, social e política anticapitalista.

8. E os camponeses?

Essa é uma categoria social que também se desenvolveu de maneira desigual e contraditória durante a expansão nacional e mundial do capital e do capitalismo.
Agora, neste encontro de movimentos sociais, temos que saber precisar de que camponeses estamos falando. O nome camponês, por diversos motivos, se popularizou entre nós, mas é um conceito que merece uma análise bastante profunda e crítica, pois muitas vezes falamos de luta camponesa sem estudar muito o desenvolvimento do capitalismo no campo e o papel que a agricultura teve – e tem – nesse processo. Marx deu uma contribuição fundamental para entendermos a relação entre capitalismo e agricultura no livro “O Capital”, em seu capítulo XXIV (Livro I, Tomo I), conhecido como “A chamada acumulação primitiva de capital”. E Karl Kautsky, seguindo os passos de Marx, em seu livro “A questão agrária”. Temos que estudar profundamente o processo e expansão do capital e do capitalismo em nossos países para, a partir da realidade concreta de cada situação, identificarmos quais são as classes e qual é a estrutura de classes que se desenvolve e se consolida no chamado meio rural.
Voltando à questão central para nós, membros de movimentos sociais latino-americanos: de que camponeses estamos falando?
Daquelas famílias que tem pouca terra e vendem sua força de trabalho?
Daquelas famílias que são pequenos e/ou médios produtores agrícolas que existem e resistem, mas de maneira submissa/subordinada aos interesses do grande capital nacional e transnacional, produzindo para atender as necessidades dos grandes complexos agroindustriais capitalistas?
Em seus livros “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” e “O programa agrário da social-democracia russa”, e num pequeno texto chamado “Aos pobres do campo”, Lênin nos alerta para a existência de camponeses ricos, camponeses médios e camponeses pobres.
Portanto, creio que os camponeses pobres são aqueles que mais podem se aproximar e/ou identificar com um programa de transformações sociais e econômicas elaborado por forças populares e proletárias.

9. E os setores médios? E a chamada classe média?

É verdade que esses setores podem se juntar aos mais pobres do campo e da cidade e à classe trabalhadora para lutar por conquistas democráticas, por mais soberania nacional, por reforma agrária e por algumas reformas sociais importantes e necessárias, mas quando falamos em revolução social, revolução socialista muitos desses setores se afastam ou fazem a crítica às posições dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras. A maioria das pessoas da chamada classe média tem uma tendência a lutar para defender seus interesses corporativos/particulares, e sua posição política é muitas vezes indefinida e/ou vacilante, profundamente influenciada pela correlação de forças no interior da sociedade e da luta de classes. Se existe uma situação de ofensiva e de predomínio da hegemonia política da classe dominante, da grande burguesia, do grande capital nacional e transnacional, esses setores, em sua maioria, tendem a se aliar com esta classe dominante para atacar o proletariado e as massas populares. Mas se as forças proletárias e populares conseguem mudar a correlação de forças e partir para uma ofensiva, conquistando um governo democrático, popular e/ou antimperialista, a posição desses setores também pode mudar. Creio que aqui no Equador muitos setores médios se aproximaram, de alguma maneira, dos movimentos sociais. Creio que as lutas sociais dos últimos anos criaram uma nova correlação de forças que favoreceu essa aproximação. Mas é sempre bom lembrar: a classe trabalhadora não pode ser refém nem estar subordinada à direção política dos setores médios, mesmo que tenham, num determinado momento, posições consideradas progressistas. A classe trabalhadora tem que participar de maneira independente, autônoma, na luta de classes.
Agora vale recordar um ensinamento das revoluções dos séculos XIX e XX: uma coisa é a situação de classe, outra coisa é a posição de classe. A situação de classe é a situação em que se encontra o indivíduo em relação ao processo de produção na sociedade capitalista. E aí você pode ser membro da classe trabalhadora e das massas populares ou pode ser membro da classe dominante. Já a posição de classe é a posição política assumida pelo indivíduo no cotidiano da luta de classes, e aí é preciso observar que podem surgir as mais diversas situações. Por exemplo: nem todo operário é revolucionário, nem todo operário é contra-revolucionário. Existem operários que participam de movimentos revolucinários, operários que participam de movimentos contra-revolucionários (como a tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez ) e operários que não tem um vínculo orgânico com movimentos de esquerda ou de direita. Também existem membros de povos originários/indígenas revolucionários e contra-revolucionários (como muitos índios Miskitos durante a Revolução Sandinista na Nicarágua ou como o Movimiento Nación Camba de Liberación , braço da extrema-direita golpista-fascista na Bolívia, que usa a causa indígena para pregar o separatismo e a derrubada do governo de Evo Morales). Ser operário, camponês, indígena, classe média/pequeno burguês, burguês não significa necessariamente ser de esquerda, centro ou direita. E precisamos compreender essas contradições presentes no processo de construção da nova sociedade. Marx, Engels, Lênin, Mariátegui, Fidel Castro e Che não vieram de uma família operária, de uma família indígena, de uma família camponesa pobre, mas sua posição política na luta de classes foi em defesa dos operários, camponeses pobres e indígenas.

10. Então qual é a aliança estratégica para fazer vitoriosa uma revolução social anticapitalista?

Essa unidade proletária-popular é fundamental na construção de uma frente de movimentos e organizações para fazer avançar a luta pela construção da nova sociedade. O revolucionário nicaragüense Augusto César Sandino, quando construía o Exército de Defesa da Soberania da Nicarágua, afirmava que a organização pretendia ser “um exército proletário-camponês”. Creio que hoje, quando falamos em unidade proletária-popular, falamos da unidade entre a classe trabalhadora e as massas populares urbanas e rurais, entre operári@s, camponeses pobres, afrodescentes pobres (afroecuatorianos, afrobrasileiros, etc...) e povos originários/indígenas, que juntos podem se transformar numa força social e política de massas anticapitalista.
A construção dessa frente de movimentos e organizações proletárias, camponesas, indígenas, populares seria já um sinal de elevação do nível de consciência política da base, dos militantes e dos dirigentes, pois essa unidade na diversidade é o elemento decisivo para impor várias derrotas à classe dominante.
A construção dessa vanguarda proletária-popular, compartilhada entre várias organizações e movimentos seria um passo adiante na compreensão de que nenhum movimento, nenhuma categoria de trabalhadores isolada, nenhuma organização, por mais combativa que seja, tem condições de, sozinha, impor uma derrota importante/decisiva às forças do capital/capitalismo. Nenhuma categoria de trabalhadores pode substituir a força da classe trabalhadora em movimento. Nenhuma organização isolada pode substituir a força social e política de massas que representa uma frente de organizações proletárias, populares e antiimperialistas/anticapitalistas.


