sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Dois pesos e duas medidas ou como a maioria da imprensa trata questões relacionadas à Cuba

Segue abaixo um texto interessante sobre as relações entre a imprensa e os interesses econômicos e políticos defendidos por jornalistas que estão organicamente vinculados aos diversos setores da classe dominante. O texto demonstra como a organização Repórteres Sem Fronteira (RSF) tem sido utilizada como um instrumento de agressão contra aqueles que se colocam em oposição ao imperialismo e à política externa militarista dos governos dos Estados Unidos e União Européia.


REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS: LIBERTÁRIOS OU ANTICUBANOS?

Salim Lamrani*

A maneira como a imprensa francesa tratou dos últimos acontecimentos em Cuba é um dos mais sérios fracassos da história do jornalismo neste país. Nunca antes a imprensa francesa dera provas de tanta parcialidade, censura, manipulações, mentiras e calúnias com relação a Cuba. O tratamento reservado à realidade cubana foi simplesmente infame. Mas a medalha de ouro da ignomínia foi para a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), cujo porta-voz, Robert Ménard, sofrendo de uma doentia obsessão contra a Revolução Cubana, reúne em si todos os vícios e desmandos de que o jornalismo e os jornalistas são capazes.

RSF pretende "defender os jornalistas encarcerados e a liberdade de imprensa no mundo. (1) Conversa! a organização, financiada pelo multimilionários francês François Pinault e gozando da benevolência do comerciante de armas Lagardère, fez da manipulação da realidade cubana o seu principal negócio.

Segundo a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), 179 jornalistas foram assassinados "em total impunidade" no hemisfério americano ao longo da última década; e nenhum deles era cubano; mas Ménard arremete contra a Ilha socialista, declarando que "para Repórteres Sem Fronteira, a prioridade na América Latina é Cuba".

No barômetro da liberdade de imprensa publicado no site da RSF, a situação da Colômbia - onde mais de uma centena de jornalistas foram assassinados em dez anos, cerca de 60 sequestrados, ameaçados e agredidos, mais de 20 obrigados a deixar suas regiões e até seu país, enquanto oito atentados ou tentativas de atentado foram registrados - é qualificada apenas como "difícil". Em troca, a situação cubana, onde nem um só jornalista foi assassinado desde 1959, é qualificada de "muito grave". Seria interessante saber quais são os parâmetros adotados pela RSF para chegar a tais conclusões. (2)

Será mesmo a liberdade de imprensa o objetivo da organização? Tolice! O caso de Mumia Abu-Jamal, o célebre jornalista afro-americano que apodrece na prisão há mais de vinte anos, por um crime que nunca cometeu, não interessou a RSF. Em abril de 1999, durante a Guerra em Kosovo, a OTAN bombardeou uma estação de rádio e TV sérvia e 16 pessoas perderam a vida, entre elas mais de uma dezena de jornalistas. Em 2000, quando a RSF publicou seu informe anual, essas vítimas não foram contabilizadas. Isto fica explicado em seguida, quando se fica sabendo que a Comissão Européia subvencionava na época 44% da RSF. Robert Ménard confessou-o em seu livro.

RSF se opôs com firmeza à condenação dos desvios da grande imprensa francesa, "pois, fazendo-o, corremos o risco de desagradar certos jornalistas, inimizá-los com os grandes patrões da imprensa e enfurecer o poder econômico. Para midiatizar-nos, precisamos da cumplicidade dos jornalistas, do apoio dos patrões da imprensa e do dinheiro do poder econômico". (3) É demasiado perigoso atacar os excessos da imprensa francesa, que já mostrou seu arsenal, ao passo que lançar acusações sem fundamento contra a Revolução Cubana é mais simples e bem remunerado.

Para descrever os eventos de março de 2003 em Cuba, a RSF não mediu palavras - "batidas policiais", "expurgo", "julgamento stalinista", "delator" - insinuando criminosas analogias desprovidas de qualquer fundamento, para manipular a opinião pública. (4)

Recordemos os fatos. Em março de 2003, 78 pessoas, financiadas pelo governo estadunidense para provocarem a subversão interna e desestabilizarem o país, foram presas pelas autoridades cubanas e condenadas a longas penas de prisão. As provas apresentadas eram arrasadoras. Das 78 pessoas presas, oito eram agentes da Segurança do Estado, que tinham se infiltrado nas organizações de "jornalistas independentes" e "dissidentes".

O presidente de todas as organizações da "imprensa independente", Nestor Baguer, considerado pela mídia internacional e organizações não-governamentais como uma das principais estrelas da dissidência, era na realidade o "agente Octavio", trabalhando na Segurança do Estado desde 1962 e infiltrado nas organizações de "dissidentes" financiadas pelos Estados Unidos desde 1992; controlava toda a "imprensa independente" e era o principal interlocutor da RSF em Cuba. Os "jornalistas independentes" recebiam diretivas da SINA (Seção de Interesses Norte-Americanos) em Havana e deviam submeter seus artigos aos representantes dos Estados Unidos em Cuba. A organização dirigida por Ménard, ocultando estes fatos, sublevou-se imediatamente contra a "violação da liberdade de imprensa" e lançou uma vasta campanha de propaganda contra Cuba, na qual a verdade foi assassinada. (5)

A RSF encarregou-se de denunciar a detenção de "26 jornalistas independentes". Dos 78 condenados, quatro tinham recebido formação de jornalistas e apenas um tinha exercido esta profissão. O código do jornalismo é regido por uma legislação internacional que possui critérios bem precisos; não basta querer para ser considerado jornalista.

Então, por que tantas mentiras? Porque o trabalho da RSF é muito apreciado do outro lado do Atlântico, especialmente pela Associação cubano-americana - organização anticubana que foi qualificada por um antigo funcionário do Departamento de Estado dos EUA, William Blum, como "um dos grupos terroristas mais prolíficos do mundo", responsável por numerosos atentados contra Cuba. Com efeito, o governo estadunidense, a FNCA e a RSF seguem a mesma agenda, que consiste em destruir a Revolução Cubana. James Cason, o chefe da Sina em Havana, declarou que se reunia regularmente com os terroristas da FNCA para discutir o plano em favor de uma "transição democrática" em Cuba. (6)

Os posicionamentos da RSF, além do caráter incompleto e hipócrita da informação que difundem, seguem a linha extremista e recalcitrante da extrema-direita cubana no Estado da Flórida. Assim, Ménard declara que Cuba "vive de modo paranóico", que a hostilidade dos EUA a Cuba é pura "retórica", que o impacto das sanções econômicas é "marginal", pois "pode-se viver sem comerciar". E agrega "que em todos os países democráticos não é preciso nenhum diploma para ser jornalista". Quanto ao ponto de vista dos cubanos, esse grande defensor da liberdade de expressão os rejeita com desprezo: não têm "nenhum interesse". E logo que fala de Cuba se inflama, agita-se, excita-se, sapateia e esganiça, sem conseguir dominar sua enfermiça obsessão. (7)

Cuba não "vive de modo paranóico", como pretende Ménard. É que sofreu o mais alto número de atentados terroristas no mundo, nos quais 3.478 cubanos morreram e 2.100 sofreram seqüelas permanentes. A antipatia dos EUA pela Revolução Cubana não é "retórica", mas real. O governo estadunidense organizou uma invasão direta da Ilha, cometeu inúmeros atos de sabotagem, financiou inúmeros grupúsculos terroristas anticubanos, lançou contra o país a mais forte campanha de! telecomunicações da história e atualmente recruta mercenários que se disfarçam de jornalistas para desestabilizar o país e fomentar uma subversão interna.