10. Existem revoluções anticapitalistas vitoriosas no Equador, na Bolívia e na Venezuela?

Muito resumidamente podemos dizer que existem três momentos distintos do processo de mobilização popular da classe trabalhadora:
A) Ofensiva dos movimentos de massa classistas: quando diversos setores da classe trabalhadora avançam conjuntamente, se organizam, se reorganizam, obtém conquistas parciais, retomam sua capacidade de mobilização e organização e conseguem obrigar a classe dominante a recuar e a se posicionar de maneira defensiva na luta de classes. Me parece que o Equador está nessa situação hoje;
B) situação pré-revolucionária: quando as forças proletárias e populares já acumularam força, forjaram na luta novos militantes e quadros, e suas organizações já conseguem impor importantes derrotas contra a burguesia, onde já se percebe um avanço na elevação do nível de consciência política das massas, do nível de mobilização e organização da classe trabalhadora, mas tudo isso, apesar de representar um passo à frente na luta concreta, ainda não foi capaz de produzir uma força social e política de massas com condição de impor a vitória da revolução social. A tendência, numa situação como esta, é o acirramento das contradições e dos conflitos, acirramento da luta de classes e da luta entre as forças da revolução e da contra-revolução, período em que são criadas condições mais favoráveis para desencadear uma transição de caráter anti-capitalista. É um momento que tende a não durar por muito tempo, principalmente nas condições objetivas da atualidade, é um momento decisivo, de avanço/vitória ou recuo/derrota do projeto revolucionário. O período do governo de Salvador Allende, no Chile, entre 1971/1973, é um exemplo dessa situação. A contra-revolução preventiva (golpe civil-militar de 11/09/73) interrompeu o desenvolvimento dessa situação revolucionária;
C) uma situação revolucionária: quando se cria, de fato, uma excepcionalidade histórica, um momento que é resultado de sucessivas e decisivas derrotas impostas pela classe trabalhadora à classe dominante, onde a expropriação dos expropriadores já é uma realidade e tem início o processo de socialização dos meios de produção, onde todas as reformas vão sendo implementadas de maneira revolucionária, ou seja, sob o controle direto do proletariado e das massas populares do campo e da cidade, onde a tomada do poder político pelos trabalhadores e trabalhadoras já é uma realidade concreta. É o momento de triunfo do processo revolucionário, de vitória da revolução, como ocorreu na Rússia em 1917, na China em 1949, em Cuba em 1959.

Nos casos da Venezuela e Bolívia, me parece que vivem num momento de tensão e transição entre o período de nova ofensiva dos movimentos sociais, com governos democrático-populares e antiimperialistas, e a situação pré-revolucionária. Essa transição é complexa, tensa, cheia de possibilidades, de problemas e de contradições. Difícil prever com muita exatidão a intensidade desses dois processos, pois a cada dia surgem novos fatos, novos conflitos, uma vitória da esquerda hoje, uma vitória da direita no dia seguinte. Então são momentos decisivos, mas de difícil precisão do ponto de vista teórico, pois uma afirmação hoje pode ser desmentida pela realidade amanhã. É uma situação onde, como disseram Marx e Engels, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Às vezes observamos esses processos e pensamos “agora sim o processo revolucionário vai se aprofundar, vai avançar, será vitorioso” (e é esse nosso desejo, lutamos por isso), mas logo depois somos surpreendidos por alguns acontecimentos e pensamos “tudo o que foi conquistado até agora pode desaparecer, pois a direita ainda existe, resiste, tem força e está partindo para uma nova ofensiva contra-revolucionária em todo o continente” (vejam o golpe em Honduras, as bases dos EUA na Colômbia, a vitória da direita no Chile) ou dizemos como Fidel Castro, “o imperialismo e as forças conservadoras não podem destruir nossa revolução, mas nós podemos”, uma frase muito apropriada quando observamos o oportunismo, a burocracia e a corrupção, que vão corroendo/destruindo por dentro os processos de transformação em curso na Venezuela e Bolívia. E foi percebendo esta grave e real ameaça que Chávez, Evo e os verdadeiros revolucionários desses países decidiram intensificar a batalha cotidiana contra esses desvios que podem sim ser um elemento fundamental para enfraquecer e derrotar as mudanças que estão em curso.

11. A importância da teoria revolucionária: Marx e os marxismos

Para nós do MST é fundamentar estudar o marxismo, os conceitos fundamentais do materialismo histórico-dialético. Hoje é moda mesmo no interior da esquerda a crítica às idéias de Marx e dos marxistas. É verdade que o mais correto é falar de marxismos. Mas os mais críticos do marxismo hoje são aqueles que nunca estudaram profundamente os textos de Marx, Engels, Lênin e outros tantos intelectuais revolucionários. Ou nunca leram, ou nunca entenderam.
Combinar os conceitos fundamentais do marxismo com a realidade concreta de cada país, de cada situação concreta, é isso que devemos fazer. Agora, se não temos capacidade de fazer isso, por nossa incompetência, por nossa preguiça intelectual ou pela influência nefasta das idéias pequeno-burguesas no interior de nossas organizações e de nossas lutas, então a culpa é de Marx e Engels? É do marxismo?
Reafirmamos, muitas vezes ainda repetimos, nos movimentos sociais, idéias e conceitos pequeno-burgueses, que nos empurram para uma armadilha chamada “ecletismo”, também chamado por intelectuais pequeno-burgueses de “pluralismo de idéias”. Querem nos seduzir com concepções de mundo supostamente mais “democráticas”, onde temos que nos utilizar de diversos referênciais teóricos para termos uma “visão mais ampla” da realidade. Essa suposta “democracia teórica” esconde um pensamento profundamente autoritário, que quer impor a ditadura do pensamento único (pensamento burguês ou, mais precisamente, pequeno-burguês), querendo obrigar a nós, trabalhadores e trabalhadoras, a não acreditar mais em luta de classes e revolução social, alimentando ilusões que criam muita confusão teórica e desorientação estratégica, nos empurrando para priorizar as lutas corporativas/específicas de cada movimento e nos afastando das lutas mais gerais de nossa classe, ou seja, da luta contra o capital e o capitalismo.
Também é comum ouvir que o marxismo é uma teoria européia. Nada mais equivocado do que essa afirmação. Se o marxismo nasce na Europa, ele também, assim como o capital, se expande por todo o mundo, e é uma teoria que é resultado das ações concretas da classe trabalhadora em todo o mundo.
A Revolução Russa ocorreu no Oriente, e a maior parte do território da URSS (criada entre 1917/1922) estava na Ásia, e não na Europa, ou seja, a primeira revolução anticapitalista vitoriosa, influenciada pelas idéias marxistas, não ocorreu na Alemanha ou na Inglaterra. Muitos revolucionários bolcheviques eram asiáticos e não europeus. E a Revolução Chinesa? Mao Tsé Tung e Chu En Lai eram europeus? E as Revoluções Africanas e os líderes marxistas desse continente? Amílcar Cabral, em Cabo Verde e Guiné Bissau, Agostinho Neto em Angola, Samora Machel em Moçambique, Thomas Sankhara em Burquina Fasso, Julius Neyrere na Tanzânia. E Ho Chi Min e Giap, no Vietnã? E Mariátegui no Peru, Farabundo Martí em El Salvador, Fidel e Che em Cuba, Carlos Fonseca na Nicarágua, Caio Prado Júnior e Carlos Mariguella no Brasil?
De uma coisa temos certeza, precisamos estudar mais, para que o conhecimento seja, de fato, um instrumento da luta pela transformação da realidade.
Chega de imprecisão, chega de falarmos sobre fatos que não dominamos profundamente. Temos que reconhecer nossos limites e debilidades teóricas, e a partir disso, redobrar os esforços e melhorar nossa organização e nosso planejamento de estudos, para que possamos deixar de reproduzir mecanicamente determinados conceitos, para que deixemos de reproduzir uma “caricatura” do marxismo, e nos desafiemos todos e todas a compreender melhor a intensidade e a força do materialismo histórico-dialético, e assim poderemos prestar uma das melhores homenagens a figuras como Marx, Engels, Lênin, Ho Chi Min, Che Guevara, etc. E pensamos que a melhor forma de homenagear esses revolucionários é estudar e compreender aquilo que escreveram e fizeram, estudar seus textos e a história das revoluções que participaram, tirando lições do passado para intervir no presente, e assim construir, no dia-a-dia, o futuro que tanto sonhamos.

[1] Exposição no Io. Encuentro Nacional de Movimientos y Organizaciones Sociales, 14 y 15/01/2010 – Baños-Equador, organizado pela Secretaria de Pueblos, Movimientos Sociales y Participación Ciudadana – Gobierno de Ecuador.
[2] Membro do Coletivo de Relações Internacionais e da Direção Estadual/SP do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (Brasil).

Análise Geopolítica do Golpe Civil-Militar em Honduras

HONDURAS: DO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 28/06 ATÉ AS ELEIÇÕES DE 29/11 –
CONTINUA A RESISTÊNCIA POPULAR



O Golpe em Honduras e a nova guerra dos EUA na América Latina[1]

Marcelo Buzetto

Uma nova ofensiva imperialista está em curso

Depois de dez anos de ofensiva de um projeto democrático, popular e antiimperialista, representado pelas mobilizações operárias e populares em diversos países, por governos como os de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador e pela Alternativa Bolivariana dos Povos da América- Tratado de Comércio entre os Povos (ALBA-TCP), o que vemos em curso em “nuestra América” é o início de mais uma ofensiva da classe dominante estadunidense, com apoio e participação direta dos setores mais conservadores e reacionários da política latino-americana.
Com o objetivo de neutralizar o avanço das forças sociais e políticas que, de alguma maneira, se alinham com o processo de integração conduzido pelos governos e movimentos defensores da ALBA-TCP, uma nova escalada de violência e golpes de Estado pode tomar conta de algumas regiões de nosso continente. O golpe civil-militar em Honduras não é um fato isolado, e representa a primeira ação política-militar mais contundente contra a alternativa bolivariana que vem sendo construída desde a vitória político-eleitoral de Hugo Chávez e da esquerda venezuelana em 1998.
Vivemos um momento de rearticulação da direita e das forças conservadoras na América Latina que, preocupadas com a possibilidade de novas lutas e conquistas sociais por parte da classe trabalhadora, bem como com o fortalecimento e o surgimento de alternativas políticas que possam criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de uma estratégia profundamente antiimperialista e socialista, se unem, se movimentam, se reorganizam, dentro e fora dos parlamentos e das forças armadas, com apoio e participação direta das grandes empresas e corporações industriais e financeiras, nacionais e/ou transnacionais, onde os meios de comunicação de massa vão cada vez mais assumindo a tarefa de desencadear o necessário terrorismo mediático com a finalidade de servir como instrumento fundamental da luta ideológica, junto, é claro, com os setores que detém hoje o controle das Igrejas, seja a católica ou inúmeras outras de origem evangélica/pentecostal, etc.
Nessa nova guerra imperialista se misturam elementos e táticas da época da Guerra Fria com as novas orientações e doutrinas militares que dão grande importância e acreditam na eficiência das guerras de baixa intensidade, das diversas modalidades de guerra irregular (não-convencional) e do terrorismo, como métodos que se aplicam dentro de um estratégia militar de dominação de um determinado território. A Colômbia tem sido um grande laboratório para a aplicação dos princípios estadunidenses da contra-insurgência. A nova guerra dos EUA na América Latina já começou, e tende a militarizar a região, com possibilidade até de um conflito convencional, se se esgotam as alternativas não-convencionais. È a “guerra assimétrica” ou de “quarta-geração”, como dizem alguns especialistas na questão. Golpes de Estado, desestabilização econômica e política, terrorismo mediático, narcotráfico, paramilitarismo, bases militares, tratados de livre comércio, ofensiva diplomática, política e econômica contra os governos da região, principalmente contra as iniciativas de integração, financiamento de grupos de oposição, ampliação dos convênios e da influência junto às polícias e às forças armadas latino-americanas, etc. São inúmeras ações que se desenvolvem de maneira combinada, aplicadas de maneira diferente, respeitando a situação concreta. Quando a ameaça é maior, mais intensas são as ações. A Venezuela se tornou uma ameaça: golpe de Estado em 2002. Honduras se tornou uma ameaça: golpe de Estado em 2009. El Salvador se tornará uma ameaça?
É nesse contexto de uma nova ofensiva imperialista que podemos entender o golpe civil-militar contra o presidente eleito Manuel Zelaya, contra as massas populares e contra a ALBA-TCP.

As razões do golpe em Honduras

Os resultado das eleições de Honduras em 2005 foi o seguinte:

Os candidatos e partidos de nomeação
Votes Votos
% %
José Manuel Zelaya Rosales - Liberal Party of Honduras ( Partido Liberal de Honduras ) José Manuel Zelaya Rosales - Partido Liberal de Honduras (Partido Liberal de Honduras)
915,075 915.075
49.9 49,9
Porfirio Lobo Sosa - National Party of Honduras (Partido Nacional de Honduras ) Porfirio Lobo Sosa - Partido Nacional de Honduras (Partido Nacional de Honduras)
846,493 846.493
46.2 46,2
Juan Ángel Almendares Bonilla - Democratic Unification Party ( Unificación Democrática ) Ángel Juan Almendares Bonilla - Unificação Democrática (Unificación Democrática-UD)
27,731 27.731
1.5 1,5
Juan Ramón Martínez - Christian Democratic Party of Honduras ( Partido Demócrata Cristiano de Honduras ) Juan Ramón Martínez - Partido Democrata Cristão de Honduras (Partido Demócrata Cristiano de Honduras)
25,722 25.722
1.4 1,4
Carlos Sosa Coello - Innovation and Unity Party ( Partido Innovación y Unidad ) Carlos Sosa Coello - Partido Inovação e Unidade (Partido Innovación y Unidad)
18,689 18.689
1.0 1,0
Total (Turnout 46.0 %) Total (46,0% de participação)
1,833,710 1.833.710
100.0% 100,0%
Registered voters Eleitores registrados
3,988,605 3.988.605

Source: Honduras government election website through Adam Carr Fonte: site Honduras eleição de governo através de Adam Carr http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Honduras