Será o bloqueio "marginal"? Washington teceu uma rede de leis contra Cuba sem precedente histórico, que viola as mais altas convenções internacionais, entre outras a Convenção para a prevenção e repressão ao crime de genocídio, aprovada em 9 de dezembro de 1948 e retificada pelos EUA. As sanções econômicas custaram a Cuba mais de US$ 70 mil milhões, e foram condenadas pelas Nações Unidas, a União Européia, a Organização de Estados Americanos, o Comitê Jurídico Interamericano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Organização Mundial do Comércio, entre outras. (8)

A RSF condenou a execução de três terroristas que tinham seqüestrado um pequeno barco que fazia a ligação entre Havana e Regla, levando-o para alto mar e ameaçando de morte os passageiros, entre os quais dois turistas franceses. No ano passado, 1.562 pessoas foram executadas no mundo, entre elas 71 nos Estados Unidos. (9) Não recordo de uma só onda de indignação comparável, da parte das tranqüilas consciências da imprensa francesa, que demonstram uma profunda discriminação quando se trata de Cuba. A RSF ocultou por completo estes fatos, e os seguintes. Nos sete meses que antecederam o julgamento e execução dos terroristas, ocorreram sete seqüestros, cujos responsáveis seguiram para os EUA.

Vale sublinhar que a legislação internacional considera o seqüestro como um grave ato de terrorismo. Mas ao chegarem na Flórida os criminosos não foram presos ou julgados, mas postos em liberdade, enquanto os aviões cubanos foram confiscados e vendidos como sucata. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os caças da North American Aerospace Defense (NORAD), que sobrevoam permanentemente o espaço aéreo americano, receberam ordens para derrubar qualquer avião que não estivesse em seu plano de vôo. Como um avião cubano seqüestrado, procedente de um Estado incluído pelos EUA na lista de países que patrocinam o terrorismo, pode chegar ao território americano sem ser derrubado? A menos que as autoridades estadunidenses soubessem de antemão que os seqüestros iam ocorrer, o que coincide com a tese de que os atos de terrorismo aéreo foram organizados a partir dos EUA. (10)

Os Estados Unidos comprometeram-se, pelos acordos migratórios de 1994, a conceder 20 mil vistos anuais a cubanos que desejassem deixar seu país. No entanto, Washington forneceu a cada ano menos vistos, com o evidente objetivo de estimular a emigração ilegal. Com efeito, entre 1º de outubro de 2002 e 28 de fevereiro de 2003, só concederam 505 vistos, ou seja, 2,5% da cifra estabelecida. Ademais, Washington declarou que qualquer fluxo maciço para as costas da Flórida constituiria uma ameaça à segurança nacional dos EUA e provocaria uma resposta militar. Quanto à Rádio Martí e à TV Martí, cujo papel é fomentar a emigração ilegal, viram seus orçamentos alcançarem a cifra de US$ 26,9 milhões. Outro objetivo das emissoras é favorecer atos de sabotagem e subversão interna. Assim, o perigo de uma agressão militar estadunidense contra Cuba é muito real. (11)

Fidel Castro seria responsável pela miséria de seu povo. De qual miséria se trata? Daquela que dota os cubanos de uma taxa de analfabetismo de 0,2%, de uma esperança de vida de 76 anos, de uma taxa de mortalidade infantil de 6,2 por mil, de uma taxa de escolarização de 100%, com 4 milhões de estudantes em 11 milhões de habitantes, de 590 médicos por 100 mil habitantes, do mais elevado número proporcional de médicos e professores no mundo? Seria a "miséria" que permite a Cuba albergar 11% dos cientistas da América Latina, tendo apenas 2% de sua população? A cada ano mais de 2 mil médicos cubanos exercem gratuitamente sua profissão nas regiões mais pobres do planeta - mais que os médicos enviados pela OMC (Organização Mundial de Saúde). Atualmente, há em Cuba mais de 24 mil estudantes procedentes de 80 países, entre eles 500 norte-americanos, que prosseguem sua formação universitária também gratuitamente.
É desta "miséria" que se fala? Se isto merece o qualificativo de "miséria", seria o caso de erguer um monumento à "miséria" e proclamar um "Dia da Miséria", que seria uma festa mundial.
As dificuldades que de fato existem em Cuba estão diretamente relacionadas com o bloqueio decretado por Washington. E devem ser vistas em perspectiva, relacionadas com a problemática política, econômica e social das nações do Terceiro Mundo, para que se veja que, na comparação com tais países, a situação cubana não está longe de ser paradisíaca. (12)

Entrevistado recentemente no programa de TV "Merci pour l'info", do Canal Plus, sobre Tayseer Aouni, o jornalista da Al Jazira preso na Espanha no último dia 8, por simples suspeitas de vínculos com a Al Qaeda, Ménard limitou-se a declarar que os jornalistas não estavam acima das leis, acrescentando que Aouni fora preso pelo que fizera e não pelo que escrevera. A declaração do juiz Baltazar Garzón aparentemente bastou a Ménard, que não se dignou a analisar o assunto, nem requerer as provas, até o momento inexistentes, da culpa do jornalista árabe.

No entanto, Ménard indignou-se quando "jornalistas" cubanos, a serviço de uma potência estrangeira engajada contra Cuba na maior campanha terrorista da história, foram presos e condenados com base em arrasadoras provas de culpabilidade que foram apresentadas publicamente.

Mas Ménard já declarou abertamente que não atacaria os mestres do universo, apenas seus inimigos. Com efeito, a rede televisiva de Catar Al Jazira atraiu a ira de Washington durante as guerras do Afeganistão e a seguir do Iraque, pela exatidão de suas reportagens - pondo em evidência as atrocidades cometidas pela coalizão e esfrangalhando a propaganda estadunidense. É fácil anatemizar um pobre país do Terceiro Mundo, assediado pela primeira potência mundial há quase meio século; mas possuir honestidade intelectual são outros quinhentos. E a RSF, neste caso, escolheu o seu lado, o da mentira e da calúnia. A história da Revolução Cubana é muito diferente; apesar de seus erros, é uma lição de coragem e humanismo.