Com a vitória eleitoral em novembro de 2005, Manuel Zelaya, do Partido Liberal, assume a presidência numa situação geopolítica marcada pela ascensão de governos progressistas/reformistas e populares/antiimperialistas. Desde 2006, quando toma posse, busca uma aproximação e inicia um diálogo com Cuba e Venezuela, bem como com a Nicarágua já governada por Daniel Ortega e a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Também acompanha em El Salvador a crescente influência política e eleitoral da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), que já possuía o controle de várias prefeituras e demonstrava ter se tornado uma das principais forças políticas do país. Finalmente, em 2008, Zelaya, com o apoio de setores do Partido Liberal e da direção do Partido da Unificação Democrática – UD, bem como dos movimentos sociais, Via Campesina, sindicatos e demais setores democráticos e de esquerda, decide que é hora de ingressar oficialmente na ALBA-TCP. Honduras vai firmar uma série de convênios de cooperação econômica e social com países da ALBA-TCP, tais como: 1. criação de uma linha de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Venezuela (BANDES) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola de Honduras realizar empréstimos com baixas taxas de juros para micros, pequenos e médios agricultores; 2. compra de bônus emitidos pelo governo de Honduras pelo governo da Venezuela, com o objetivo de ajudar o governo de Zelaya a financiar projetos de moradia popular e de desenvolvimento econômico local; 3. participação da PETROCARIBE, sob o comando do governo de Honduras, em atividades de estudo, prospecção e comercialização do petróleo hondurenho, visando ampliar a produção no país; 4. Aprovação de projetos para ampliar a produção de alimentos em Honduras com recursos do Fundo Petroleiro da ALBA-TCP; 5. apoio ao Fundo Especial de Sementes, para garantir a demanda dos pequenos agricultores; 6. apoio técnico gratuito da TELESUR para o canal estatal de televisão de Honduras; 7. ampliação da cooperação médica cubana em Honduras; 8. fornecimento de 80 bolsas integrais por ano para jovens hondurenhos estudarem gratuitamente medicina, humanidades e/ou carreiras técnicas em Cuba; 9. ampliação do Programa de Alfabetização “Yo si puedo!”, com colaboração de Cuba em 206 municípios, visando transformar Honduras em “Território Livre do Analfabetismo”; 10. apoiar diversas iniciativas para garantir a independência energética e a soberania alimentar em Honduras.
Além da adesão à ALBA-TCP, podemos afirmar que outras razões do golpe foram: as reformas democráticas e populares, tais como o amento do salário mínimo em 60%, o veto presidencial à conservadora lei de proibição da venda de anticoncepcionais (defendida pela cúpula da Igreja Católica e aprovada pela maioria conservadora dos deputados), a defesa feita por Zelaya na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação à volta de Cuba (que foi expulsa em 1962), as declarações de Zelaya sobre a possibilidade de transformar a base militar dos EUA em aeroporto internacional, indicando não ter intenção de renovar o acordo de cooperação militar (como fez o Equador com a base de Manta) e sua aproximação com os movimentos sociais hondurenhos.

28 de junho: contra o poder popular e cidadão, contra-revolução preventiva

Mas o que a classe dominante hondurenha considera como o ápice dos conflitos com o governo de Manuel Zelaya, e que apresenta como o motivo principal que levou à deposição do presidente foi uma iniciativa plenamente legal e constitucional de consulta popular/referendo, onde o governo propôs que, no dia 28 de junho o povo deveria se manifestar se apoiaria ou não a instalação de uma “quarta urna” nas eleições de novembro deste ano. Se o povo dissesse não, o assunto estaria encerrado, mas se o povo dissesse sim à “quarta-urna”, o governo faria uma nova consulta em novembro, com a seguinte pergunta: “Você concorda com a instalação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte em Honduras?”.
Ou seja, o motivo considerado fundamental para o golpe de Estado foi a tentativa do governo de democratizar as decisões políticas, garantindo a mais ampla participação popular através de referendos onde a população, os partidos e movimentos poderiam defender livremente suas posições, organizando campanhas contra e a favor e levando o debate sobre qual projeto o povo quer para as ruas de todo o país.
Temendo a possibilidade de ampliação do poder popular, a contra-revolução preventiva foi se apresentando como a saída mais eficaz para garantir a manutenção dos privilégios da classe dominante hondurenha. Conhecida na América Central como um “porta-aviões” da contra-revolução, Honduras foi transformada em base de apoio para inúmeras iniciativas golpistas ao longo do século XX. De Honduras saíram tropas para derrubar o presidente Jacob Arbénz, da Guatemala, em 1954, e mercenários que tentaram, junto com o governo dos EUA, derrubar a Revolução Cubana em 1961, na invasão da “Baía dos Porcos”. Também soldados hondurenhos estavam entre os que invadiram Santo Domingo, na República Dominicana, em 1965, para derrubar o governo democrático de Juan Bosch. Talvez a mais explícita utilização de Honduras como base da contra-revolução na América Central tenha ocorrido entre 1979 e 1990, quando da vitória da Revolução Popular Sandinista, na Nicarágua. Treinados pelos EUA, e com apoio das ditaduras dos países vizinhos, os contra-revolucionários entravam pela fronteira de Honduras para fazer ações de sabotagem e terrorismo contra o povo nicaragüense e sua revolução.
A mobilização popular e as iniciativas progressistas do governo Zelaya procuravam enterrar esse triste e trágico passado, demonstrando agora que o país seguiria num outro caminho, de fortalecimento da solidariedade entre os povos e nações oprimidas pelo imperialismo, mas no meio do caminho surge o golpe civil-militar.

A Frente Nacional Contra o Golpe de Estado: mobilização permanente e resistência unificada para garantir a vitória popular

Nesse processo de mobilização e resistência popular, democrática e antiimperialista, surge a Frente Nacional contra o Golpe de Estado, com a participação da Via Campesina , do Bloco Popular, da Confederação Unitária dos Trabalhadores de Honduras (CUTH), da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), da Confederação dos Trabalhadores de Honduras (CTH), de setores do Partido Liberal, do Partido Unificação Democrática-UD, do Movimento Nova Democracia, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Bebidas e Similares (STYBYS), do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), da Federação Universitária Revolucionária- FUR, das Feministas Contra o Golpe e de outras dezenas de organizações representativas do povo de Honduras.
Entre 10 e 13 de agosto estive em Tegucigalpa junto com os companheiros Ivan Pinheiro (Casa da América Latina-RJ) e Amauri Soares (Deputado Estadual-SC), e foi possível perceber que o nível de consciência política das massas, bem como sua capacidade de mobilização e organização tem se elevado desde o dia 28 de junho, pois a disposição de enfrentar os golpistas vem crescendo, e várias formas de luta estão em curso ou em desenvolvimento. Numa situação como esta é inevitável que surjam diversas formas de luta e de organização da resistência contra o golpe de Estado. Passeatas até a Casa Presidencial e ao Congresso Nacional, bloqueio de estradas e rodovias, greves nas fábricas, nas escolas e nas universidades, marchas, concentrações em locais estratégicos, ocupações de prédios públicos, atividades culturais contra o golpe, carreatas e as mais criativas ações de grupo e/ou de massas aparecem como resultado dessa gigantesca onda de mobilização social que toma conta de Honduras nesse momento. Com 5 mil, 50 ou 500 mil, as mobilizações continuam após mais de 60 dias de golpe.
Agora a resistência não quer só a volta imediata do presidente Manuela Zelaya, quer uma nova Assembléia Constituinte para criar novas leis que possibilitem mais democracia e mais poder para o povo. Também a Frente de resistência conclama o boicote ao processo eleitoral de novembro enquanto não houver a volta à normalidade democrática, que significa Manuel Zelaya na presidência, libertação dos presos políticos, fim dos processos e perseguições contra os membros da resistência, eleições livres e democráticas, continuidade dos programas sociais e manutenção de Honduras na ALBA-TCP.


Para onde vai Honduras?