Recentemente revelou-se que Eduardo Sánchez, sem dúvida o personagem mais midiático da "dissidência", na verdade colaborara durante vários anos com a Segurança do Estado cubano. Evidentemente, a RSF, não sabendo onde se esconder, na medida em que as figuras que erigira em símbolos da liberdade de expressão em Cuba se revelavam agentes de Havana, censurou por completo esta informação desmoralizante.

Os Estados Unidos não possuem nenhuma legitimidade para orientarem um povo que estrangulam há meio século apenas porque ele se atreveu a construir sua própria utopia. Não compete à RSF decidir ou julgar o destino de Cuba, e menos ainda a seus aliados terroristas indiretos da FNCA. Que se critique a Revolução Cubana é de todo razoável, mas usar o embuste e a mistificação para atacá-la é uma ignomínia.

Se a defesa da liberdade de expressão fosse verdadeiramente a preocupação da RSF, suas prioridades seriam a Colômbia, a Turquia, o Paquistão, o Egito. Mas na verdade a "liberdade de expressão" é apenas uma cortina de fumaça para ocultar outro objetivo. O que incomoda a RSF, os EUA e os ideólogos neoliberais é o sistema político, econômico e social de Cuba, que mostra o total fracasso da doutrina do mercado. Gostem ou não a RSF e seus asseclas, Cuba é uma nação independente e soberana, que há 44 anos dá ao mundo uma lição de dignidade e resistência. (13)

Notas
1) Sítio de Repórteres Sem Fronteiras: http://www.rsf.org/ (consultado em 16/set/2003).
2) Cuba Solidarity Project, "Reporters sans Frontières et Cuba", sem data, 1.
http://perso.clubinternet.fr/vdedaj/cuba/rsf.html (sitio consultado em 24/fev/2003) ; Reporters Sans Frontières, Colombie-Rapport 2003. http://www.rsf.org/article.php3?id_article=6164 (sitio consultado em 24/set/2003).
3) Marianne, "Reporters Sans Frontières, les aveux de Robert Ménard ", 5-11/mar/2001 :9.
4) RSF, " Cuba Si, Castro No ", "Washington écarte une intervention armée", http://www.rsf.org/
5) Rosa Miriam Elizalde & Luis Baez, "Los Disidentes" (Havana: Editora Política, 2003), pp. 153-74
6) William Blum, Rogue State. A Guide to the World's Only Superpower (Maine, Monroe : Common Courage Press, 2000), p. 80.
7) Entrevista de Robert Ménard realizada pelo autor em 12/mai/2003 no escritório da Repórteres Sem Fronteiras em Paris.
8) William Schaap, "La Demanda: The People of Cuba vs the U.S. Government" Third World Traveler, septiembre-décembre 1999. http://www.thirdworldtraveler.com/Latin_America/LaDemanda.htm (sitio consultado em 15/jan/2003).
9) Eumelio Caballero Rodríguez, " Coletiva de imprensa ", Paris, Embaixada de Cuba na França, 18/abr/2003.
10) Pascual Serrano, "Planos de intervenção militar na Ilha. Cuba na mira dos Estados Unidos", Le Monde Diplomatique, outubro de 2003.
11) Felipe Pérez Roque, Não pensamos em renunciar à nossa soberania. Coletiva de imprensa concedida pelo Ministério das Relações Exteriores da República de Cuba em 9 de abril de 2003. Havana: Editora Política, 2003. pp. 12, 21.
12) Comisión Económica Para América Latina (CEPAL), Indicadores del desarrollo socioeconómico de América Latina. (Naciones Unidas, 2002), pp. 12, 13, 39, 41, 43-47, 49-56, 66-67 ; 716-733;
Fidel Castro, "Discurso de Fidel Castro em 1 de mayo", Rebelión, 3 de mayo 2002.
http://www.rebelion.org/internacional/castro030502.htm (sitio consultado em 3/mai/2002);
Peter Bohmer, "Cuba Today !", Z Magazine, 26 de abril 2001, 1.
http://www.zmag.org/ZSustainers/ZDaily/2001-04/26bohmer.htm (sitio consultado em 7/mar/2003);
Saul Landau, "Fidel and the Revolution, Forty Years Later", Z Magazine, 6/jan/2001, 2.
http://www.zmag.org/ZSustainers/ZDaily/2001-01/06landau.htm (sitio consultado em 12/mar/2003).
Comisión Económica Para América Latina (CEPAL), Indicadores del desarrollo socioeconómico de América Latina. (Nations Unies, 2002), op. cit., p. 52;
Dorothy Guellec, " Cuba Offers Free Medical Education to US Minority Students ", Z Magazine, 27/mar/2001. http://www.zmag.org/ZSustainers/ZDaily/2001-03/27guellec.htm (sitio consultado em
3/abr/2002);
Raisa Pages, "Estudiante hondureño destaca labor de médicos internacionalistas cubanos", Granma Internacional, 25/jun/2002. http://www.granma.cu/espanol/junio02-24/estudiante-e.html (sitio consultado em 3/abr/2002);
Carlos Lage, "Cuba ofrece médicos, equipos, kits diagnósticos y tratamiento antirretroviral para los países más pobres y con mayor presencia de SIDA", Sesión Extraordinaria sobre el Sida de la Asamblea General de las naciones Unidas, Rebelión, 7/jul/2001. http://www.rebelion.org/internacional/cuba070701.htm (sitio consultado em 13/jun/2002);
Fidel Castro, "Cuba Offers 5 000 Scholarships for Central American Medical Students", Cuba Solidarity Project, 21/nov/1988. http://www.cubasolidarity.net/fidebecas.html (sitio consultado em 5/mar/2003);
Toward Freedom, " Cuba's Medical Aid Is Winning Converts ", noviembre de 2000, 5.
http://www.towardfreedom.com/nov00/notebook.htm (sitio consultado em 7/mar/2003);
América Latina en Movimiento, " El arte de seguir construyendo ", ALAI, 15 mai 2001, 1.
http://alainet.org/active/show_text.php3?key=1235 (sitio consultado em 7/mar/2003);
Noy Thrupkaew, "A Letter From Cuba"!, Z Magazine, 22/mai/2001, 3-4.
http://www.zmag.org/ZSustainers/ZDaily/2001-05/22thrupkaew.htm (sitio consultado em 12/mar/2003);
Noam Chomsky, "Obsesión", La Jornada, 25/jan/1998.
http://www.jornada.unam.mx/1998/ene98/980125/chomsky.html (sitio consultado em 7/mar/2003).
13) Arleen Rodríguez & Lázaro Barredo, El Camaján (Havana: Editora Política, 2003). Disponível em http://www.cubadebate.cu/index.php?tpl=libros (sitio consultado em 23/set/2003).
10/11/2003

* Doutor pela Escola de Estudos Anglófonos da Sorbonne, Paris, com uma tese sobre o lobby cubano nos EUA de 1959 até hoje.

Este artigo encontra-se em: http://resistir.info/

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Violência nas eleições no Paraguai: movimentos sociais pedem ajuda a observadores internacionais para evitar mais uma fraude eleitoral

Para a mobilização de organizações sociais brasileiras em solidariedade com a luta do povo paraguaio

1. Se agrava a conjuntura a dois meses das eleições gerais
2. Será necessário enviar observadores/as também dos movimentos sociais solidários para inibir a fraude nas eleições

[OBSERVACIÓN: tanto o Movimento Popular Tekojojá como o Partido Convergência Popular Socialista são expressão de movimentos sociais paraguaios e têm entre seus militantes e candidatos a dirigentes sociais que participam ativamente das campanhas da Aliança Social Continental, Jubileo Sul, etc.]

1. Se agrava a conjuntura a 2 meses das eleições

As eleições gerais no Paraguai acontecerão no próximo 20 de abril (faltam menos de dois meses). As pesquisas de opinião dão ao candidato apoiado pelas forças de esquerda, progressistas e democráticas, Fernando Lugo, bem na frente. Tem vantagem de mais de 10 pontos sobre os dois segundos que vem embolados (o general Oviedo y a candidata colorada Ovelar).

Em resposta a esse quadro membros do Partido Colorado tem respondido com violência e ameaças, tentando criar um ambiente de medo, incerteza, instabilidade etc. Vejam ao final:

* o relato do assassinato de um dirigente do Movimento Popular Tekojojá, organização membro da Aliança Patriótica para a Mudança (Alianza Patriótica para el Cambio). Se pede que enviem moções de solidaridade com Tekojojá e os familiares do companheiro e notas de repúdio a esse ato bárbaro. Contato: prensa@tekojoja.com.py
* relato da prisão de militantes da Aliança Patriótica Socialista, uma coalição de organizações de esquerda que também apóia o Lugo. Para moções em relação ao caso, contato: victor.barone@gmail.com

2. Será necessário enviar observadores/as também dos movimentos sociais solidários para inibir a fraude nas eleições

Depois da violência e tentativas de amedrontamento, devem vir outras táticas dos grupos que estão no poder. No dia 20 de abril todo indica que deverão tentar impedir a vitória de Lugo pela fraude.

Solicitamos que os movimentos sociais brasileiros enviem para (uns dias antes e alguns dias depois do) 20 de abril, observadores da sociedade civil com vistas a inibir e impedir as fraudes no dia das eleições.

Contatos:
Secretaria Internacional do Mov. P. Tekojojá (membro da Aliança Patriótica para a Mudança), Ricardo Canese: ricardocanese@yahoo.es
Membro da Direção do Partido Convergência Popular Socialista (Aliança Patriótica Socialista), Victo Barone: victor.barone@gmail.com


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Anexo I - Informe Tekojojá

Apreciados compañeras/os:Ha ocurrido un alevoso crimen, a sangre fría, del dirigente de TEKOJOJA del Departamento de Caazapá (antiguo bastión del oficialismo y donde todas las encuestan demuestran que Fernando Lugo triunfará, lo mismo que en todo el país) del dirigente GERALDINO ROTELA MIRANDA. Se encuentra en gravísimo estado, tambièn por haber recibido impactos de bala, su hermano ENMANUEL ROTELA MIRANDA. Este crimen es la continuidad de sucesivas agresiones de la cúpula mafiosa que desgobierna el Paraguay desde hace 61 años, entre las que se pueden citar (1) secuestro del dirigente de Tekojoja Guillermo Gimènez en el departamento de Canindeyù, donde personas vestidas de "para para í" (uniforme de camuflaje del ejército) le robaron su moto y lo dejaron atado a un árbol; (2) apresamiento de dirigentes del P-MAS, por criticar al Presidente Duarte Frutos en Caacupé, (3) apresamiento de los dirigentes del Frente Patriòtico Socialista, Juan de Dios Acosta Mena y Antonio Gayoso, de la organizaciòn campesina MCNOC y (4) asesinato de GERALDINO ROTELA MIRANDA y graves heridas a su hermano. El Movimiento Popular Tekojoja denuncia este asesinato y responsabiliza del mismo al gobierno de Duarte Frutos. El objetivo es claro: crear miedo entre la poblaciòn para que no vaya a votar y evitar el triundo de Fernando Lugo, que en todas las encuestas aventaja a los demás candidatos entre 10 y 12%. Ante el riesgo de perder el poder luego de 61 años de manejo autoritario y corrupto, la rosca insaciable que gobierna el Paraguay se lanza a hacer lo que bien sabe: el terrorismo de Estado.Solicitamos a todos los compañeros la difusión de esta noticia y el envío de mensajes al Presidente de la República, Nicanor Duarte Frutos, solicitándole garantía para los actvistas políticos de la oposición y para que los votantes puedan ir con tranquilidad a elegir un nuevo gobierno el próximo 20 de abril.Fraternal abrazo.Ricardo CaneseSecretario de Relaciones InternacionalesMovimiento Popular Tekojoja


Asesinan a dirigente de Tekojoja en Caazapá

17:30 Geraldino Rotela Miranda (32), uno de los dirigentes del Movimiento Tekojoja en Caazapá, fue emboscado y asesinado esta madrugada. Su hermano, Emanuel Rotela (21), quien lo acompañaba, sufrió heridas graves, pero sobrevivió. La policía aún no identificó a los autores del homicidio. FOTO: Geraldino Rotela (en círculo) en un acontecimiento familiar.

Domingo/24/FEBRERO/2008

Ambos regresaban en motocicleta a su domicilio en la Compañía San Antonio, distrito de San Juan Nepomuceno - Caazapá-, cuando fueron interceptados en la misma zona por tres hombres a cara descubierta. Uno de ellos les ordenó que bajen del vehículo y otro le gritó en guaraní "ejuka ichupe" (mátalo). Inmediatamente, uno de los desconocidos disparó contra los hermanos.
Según el informe de la Policía Nacional, Geraldino murió por traumatismo de cráneo ocasionado por disparo de arma de fuego, presumiblemente calibre 38.