Como existem muitas possibilidades, é difícil prever com certeza e precisão até onde vai este golpe de estado e até onde vai a resistência popular hondurenha. Muitos fatores indicam que não existem somente dois caminhos: ou vitória popular imediata ou capitulação/derrota e institucionalização do golpe.
Alguns fatores decisivos para garantir a vitória ou a derrota de uma das forças em disputa são: a capacidade de mobilização e organização das classes sociais, o nível de consciência política e a maturidade das lideranças e da base na defesa de seus interesses econômicos e políticos, o grau e a intensidade da unidade construída pelas forças sociais que representam um mesmo projeto e uma mesma estratégia no atual cenário da luta de classes em Honduras, a coragem, a determinação e a lucidez das organizações políticas e sociais na condução do conflito existente, bem como a disposição das mesmas de levar adiante uma “guerra prolongada” cuja solução ultrapassará os limites do processo eleitoral e de qualquer acordo à curto prazo.
Alguns apostam na legitimação/institucionalização do golpe, com reconhecimento do novo governo iniciado por Canadá, México e Colômbia, depois seguido de EUA, Peru e outros, com algum acordo relacionado à manutenção do processo eleitoral em novembro, com eleições controladas pelos golpistas e acompanhadas por comissão da OEA (Argentina,Canadá, Costa Rica, Jamaica, México, República Dominicana). A dúvida é se os golpistas vão aceitar isso, pois sua intransigência em aceitar a volta de Zelaya sem que o mesmo seja preso dificulta esse caminho. Isso pode ocorrer sem a volta de Zelaya ou com a volta de Zelaya, que seria o acordo proposto por Oscar Árias, presidente da Costa Rica, onde o presidente deposto aceitaria formar um governo de união nacional supervisionado por uma comissão da OEA e de “notáveis”, além da Corte Suprema (a mesma que mandou prendê-lo), até as eleições de novembro e a posse do novo presidente. Golpistas dizem que Zelaya conversa com setores do Partido Nacional sobre as próximas eleições, já que o candidato do PL é um golpista (Elvin, que prega a união dos liberais).
Na impossibilidade de um acordo/conciliação entre os diversos setores da classe dominante, inclusive setores que apóiam o presidente deposto, cria-se um impasse que pode favorecer a continuidade das lutas populares, pois, numa situação como esta, a mobilização de massas pode continuar, com um programa de mudanças que dá seguimento a algumas propostas do governo Zelaya e vai mais adiante, com o debate da constituinte e outras questões. Se for assim, a esquerda pode apresentar uma candidatura que é a expressão desse movimento de massas, seja pelo Partido Unificação Democrática - UD ou por uma frente de partidos e movimentos contra o golpe e pela nova Constituição. O movimento de massas pode pressionar Zelaya para aceitar essa solução e assim participar das eleições com um programa democrático, popular e antiimperialista. Também a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado pode manter a posição aprovada recentemente numa assembléia, de que as eleições, com os golpistas no governo, não são legítimas e propor o boicote ao processo, denunciando para o mundo as irregularidades, e pregando o boicote consciente, lembrando que em 2005 (como o voto não é obrigatório) somente 49% dos hondurenhos com direito ao voto compareceram às urnas. O fato é que, em relação à participação ou não no processo eleitoral,que já está se iniciando sob o controle dos golpistas, temos a impressão que existem, no interior da resistência ao golpe, posições diferentes que podem fragilizar a unidade conquistada até o momento.

As fragilidades da ALBA-TCP e a necessidade de uma campanha internacional de defesa da “Revolução Bolivariana”

A ALBA-TCP precisa de tempo para se desenvolver e se consolidar, pois sua influência, na atualidade, ainda é pequena. É preciso ir construindo uma nova correlação de forças no continente, que dê o fôlego necessário para impulsionar esse processo de integração iniciado por Cuba e Venezuela em 2004. Se a ALBA-TCP não ganha tempo e não consegue novos aliados, infelizmente, todas as iniciativas econômicas, sociais, políticas e culturais poderão desaparecer diante da possibilidade de vitória de governos de centro-direita ou de governos que se apresentam como de esquerda, mas acabam fazendo o jogo da direita, hostilizando ou procurando demonstrar que não querem se “parecer” ou não querem seguir “o caminho de Chávez”, como tem insistido em afirmar publicamente o recentemente eleito presidente de El Salvador, Maurício Funes, um jornalista de classe média viável eleitoralmente, mas não muito confiável ideológicamente, pois nem começou a governar e já se presta a contribuir na campanha internacional de desqualificação do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando assim ânimo e munição para o imperialismo continuar sua nova fase de ofensiva contra a “Revolução Bolivariana”. Ao ficar comparando Lula e Chávez, e demonstrar preferência pelo primeiro, Funes vai desgastando uma relação de solidariedade que Chávez vem construindo desde sua posse, em 1999, com o partido salvadorenho Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), e sua posição de fazer em El Salvador um governo “a la Lula” frustrará as expectativas daqueles que esperavam um governo coerente com as idéias e o programa debatido pelo já falecido comunista da FMLN, comandante Shafik Handal.
Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, havia dito que, “se a OEA não resolver o problema (restituição de Zelaya na presidência), teremos que resolver nós mesmos, países da ALBA-TCP”. Até hoje penso no que significa esta frase, com a qual concordo. O que significaria os países da ALBA-TCP resolverem por conta própria, com apoio e ação conjunta dos movimentos sociais hondurenhos e latino-americanos a questão de Honduras? Foi só uma frase? Essa iniciativa está em curso? São dúvidas que logo se esclarecerão.
Fica evidente que a ALBA-TCP precisa se fortalecer, e ir criando também estruturas conjuntas de defesa diante da possibilidade de golpes de Estados contra os países membros. Urge a criação e desenvolvimento de uma Escola Latino-Americana de Defesa, organizada sob os princípios e valores da ALBA, com uma nova doutrina militar, comprometida com o programa democrático, popular e antiimperialista que inspira os governos chamados hoje por alguns de “bolivarianos”. Além disso, passou da hora de formar um “Conselho Bolivariano de Defesa”, com países membros da ALBA-TCP, e com a colaboração de países que podem contribuir de alguma maneira com um projeto dessa natureza.
Também se faz necessário um amplo e forte movimento de solidariedade e defesa da “Revolução Bolivariana” e do governo de Hugo Chávez, pois se a Venezuela cair novamente nas garras do imperialismo, o projeto de integração sonhado pela esquerda do continente estará seriamente ameaçado de desaparecer em alguns poucos anos.