Antonio Zena, dirigente de Tekojoja en el departamento de Caazapá, señaló a ÚLTIMAHORA.COM, que hasta el momento no tiene ninguna hipótesis respecto al asesinato de Rotela. "Estamos esperando informes oficiales", aclaró.
La otra víctima, Emanuel Rotela, se encuentra internado en Emergencias Médicas de Asunción, ya que sufrió heridas en el cuello y en los pulmones. Su estado se desconoce.
Por su parte, el Movimiento Tekojoja, en un comunicado, exige el esclarecimiento del hecho e insta a la ciudadanía a movilizarse para evitar la impunidad. Responsabiliza al gobierno de los hechos violentos que azotan al país.


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Anexo II

Informe Partido Convergência Popular Socialista

Campaña del Partido Colorado se basa en la persecución, amedrentamiento, encarcelamiento y hasta asesinato de candidatos y militantes de la oposición.
La Conducción Nacional de la Alianza Patriótica Socialista (APS), luego de los últimos hechos ocurridos en el escenario político-electoral, y haciendo una evaluación y reflexión política de la práctica histórica de los gobiernos, desde el dictador Stroessner a esta parte, manifiesta a la opinión pública cuanto sigue:

1- Su repudio enérgico y activo, a la forma sucia y hedionda en que la cúpula del Partido Colorado realiza su campaña electoral, persiguiendo, amedrentando, encarcelando y hasta asesinando a candidatos y militantes del movimiento popular organizado.
2- Al mismo tiempo recuerda que los gobiernos vende-patria, por lo menos desde Alfredo Stroessner hasta la fecha, se han dedicado a perseguir, criminalizar y atentar contra todo intento ciudadano de organización, más todavía cuando dicho intento va teniendo un desarrollo en su madurez y proposición, como es el caso de las organizaciones políticas del campo popular, que hoy están en el escenario político-electoral, como la APS, representando a los sectores excluidos y explotados por la camarilla de represores y ladrones, empotrados en el gobierno.
3- Así mismo plantea una serie de acciones pacíficas, como la acción directa y manifestación a realizarse hoy, martes 26 de febrero, a partir de las 11hs de la mañana, frente al Ministerio del Interior, en repudio a la política represiva y criminal del Gobierno actual y el sector privilegiado por el mismo.
4- Y por último concluye con un llamado de alerta a la ciudadanía, aten la posibilidad de que el Partido Colorado, que está sumido en una grave crisis producto del fraude y el descrédito de sus dirigentes, intente de cualquier forma evitar su inminente caída, valiéndose de mecanismos engañosos y terroristas para promover el alejamiento y la división de todos los patriotas que no renunciaron ni renunciarán al coraje y la convicción en y por la lucha hacia un Paraguay con futuro digno para todos sus hijos.

¡VIVA LA ORGANIZACIÓN Y EL CORAJE DE NUESTRO PUEBLO!
¡EL 20 DE ABRIL, SIN DISCRIMINACIÓN, TODOS VOTAREMOS POR EL CAMBIO Y BOTAREMOS LA TRAMPA Y EL POKARE A LA BASURA!
¡CÁRCEL A LOS VERDADEROS TERRORISTAS QUE SIEMPRE OPERARON DESDE EL ESTADO!

Belarmino Balbuena
Por la Conducción Nacional
26 de febrero de 2008

COMUNICADO

La Alianza Patriótica Socialista - Partido de la Unidad Popular (PUP) Lista 33, se dirige a la Opinión Pública Nacional e Internacional, para expresar cuanto sigue:
Denuncia el apresamiento de sus dirigentes y candidatos de la Alianza Patriótica Socialista Juan de Dios Acosta Mena, candidato a senador N° 2, Pablo Martínez Jara, candidato a la Junta departamental por el departamento Central y el dirigente de Partido de la Unidad Popular (PUP) Antonio Gayoso. Los mismos fueron detenidos hoy sábado 23 de febrero cuando estaban recorriendo colonias campesinas de la zona del departamento de Itapúa en el marco de la campaña electoral.
Cuando los compañeros llegaron al asentamiento 15 de agosto, de la colonia 13 de mayo, de 6 años de ocupación y 842 hectáreas, en el distrito de Natalio, km 70. fueron brutalmente reprimidos por civiles armados encabezados por el supuesto propietario del inmueble en litigio, el ex médico personal del dictador Alfredo Stroessner, Amado Cano Ortiz, acompañado por la fiscala Delia Cardozo. Este asentamiento sufre persecuciones constantes por el propietario como la fiscalía, cuando la parcela fue denunciada como Malhabida ante la Procuraduría de la República.
Este nuevo atropello prueba una vez más la política de criminalización y persecución hacia los movimientos campesinos, y a sus referentes políticos. Es evidente que esta violación de derechos humanos y políticos en plena campaña electoral es reflejo del autoritarismo de Nicanor Duarte Frutos que va a ir poniéndose más agresivo, a medida que se acerca su derrota electoral. Nicanor Duarte Frutos utiliza el aparato de estado para fines personales y de su partido; denunciamos estos métodos sucios, anticonstitucionales y antidemocráticos, financiados por la mafia, que sabemos van a amplificarse hasta el 20 de Abril.
Exigimos la liberación inmediata de los tres compañeros de la APS, así como el cese de la persecución y la recuperación de las tierras malhabidas a manos de los aprovechados de la dictadura de Stroessner, la entrega de las tierras a los compañeros sin tierra y el desarrollo de la reforma agraria integral.

Asunción el 23 de Febrero 2008.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Em Cuba, não se discute o retorno ao capitalismo

por jpereira — Última modificação 20/02/2008 15:38

Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador cubano Ariel Dacal relata que os setores pró-capitalistas estão enfraquecidos na sociedade e que critica aqueles que prevêem a adoção do modelo chinês por Cuba: "A criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos", afirma.

20/02/2008

Jorge Pereira Filho,da redaçao

"Ilha de Fidel Castro". "Ditador insaciável". "Megalomaníaco". Essas são algumas das expressões usadas e repetidas pelos meios de comunicação conservadores para tratar, imparcialmente, da decisão do presidente cubano, Fidel Castro, de rejeitar uma possível indicação à reeleição pelo Parlamento, no domingo (24).

Enquanto o Jornal da Globo “lembrava” que os militares se sentiam ameaçados pela influência de Fidel e essa foi uma das justificativas para o golpe de 1964, em Cuba, a notícia de sua renúncia provocou comoção. Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador cubano Ariel Dacal, morador de Havana, comenta que nesses momentos tende-se até a exagerar os feitos de Fidel. Mas não hesita em dizer: “É certo que o sistema cubano se personalizou muito em sua figura, mas isso – desde um ponto de vista histórico – está muito distante da noção de ditadura não só do povo cubano, mas também dos povos da América”.

Ariel acompanha e participa do processo de discussões abertos pelo próprio governo em julho de 2007 para a população discutir e propor soluções a seus problemas cotidianos. Para ele, um aspecto positivo foi justamente o enfraquecimento de um discurso capitalista. “Apagou-se o discurso pró-capitalista que, durante algum tempo, parecia a única possibilidade de visão oposta”, avalia.

Mas ao contrário do que ocorre nos bairros cubanos, a voz que prevalece na mídia corporativa é a de que, em Cuba, o povo quer o fim do socialismo e Raúl Castro trabalhará por um modelo econômico próximo ao chinês. Dacal discorda desta visão: “O problema dos que promovem essa visão, fora do Brasil ou em outros lugares, é a limitação em entender ou compreender que a criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos que vão além do modelo chinês”. Leia a íntegra da entrevista abaixo.

Brasil de Fato - Como a população cubana reagiu ao anúncio de Fidel Castro?

Ariel Dacal – Em sua mensagem, Fidel comentou que já em cartas anteriores havia anunciado a possibilidade de que não se reelegeria (leia a carta). Sabia que era necessário preparar o povo psicologicamente. E agiu corretamente. O impacto entre os cubanos foi emotivo. As pessoas, o povo em geral, sentiram as notícias. Mas ao mesmo tempo se esperava, era uma das alternativas já em vista para a maioria dos cubanos e cubanas e seria o mais positivo dado o estado de saúde de Fidel. É quase um consenso entre o povo aceitar que foi uma saída “elegante”, muito bem decidida e que apenas exalta a estatura moral e história de Fidel. Em momentos como este, no qual a emoção pesa mais que a racionalidade, faz-se uma leitura muito positiva da obra de toda vida de Fidel.

A mídia corporativa explorou expressões como "mão dura", "ilha de Fidel Castro", "ditador que quase provocou a terceira guerra mundial... O povo cubano vê em Fidel um ditador?

Não creio que o povo o veja como um ditador. Tudo depende do significado de quem tem as palavras e para quem as usa. Para o povo cubano, desde a consciência cotidiana, os ditadores são assassinos que instalam regimes de terror onde milhares de pessoas perdem a vida. Recorde-se que foi precisamente a Revolução Cubana que derrotou um regime ditatorial que tinha essas características, um dos primeiros ensaios do imperialismo yanqui que depois se expandiu por todo o continente. A obra encabeçada por Fidel é o contrário disso. Deu educação, saúde, elevou o orgulho nacional onde nunca esteve antes, foi uma referência de soberania e respeito à vida humana. É certo que o sistema cubano se personalizou muito em sua figura, mas isso – desde um ponto de vista histórico – está muito distante da noção de ditadura não só do povo cubano, como também dos povos da América.

A mídia também tem divulgado que Raúl Castro seria mais inclinado a promover transformações em Cuba sob inspiração dos modelos de China e do Vietnam...

Essa idéia está dentro da ampla margem de possibilidades de mudança em Cuba. Mas na realidade não há sinais de que estamos seguindo nessas direção ou em outra, neste momento. O problema dos que promovem essa visão, fora do Brasil ou em outros lugares, é a limitação em entender ou compreender que a criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos que vão além do modelo chinês que, diga-se de passagem, não tem nada de anticapitalista. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades do que as leituras positivistas e se reduzem a elas.

Devemos esperar algum tipo de mudança de Cuba com relação à política externa ou seria ainda prematuro fazer qualquer avaliação de como seria o novo governo?

O primeiro é ver a composição do novo governo e as medidas que vão tomar. Depois, é analisar sobre a marcha dos acontecimentos.

Qual o significado prático da renúncia de Fidel à reeleição?

O significado prático é que o governo de fato de Raúl Castro passará a ser governo de jure (pela lei). Ou seja, o que na prática já acontecia desde a enfermidade de Fidel no verão de 2006 agora é um fato consumado em sua totalidade legal com a renúncia anunciada ontem. Na realidade, abriu-se uma variável importante na complexa situação cubana. Mas em última instância creio que os impactos institucionais verdadeiros estão por chegar. O que é fato, do ponto de vista prático, é uma mudança de referência psicológica, moral, constituída por Fidel durante cinco décadas. O interessante é o efeito sociológico da renúncia o qual deve-se esperar um tempo mais longo para avaliar em sua dimensão real.

Mas dentro desse efeito sociológico pode estar incluído o fortalecimento da oposição anti-socialista?

Não creio que seja assim. Nesses momentos muitas são as forças que, com mair ou menor estímulo, apresentam-se na cena nacional. No entanto, repito que mais que a renúncia de Fidel, a questão é ver que tipo de mudanças vão ser decididas e o curso que vão tomar a depender das forças, tendências e visões que as conduzirão. Certamente, para pessoas iludidas, que reduzem o sistema cubano à figura de Fidel, a renúncia pode ser significativa. Mas não entendem que a rede institucional cubana e as demandas atuais são muito mais complexas do que essa suposta subordinação total à figura de Fidel. E claro que ele renunciou, mas não morreu. E sempre será uma referência moral, de importância e um mediador a partir de suas opiniões. Ele se manterá escrevendo suas reflexões o que lhe permitirá uma presença constante na cena.

Desde julho de 2007, Raúl Castro incentivou um debate nacional sobre os problemas dos cubanos. Existe vontade popular de retorno ao capitalismo?

Em Cuba, não se discute o retorno ao capitalismo. Na realidade, o processo de discussão em que o país está metido mostra um apoio ao socialismo. Uma das características mais interessantes de todos esses meses, quase um ano, de debates de idéias, é justamente que se apagou o discurso pró-capitalista que, durante algum tempo, parecia a única possibilidade de visão oposta. Claro, outra coisa seria discutir “de que socialismo estamos falando”, ou seja, a qualidade desse socialismo que, em algumas ocasiões – e não com más intenções –, reproduz imaginários e projeções nominalmente socialistas, mas muito contraditórias e que carregavam consigo a orelha peluda do liberalismo.

Os cubanos temem uma intervenção externa dos EUA neste momento de transição?

Com que condições reais conta o governo de Bush para cumprir esse plano? Não se deve subestimar o que pode fazer um império na decadência, mas creio que não dará um passo além da retórica. O governo Bush chegou ao extremo de seu cerco contra Cuba. A única opção que resta a ele é a agressão, mas não tem condições para se meter nessa investida. Além disso, o Pentágono sabe muito bem das condições defensivas de Cuba e a CIA (agência de inteligência dos EUA) tem conhecimento que este tipo de ação está longe de separar um povo; pelo contrário, pode uni-lo de forma contundente.

Já é possível notar nos meios de comunicação conservadores uma ostentiva campanha contrária a Fidel Castro e ao regime socialista, O que os cubanos esperam, agora, da solidariedade internacional?