As fragilidades de Manuel Zelaya e as ilusões do nacionalismo burguês

Se queremos fazer uma reflexão na perspectiva da classe trabalhadora não podemos alimentar ilusões quanto às fragilidades presentes da figura de Zelaya e de parte dos setores que o apóiam nesta luta legítima pela volta à condição de presidente de Honduras. Como já disseram, no passado, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Rui Mauro Marini, em países periféricos da América Latina a única possibilidade de uma plena e efetiva independência nacional é através de um processo de transição que promova significativas transformações econômicas, políticas e sociais com um caráter democrático, popular e antiimperialista, criando assim as condições necessárias para que a nação seja colocada no rumo da construção de novas relações de produção, ou seja, na construção de uma sociedade socialista. Capitalismo dependente e subordinado ou socialismo? Eis a questão. A possibilidade de um capitalismo autônomo nunca fez parte da realidade contemporânea centro-americana, sendo que, para Honduras e toda a América Latina, só restam dois caminhos: a existência na condição de submissão/subordinação aos interesses do grande capital, principalmente estadunidense, ou a construção de um processo de ruptura para assegurar a verdadeira soberania e autodeterminação, o que irá implicar, necessariamente, numa guinada à esquerda de todo e qualquer governo que tenha isso como um dos objetivos centrais de sua estratégia. Zelaya faz parte de um setor da classe dominante hondurenha que hoje se encontra numa situação de minoria, que não é a força hegemônica no interior da sua classe, situação que o empurra para uma posição política que não é a mais comum entre os indivíduos que são proprietários dos meios de produção.
Não devemos criminalizá-lo por isso, pois sabemos que existem diferenças entre a situação e a posição de classe. Basta ver os casos de Engels, Marx, Fidel, Lênin, etc. Mas aqui não existe semelhança alguma de Zelaya com os revolucionários citados.
Zelaya não demonstra verdadeira disposição de enfrentar até as últimas conseqüências os principais inimigos do povo de Honduras e da ALBA-TCP. Suas atitudes indicam mais uma tentativa de buscar um acordo que possibilite a participação dele e de alguns aliados no processo eleitoral visando acumular força para uma disputa presidencial futura do que alguém que estará junto com o povo na luta contra o golpe mesmo que isso signifique enfrentar condições bastante desfavoráveis para defender determinados princípios e levar adiante profundas transformações no país.
Na jornada de luta de 11 e 12 de agosto, nas ruas de Tegucigalpa, ouvimos de alguns militantes o questionamento sobre o por quê Zelaya não volta ao país para liderar o movimento de massas que está em curso? E por quê ele não entra em Honduras, seja publicamente, seja clandestinamente, já que a própria comunidade internacional, através de decisões da ONU (Organizações das Nações Unidas), da OEA, da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), do MERCOSUL (Mercado Comum Sul-Americano) e da EU (União Européia) afirmaram que ele é o único e legítimo presidente de Honduras.
Será que Zelaya quer evitar uma guerra civil? Mas será que a guerra que ele pode estar querendo evitar já não começou? O golpe foi uma ação político-militar, e o poder da violência e das armas é o que está garantindo a manutenção do governo ilegítimo. No Brasil nós vimos o que a falta de iniciativa (para não dizer outro nome) de João Goulart nos custou: vinte anos de ditadura. Enquanto o povo estava com disposição de resistir ao golpe em 1964, inclusive setores das forças armadas, onde estava o presidente deposto? Fugindo e desmobilizando a resistência. Essas atitudes, em momentos decisivos da história de um país, geralmente custam a liberdade e a vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras. Será que Zelaya vai ser conhecido na história recente de seu país como aquela liderança popular que não esteve à altura dos desafios do momento ou será que irá nos surpreender e desobedecer os golpistas, enfrentando todos os riscos necessários para estar junto com seu povo nessa justa guerra de resistência contra a miséria, a exploração e o imperialismo?
Que o proletariado e as massas populares de Honduras se preparem, pois o destino de todas as conquistas sociais trazidas pela ALBA-TCP passa, necessariamente, pela forma como será resolvido este conflito. Se no passado os salvadorenhos, nicaragüenses e guatemaltecos nos ensinaram como enfrentar ditadores e golpistas, talvez estejamos entrando num período onde esta tarefa será de responsabilidade dos hondurenhos.
Certa vez um centro-americano escreveu: “Cuando la historia no puede escribirse com la pluma, entonces debe escribirse com el fusil” (Farabundo Martí).
TEXTO PUBLICADO NA REVISTA SEM TERRA, N. 52, SET/OUT. DE 2009.
ESCRITO EM 28/08/2009.




HONDURAS: O PRIMEIRO GOLPE CIVIL-MILITAR CONTRA A ALBA
07/07/09-Editorial Brasil de Fato-Marcelo Buzetto

Novamente nossa América Latina se vê diante de um golpe civil-militar que derrubou um presidente eleito democraticamente pelo voto popular. Essa ação faz parte de uma ofensiva das forças anti-populares, anti-democráticas e pró-imperialistas de Honduras, que vinham nos últimos anos construindo uma frente política e militar com o objetivo de obstruir e dificultar toda e qualquer iniciativa do governo do presidente Manuel Zelaya que fosse numa direção mais progressista, tanto na sua política interna quanto na sua política externa.
O presidente deposto não pode ser considerado um político com longa trajetória nas fileiras da esquerda hondurenha. Zelaya e o Partido Liberal tem assumido posições mais progressistas desde sua eleição, em 2005, fato que ocorre numa conjuntura marcada por vitórias eleitorais que, impulsionadas por lutas populares e de massa, resultaram em ações concretas no sentido de construirmos uma nova geopolítica latino-americana. Talvez um dos maiores exemplos disto seja a Alternativa Bolivariana dos Povos da América-Tratado de Comércio dos Povos (ALBA). Criada em 2004 por Cuba e Venezuela, á fortalecida com a entrada de Bolívia, Nicarágua, Dominica e Honduras. Desde 2006, o presidente Manuel Zelaya vem enfrentando os setores mais conservadores da política hondurenha por defender a participação ativa do país na construção de uma verdadeira integração econômica, social e política com conteúdo popular e democrático, que garanta, de fato, a soberania e a autodeterminação das nações.
O golpe civil-militar seguiu o método clássico do golpismo na região, e nos fez lembrar da deposição de governos como de Jacob Arbénz (Guatemala-1954), João Goulart (Brasil-1964) e Salvador Allende (Chile-1973). Mas alguns elementos novos estão presentes, e talvez possamos afirmar que tal ação em Honduras tenha mais semelhança com a tentativa de derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em abril de 2002, com a diferença de que o novo gestor do imperialismo estadunidense, Barak Obama, se posicionou contrário à deposição do presidente eleito.
A tendência, na história da América Latina contemporânea, é de derrotas de governos populares, democráticos e antiimperialistas através de golpes de estado dirigidos pela classe dominante nacional com apoio e participação ativa da classe dominante estadunidense, representada pelo governo, pelas empresas multinacionais, pela CIA e pelas forças armadas dos EUA.
Com a vitória popular anti-golpista na Venezuela em 2002, vivenciamos algo que, para muitos, era inesperado ou mesmo impossível de ocorrer. Diante do poder econômico das grandes corporações industriais e financeiras, dos veículos de comunicação de massa da classe dominante, de um setor militar anti-democrático e golpista, da esmagadora maioria dos dirigentes da Igreja Católica, de uma central sindical pró-imperialista (CTV) e do apoio de governos de direita como os dos EUA e da Espanha, como poderia o povo venezuelano garantir o mandato do presidente Chávez e derrotar essa iniciativa das forças conservadoras?
Quantos não foram os analistas políticos e até mesmo lideranças e intelectuais de esquerda que, diante das imagens e informações que circularam na imprensa burguesa, não chegaram à conclusão de que o governo Chávez chegou ao fim, que o golpe era irreversível. E diante da certeza de alguns, explode uma grande mobilização popular por toda a Venezuela e, minuto a minuto, começa a surgir a verdade sobre quais eram as forças políticas e os indivíduos e governos envolvidos na conspiração civil-militar.
A situação de Honduras é distinta da Venezuela de 2002 por vários motivos. Vale a pena lembrar de alguns: Chávez nasce politicamente no interior da esquerda venezuelana, é um quadro claramente de esquerda; Chávez possuía um grau considerável de apoio no interior das forças armadas, o que ajudou a neutralizar os golpistas; o apoio explícito do governo dos EUA ao golpe; a motivação do golpe: na Venezuela a mídia burguesa construiu a idéia de que o governo foi responsável pelo assassinato de manifestantes (o que não era verdade), e em Honduras o motivo alegado pelos golpistas foi se opor à uma consulta popular prevista para ocorrer no último domingo, 28 de junho de 2009, para saber se o povo desejaria participar de um processo de construção de uma nova Constituição para o país.
Olhando para a situação dos países membros da ALBA, principalmente para os casos de Venezuela, Bolívia e Equador, que recentemente aprovaram novas constituições que expressam a nova correlação de forças políticas e sociais vigente, a direita hondurenha entrou em pânico com a possibilidade de que a classe trabalhadora e as massas populares possam ter uma participação mais ativa, mais consciente e mais organizada no processo de construção das transformações necessárias para garantir uma vida mais digna para o povo daquele país.
Muitas questões ainda não foram respondidas em relação ao golpe: qual foi o papel dos EUA nesse processo? Será possível um golpe civil-militar desse tipo sem apoio dos EUA num país onde a burguesia é estruturalmente subordinada aos interesses de Washington? Por quê representantes do governo dos EUA mantiveram contatos com líderes golpistas antes e durante o processo do golpe?
Diante do golpe a resistência popular nacional e internacional novamente se fez presente. Só a mobilização popular e a solidariedade internacionalista podem fazer recuar as forças golpistas. A Via Campesina – Honduras e demais movimentos sociais do continente seguem denunciando a perseguição e a violência contra as manifestações populares, que já chegaram a reunir num mesmo dia mais de 300 mil hondurenhos em Tegucigalpa, capital do país.Impedido de voltar ao país no último domingo, pois os golpistas obstruíram a pista do aeroporto, Zelaya continua recebendo o apoio da OEA, da ONU, da UNASUL e da ALBA.
A vitória popular em Honduras é fundamental para fortalecer os países da ALBA na luta pelo direito de decidir qual será o caminho de desenvolvimento econômico, social e político escolhido pelo povo de cada nação latino-americana. A batalha de Honduras será decisiva para a América Central e Caribe, pois para esta região de “nuestra América” só existem dois caminhos: submissão aos interesses dos EUA ou construção livre, soberana e independente de uma integração verdadeiramente popular, democrática e antiimperialista, que possa ir criando as condições para a vitória do socialismo na América Latina.