Apoio, compreensão e vigilância constante para desmentir as campanhas difamatórias e evitar a coordenação de agressões de qualquer tipo contra Cuba. E o mais importante é que se compreenda e se conscientize que o povo cubano carrega sobre seus ombros uma enorme responsabilidade prática e moral com a luta de todos os povos oprimidos. A luta de Cuba é a luta de todos os oprimidos.
Retirado do jornal Brasil de Fato:

O que muda em Cuba com a decisão de Fidel Castro de não continuar na presidência do país?

A RENÚNCIA DE FIDEL

Frei Betto

Fidel Castro, 81, renunciou às suas funções de presidente do Conselho de Estado de Cuba e Comandante-em-Chefe da Revolução. Entregue aos cuidados de sua saúde, prefere manter-se fora das atividades de governo e participar do debate político – que sempre o encantou – através de seus artigos na mídia. Permanece, porém, como membro do Birô Político do Partido Comunista de Cuba.No próximo domingo, 24, Raúl Castro, 77, será eleito, pelos novos deputados da Assembléia Nacional, para ocupar as funções de primeiro mandatário de Cuba.Esta é a segunda vez que Fidel renuncia ao poder. A primeira ocorreu em julho de 1959, sete meses após a vitória da Revolução. Eleito primeiro-ministro, entrou em choque com o presidente Manuel Urrutia, que considerou radical as leis revolucionárias, como a reforma agrária, promulgadas pelo conselho de ministros. Para evitar um golpe de Estado, o líder cubano preferiu renunciar. O povo saiu às ruas em seu apoio. Pressionado pelas manifestações, Urrutia não teve alternativa senão deixar o poder. A presidência foi ocupada por Osvaldo Dorticós e Fidel voltou à função de primeiro-ministro. Estive em Cuba em janeiro deste ano, para participar do Encontro Internacional sobre o Equilíbrio do Mundo, à luz do 155º aniversário de nascimento de José Martí, figura paradigmática do país. Retornei em meados de fevereiro para outro evento internacional, o Congresso Universidade 2008, do qual participaram vários reitores de universidades brasileiras.Nas duas ocasiões encontrei-me com Raúl Castro e outros ministros cubanos. Reuni-me também com a direção da FEU (Federação Estudantil Universitária); estudantes da Universidade de Ciências Informáticas; professores de nível básico e médio; e educadores populares.

Ilude-se quem imagina significar a renúncia de Fidel o começo do fim do socialismo em Cuba. Não há nenhum sintoma de que setores significativos da sociedade cubana aspirem à volta ao capitalismo. Nem os bispos da Igreja Católica. Exceção a uns poucos que, em nome dos direitos humanos, não se importariam que o futuro de Cuba fosse equivalente ao presente de Honduras, Guatemala ou Nicarágua. Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo... Cuba não é avessa a mudanças. O próprio Raúl Castro desencadeou um processo interno de críticas à Revolução, através das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões ora analisadas pelo governo. Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética; bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA.
Malgrado tudo isso, o país mereceu elogios do papa João Paulo II por ocasião de sua visita, em 1998. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Os primeiros setenta paises são considerados os melhores em qualidade de vida. Cuba, onde nada se paga pelo direito universal à saúde e educação de qualidades, figura em 51º lugar. O país apresenta uma taxa de alfabetização de 99,8%; conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 por cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 800 mil diplomados em 67 universidades, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.
Hoje, Cuba mantém médicos e professores atuando em mais de 100 países, incluído o Brasil, e promove, em toda a América Latina, a Operação Milagros, para curar gratuitamente enfermidades dos olhos, e a campanha de alfabetização Yo si puedo(Sim, eu sou capaz), com resultados que convenceram o presidente Lula a adotar o método no Brasil. Haverá, sim, mudanças em Cuba quando cessar o bloqueio dos EUA; forem libertados os cinco cubanos presos injustamente na Flórida por lutarem contra o terrorismo; e se a base naval de Guantánamo, ora utilizada como cárcere clandestino - símbolo mundial do desrespeito aos direitos humanos e civis - de supostos terroristas for devolvida. Não se espere, contudo, que Cuba arranque das portas de Havana dois cartazes que envergonham a nós, latino-americanos, que vivemos em ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados: “A cada ano, 80 mil crianças morrem vítimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana.” “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana.”
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

28/1/2008 'Cuba vai mudar, mas do seu jeito'. Entrevista com Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique

O espanhol Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique, talvez seja o não-cubano que melhor conheça Fidel Castro e as entranhas de Cuba. Autor do livro Fidel Castro: Biografia a duas vozes (a maior entrevista já concedida pelo cubano), ele descarta transformações abruptas na ilha após a passagem de poder à nova geração. As mudanças, diz, serão diferentes daquelas vistas na China ou no leste europeu. Com a saúde debilitada, Fidel deu sinais que poderá abrir mão da presidência neste ano. O jornalista espanhol amigo de Fidel diz quem são e o que farão os líderes cubanos da nova geração. A reportagem e a entrevista são de Ricardo Mendonça e publicadas pela revista Época, 18-01-2008. Eis a entrevista.

Fidel está com 81 anos, afastado poder há mais de um ano e, ao contrário do que muitos previam, principalmente nos EUA, isso não resultou em nenhuma mudança substancial do regime. O senhor tem alguma explicação?
IR-Sim. Acredito que essas análises que os EUA faziam eram baseadas sobre seu próprio desejo, não sobre a realidade. Todos os observadores sérios sabiam que o regime era mais sólido do que dizia a administração dos EUA. A prova disso é o que tem ocorrido agora. Já estamos no pós-Fidel, em certa medida. Ele não está mais governando e, como você disse, não há nada excepcional. A situação é estável, não há protestos, as instituições são sólidas, tivemos eleições municipais, haverá eleições legislativas agora em 2008 e, depois disso, será escolhido o novo presidente.
Não são eleições viciadas?
IR-Há um partido único e podemos pensar que isso não corresponda a uma sociedade sofisticada. Eu comentei isso com Fidel. Cuba é hoje um país com alto nível cultural, um nível educacional muito alto, muitos cientistas, técnicos, engenheiros, médicos. Então o partido único não é suficiente para refletir a sofisticação, a variedade, a pluralidade da sociedade cubana. Mas há um sistema de funcionamento democrático que merece ser bem observado. Os candidatos não podem ser apresentados pelo partido. Eles surgem da sociedade e são votados nas assembléias populares. Essas pessoas podem ser oponentes ao sistema, podem ser membros do partido. Mas muitos nãosão nem uma coisa, nem outra. São pessoas normais. Há pastores protestantes que são deputados, há sacerdotes, militantes cristãos que não concordam com a pena de morte, com algumas decisões. Mesmo assim, continua sendo partido único. O partido único se justifica no contexto de hostilidade que vive Cuba. Sempre que pensamos na evolução que poderia ocorrer em Cuba, temos que perguntar como irão evoluir os EUA com relação a Cuba. Irão suprimir o embargo econômico? Irão suprimir a pressão diplomática? Irão suprimir a ameaça militar, com invasões, terrorismo e apoio aos grupos que cometem atentados e sabotagens? Se pensarmos nisso, veremos que, apesar de tudo, em Cuba há um processo eleitoral muito interessante.