Continua a Batalha de Honduras-27/10/09
Marcelo Buzetto

Tudo indica que se desenvolverá um longo processo de acirramento das lutas sociais e populares naquele país, e o ano de 2010 começará com uma intensa disputa entre dois projetos bastante definidos: de um lado o das forças conservadoras, anti-democráticas e pró-imperialistas (golpistas de todas as origens, com a cumplicidade de Obama e o apoio de países como Israel, Colômbia, Peru e México) e do outro o das forças sociais democráticas, populares, progressistas, antiimperialistas/anticapitalistas (representadas pelos governos da ALBA-TCP, por governos progressistas e pelos movimentos e organizações da resistência hondurenha anti-golpista).
A truculência, a agressividade e falta de flexibilidade e de disposição dos golpistas em aceitar uma saída negociada para a atual crise política acabou criando condições mais favoráveis para que sejam explicitadas as finalidades daqueles que hoje estão no comando do governo de Honduras. Sua firmeza em não fazer nenhuma concessão em questões que consideram fundamentais para legitimar suas posições golpistas acabou resultando num fracasso de qualquer possibilidade de saída “pelo alto”, sem a efetiva participação das massas populares.
Durante as negociações, exigências absurdas eram colocadas ao legítimo presidente de Honduras, Manuel Zelaya. O presidente derrubado por uma ação armada violenta e anti-democrática foi cotidianamente agredido, ofendido, desqualificado pelo principal chefe da quadrilha que se apoderou do governo, senhor Roberto Micheletti. Criaram uma operação midiática internacional, unindo todas as forças mais reacionárias do planeta, no sentido de mostrar que Zelaya estava sendo intransigente, que dificultava as negociações com suas declarações sobre a legitimidade dos movimentos da resistência pacífica e popular.
Os golpistas demonstraram que estão dispostos a ir até as últimas conseqüências na defesa de sua ação anti-democrática e pró-imperialista. Sua intransigência é na verdade uma mensagem bem explícita para o povo de nosso continente: a direita latino-americana existe, resiste e iniciará/incitará novas guerras e ondas de perseguição, tortura e violência, se esse for o preço a pagar pelo enfraquecimento e/ou derrota de qualquer nova estratégia verdadeiramente de esquerda.
Mas agora a resistência não quer só a volta imediata do presidente Manuel Zelaya, quer uma nova Assembléia Constituinte para criar novas leis que possibilitem mais democracia e mais poder para o povo. Também a Frente de resistência conclama o boicote ao processo eleitoral de novembro enquanto não houver a volta à normalidade democrática, que significa Manuel Zelaya na presidência, libertação dos presos políticos, fim dos processos e perseguições contra os membros da resistência, eleições livres e democráticas, continuidade dos programas sociais e manutenção de Honduras na ALBA-TCP.
Diante dessa nova ofensiva imperialista fica evidente que a ALBA-TCP precisa se fortalecer, e ir criando também estruturas conjuntas de defesa diante da possibilidade de golpes de Estados contra os países membros. Talvez seria o caso de se pensar na criação e desenvolvimento de uma Escola Latino-Americana de Defesa, organizada sob os princípios e valores da ALBA, com uma nova doutrina militar, comprometida com o programa democrático, popular e antiimperialista que inspira os governos chamados hoje por alguns de “bolivarianos”. Também um “Conselho Bolivariano de Defesa”, com países membros da ALBA-TCP, e com a colaboração de países que podem contribuir de alguma maneira com um projeto dessa natureza.
Outra iniciativa que se faz necessária é um amplo e forte movimento de solidariedade e defesa da “Revolução Bolivariana” e do governo de Hugo Chávez, pois se a Venezuela cair novamente nas garras do imperialismo, o projeto de integração sonhado pela esquerda do continente estará seriamente ameaçado de desaparecer em alguns poucos anos.
Independente do resultado das negociações e dos resultados eleitorais da farsa e da fraude ilegal/ilegítima de 29 de novembro, Honduras nunca mais será a mesma, pois se elevou o nível de consciência política das massas, cresceu a capacidade de mobilização e de organização dos partidos e movimentos da resistência nacional anti-golpista e a classe trabalhadora conseguiu construir no dia-a-dia das lutas um instrumento fundamental de unidade na ação: a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado.
Todo esse esforço ainda não é suficiente para impor uma derrota definitiva e contundente do projeto imperialista, mas resultou num acúmulo de forças e numa importante lição para os próximos e, talvez, ainda mais decisivos passos.
Diversas formas de luta e diversas formas de mobilização estão e estarão se desenvolvendo nesta legítima resistência popular para garantir que se cumpra o artigo 3º. Da Constituição hondurenha: “Ninguém deve obediência a um governo usurpador!”.
Editorial Jornal Brasil de Fato/novembro/2009.


Continua a resistência popular em Honduras: a farsa das eleições em 29 de novembro (04/12/09)
Marcelo Buzetto


Diante de muita repressão e perseguição contra as organizações populares de Honduras, os golpistas, com o apoio dos EUA, Colômbia, México Perú e Panamá, levaram o país para uma eleição ilegal e ilegítima neste último dia 29 de novembro.
A posição do governo de Barak Obama, de reconhecer e legitimar a farsa que foi montada por uma quadrilha formada por empresários, militares, políticos de direita, proprietários dos meios de comunicação de massa e autoridades da Igreja Católica, só demonstra os equívocos daqueles que alimentam ilusões acerca do atual presidente do “comitê gestor dos negócios da burguesia” (Estado) nos EUA. Obama não é vítima nem é refém dos setores mais conservadores da política estadunidense, ele é parte desse conservadorismo. Travestido de defensor da democracia no mundo, começa seu mandato apoiando e dando legitimidade a golpistas em Honduras, mandando mais soldados para massacrar o povo do Afeganistão, adiando a promessa de fechar a prisão de Guantánamo e gerando uma grande frustração entre os mais pobres daquele país, que não estão vendo nas atitudes do presidente eleito nenhuma ação concreta que indique que algo vai mudar significativamente na vida cotidiana das massas populares. O embaixador dos EUA em Tegucigalpa, capital de Honduras, comemora com vários funcionários do governo Obama a “volta à normalidade”. Ex-presidentes neoliberais derrotados em seus países tornam-se “observadores internacionais”, junto com delegações de organizações ligadas aos partidos Republicano e Democrata (ambos dos EUA) e à União de Organizações Democráticas da América (UNOAMERICA). Esta última é uma invenção recente da extrema direita anti-comunista da Venezuela e da Colômbia, com membros civis e militares que participaram e/ou apoiaram golpes de Estado e regimes anti-democráticos em todo o continente. São figuras que participaram ativamente do frustrado golpe contra Chávez em 2002, na Venezuela, da tentativa de derrubar Evo Morales, na Bolívia, defensores das ditaduras na Argentina e Chile e outros mais adeptos do fascismo contemporâneo.
Numa eleição marcada por protestos da Frente Nacional de Resistência Contra o Golpe de Estado, Rafael Alegria, dirigente da Via Campesina em Honduras, conclama a comunidade internacional a não reconhecer o processo eleitoral e afirma que o boicote às eleições atingiu cerca de 65 a 70% dos cidadãos com direito de voto, ou seja, segundo ele, uma minoria de 30% participou do processo eleitoral, o que demonstra que grande parte da população continua contrária aos golpistas.
Para o governo anti-popular do presidente golpista Roberto Micheletti (também conhecido como Pinocheletti), a eleição foi justa, e contou com ampla participação popular. Micheletti afirmou para o jornal golpista El Heraldo que as eleições foram um recado para Hugo Chávez, Lula, Cristina Kichnner, pois o povo, segundo o ditador, “rechaçou suas ideologias que não levam a nada”. Também disse que a coragem e valentia da Polícia e do Exército só ajudaram a amadurecer a democracia em Honduras”. Ou seja, segundo o ditador, reprimir o povo, prender e matar lideranças populares significa aperfeiçoar o sistema democrático.
E não é que ele está certo, pois democracia burguesa significa exatamente isto, liberdade para os ricos, cadeia e/ou cemitério para os pobres que ousam se organizar e resistir heroicamente à violência da classe dominante. Os números que saem das urnas continuam gerando polêmica, pois até mesmo entre os golpistas existem diferentes resultados eleitorais, o quê, segundo os movimentos sociais, só fortalece a idéia de fraude. No site do Partido Nacional, de direita, aparecem os seguintes números da fraude: Porfírio “Pepe” Lobo Sosa (Partido Nacional-PN) 897.355 (55,9%), Elvin Santos (Partido Liberal-PL) 631.384 (38,2%), Bernard Martinez (Partido Integração e Unidade Social Democrata_PINU-SD) 35.593 (2,2%), Felicito Ávila (Partido Democrata Cristão-PDC) 31.174 (1,9%) e César Ham (Partido Unificação Democrática-UD) 29.006 (1,8%). Já no site do Tribunal Supremo Eleitoral de Honduras os números são outros: Porfírio Lobo-PN 693.520 (56%), Elvin-PL 458.708 (37%), Bernard-PINU-SD 27.838 (2%), Felicito-PDC 27.689 (2%) e César Ham-UD 21.942 (2%).
Nos dois sites os números são apresentados como resultados finais da eleição presidencial, mas os números não batem, são divergentes. Alguns observadores internacionais já falam em abstenção entre 50 e 55%. Honduras tem uma população de 7.639.327 de habitantes, com cerca de 4,6 milhões de eleitores (sendo que 1 milhão destes estão fora do país).
Entre os países que não reconhecem a farsa das eleições estão os membros da Aliança Bolivariana dos Povos da América-Tratado de Cooperação dos Povos (ALBA-TCP), Equador, Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Dominica, São Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, além de Brasil, Argentina e Paraguai. Infelizmente o presidente Maurício Funes, de El Salvador, mais uma vez demonstra sua guinada à direita, agradando a classe dominante centro-americana e estadunidense ao emitir uma nota sobre Honduras onde afirma que “apesar das eleições de 29 de novembro terem ocorrido num clima de instabilidade institucional” (esse é o novo nome para prisão, repressão e assassinatos de militantes da resistência hondurenha) “não obstante abre um novo momento político na busca de alternativas para a crise”. Também nessa linha de raciocínio e de legitimação dos golpistas tem se pronunciado alguns representantes do governo brasileiro. A última declaração nesse sentido foi de Dilma Roussef, Ministra da Casa Civil, afirmando que é preciso condenar o golpe de Estado, mas que agora é outro momento, pois houve uma eleição. Ao contrário de sua subordinada, o presidente brasileiro, Lula, continua rejeitando o reconhecimento das eleições e o diálogo com o novo presidente “eleito”, Porfírio “Pepe” Lobo Sosa, que numa das primeiras declarações após ser “eleito” disse: “O presidente Chávez deve respeitar a decisão do povo de Honduras”, pois “Honduras decidiu pelo caminho da democracia, ninguém pode nos impor doutrinas, devem entender que o muro de Berlim e o socialismo caíram há mais de 30 anos. Queremos dizer ao senhor Chávez e a todos aqueles que queremos impor doutrinas fora de moda, que o povo quer viver em paz e democracia”.
Nessa campanha para legitimar o golpe, o Congresso hondurenho, de maioria golpista, recusou o pedido de restituição do presidente legítimo Manuel Zelaya. Numa votação com 128 deputados, 114 votarem contra e 14 votaram a favor.
Não resta nenhuma dúvida que a ofensiva imperialista com o objetivo de destruir a ALBA já está em curso, e Honduras se tornou o elo mais débil dessa aliança política bolivariana. O golpe em Honduras, as provocações e ações da direita na Nicarágua, as cotidianas tentativas de golpe na Bolívia, a ofensiva midiática contra Cuba, as ameaças de golpe no Paraguai, a ocupação militar dos EUA nas sete bases da Colômbia, a infiltração de cerca de 8 mil paramilitares no interior do país e nas favelas de Caracas, na Venezuela, a reedição da IVa. Frota da Marinha dos EUA, para “proteger” a América do Sul e as diversas iniciativas organizativas da direita civil e militar em nosso continente só nos leva a uma conclusão: precisamos nos preparar, melhorar nossa capacidade organizativa e unificar nossos esforços no fortalecimento e construção cotidiana das diversas experiências de poder operário e popular em nosso continente.
O povo de Honduras resistirá aos golpistas, mas agora, além de defender Honduras, temos o dever de fazer da Venezuela o nosso Vietnã (no sentido que nos dizia Che), pois ela é o pólo principal da ALBA neste momento. Criar um, dois, três, muitos Vietnã, para um dia comemorarmos juntos a vitória de uma América verdadeiramente livre, justa, socialista.
Jornal Sem Terra/Dezembro de 2009.

[1]Textos de Marcelo Buzetto – Direção Estadual MST/SP, professor de Geopolítica no curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André e professor na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).