Raúl Castro, o irmão de Fidel que interinamente preside a ilha, tem idade avançada e dificilmente será sucedido por alguém que tenha participado da revolução de 1959. É razoável esperar algo diferente de um dirigente que não tenha participado da revolução?
IR-Certamente. O mais provável é que o próximo presidente seja Raúl. Mas Fidel mesmo disse que Raúl não é a verdadeira sucessão, é a continuidade. O mais importante para a revolução é quando a nova geração assumir o poder. Mudanças evidentemente irão ocorrer, pois o contexto político não é mais o mesmo, Cuba não está mais isolada. Tem excelentes relações com Brasil, Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia e Chile, entre outros.
Quem são esse possíveis substitutos da nova geração?
IR-Carlos Lage (atual vice-presidente) tem uma trajetória interessante, pois vem da direção da juventude estudantil. Felipe Perez Roque (atual ministro das Relações Exteriores), foi presidente da federação de estudantes universitários e secretário pessoal de Fidel por muito tempo. Os dois têm excelentes relações com Raúl e Fidel. Há outros: Abel Prieto, ministro da Cultura, Ricardo Alarcón (presidente da Assembléia Popular), um homem muito culto. Todos são conscientes da necessidade de proteger a identidade e a independência de Cuba. Não estou falando de modelo econômico, mas filosófico.
E do ponto de vista econômico? Há muita gente especulando se Cuba irá adotar o modelo chinês ou vietnamita. Desde 1959 Cuba tem tido aliados indispensáveis para resistir a pressão dos EUA. Mas separe que Cuba nunca adotou um modelo de maneira mimética: nunca foi semelhante à União Soviética. A organização da economia foi diferente, o setor agrícola foi preservado em cooperativas voluntárias, nunca de maneira violenta. Em muitos setores foram conservados os proprietários privados, como o de tabaco. Cuba sempre foi por uma via particular. Estou convencido que nessa nova etapa Cuba tratará de definir também uma via singular.O senhor acha que o regime pós-Fidel, mesmo conduzido por pessoas de sua confiança, responderá às reivindicações reprimidas por mais participação democrática e oportunidades econômicas?

IR-Isso é verdadeiro, Cuba tem muitos problemas na vida cotidiana. Problemas com alimentação, habitações e também com o transporte público. Mas neste momento, esses três problemas são os temas sobre os quais está trabalhando o governo. Num contexto geopolítico diferente, a sociedade irá evoluir. As novas gerações são conscientes que estamos em outra época.
Em Cuba há pena de morte, dissidentes presos, restrições para deslocamentos, inexistência de organizações independentes. Por tudo isso, o senhor não classifica Fidel como ditador?
IR- Há pena de morte, é verdade, mas não é aplicada mais há cinco anos. Há uma moratória. O próprio Fidel me disse que, filosoficamente, é contra. Com relação aos dissidentes, é preciso ser prudente. De fato, há pessoas detidas, mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem: organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as personalidades importantes da dissidência estão em liberdade e têm suas atividades, como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo Payá. Quando você fala em penas altas, é preciso levar em consideração que Cuba é um dos países que mais sofre com o terrorismo. Grupos anti-cubanos de Miami já fizeram 3.500 mortos nos últimos 40 anos. E com relação a Fidel, ele se manteve muito tempo no poder, mas porque Cuba está sob muita hostilidade. Fidel é produto da história, fundador do Estado cubano, teórico da revolução, além de líder carismático. Ele é a estratégia da resistência cubana.
Mas o sistema não está pensado para que outro dirigente fique 40 anos no poder. Logo no começo da biografia-entrevista de Fidel, o senhor descreve o gabinete dele e cita um busto de Abraham Lincoln. Não lhe pareceu estranho a presença da estatueta de um presidente americano naquele local?
IR-Fidel Castro, curiosamente, tem grande admiração por Lincoln. Não sei se você se lembra, mas a primeira viagem de Fidel após a revolução de 1959 foi para os EUA. Ele foi visitar o Congresso e se inclinou na frente da imensa estátua branca de Lincoln. É porque Lincoln foi o libertador dos escravos. Para Fidel, foi uma figura muito importante. Mas Fidel nunca escondeu sua admiração por John Kennedy, Jimmy Carter ou Bill Clinton. As relações sempre foram difíceis com Ronald Reagan e Bush filho.

14:33 19Feb2008 RTRS-Stédile espera que reflexões de Fidel contribuam para esquerda
Por Mair Pena NetoRIO DE JANEIRO, 19 de fevereiro (Reuters) - Integrante da coordenação nacional do MST e da Via Campesina Brasil, João Pedro Stédile considerou acertada a decisão de Fidel Castro de deixar a Presidência de Cuba e acha que suas reflexões irão contribuir para a esquerda latino-americana e mundial, "que se encontra em grave crise". Para Stédile, Fidel tem uma trajetória coerente de luta contra "os inimigos do povo" e é líder "inconteste" dos cubanos, não precisando disputar cargos. "A decisão é mais do que acertada, pois, assim, poderá usar melhor seu tempo para escrever e expor reflexões que podem contribuir não só com o povo cubano, mas com toda a esquerda latino-americana e mundial, que se encontra em grave crise", disse Stédile à Reuters através de email. A saída de Fidel da Presidência não deve significar grandes mudanças na política cubana, segundo Stédile. Ele acha que a imprensa sempre mistificou o poder em Cuba, como se estivesse centralizado em algumas pessoas."O poder real em Cuba é exercido pelo conjunto do partido e pelas inúmeras formas de organização popular", afirmou Stédile. "Qual governo se atreveria a deixar que a população mantivesse armas em suas casas e em locais prontos para serem usadas, especialmente em caso de invasão dos Estados Unidos, se o povo não estivesse representado?", acrescentou. Stédile destacou as conquistas da sociedade cubana, principalmente relacionadas às questões de saúde e educação, mas reconhece a existência de dificuldades econômicas e necessidades materiais. O líder do MST atribuiu os problemas cubanos à falta de recursos naturais, à burocracia e ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. "No entanto, acredito que o povo cubano, com sua sabedoria e sua elevada cultura, saberá encontrar soluções para esses problemas. O socialismo, como sonharam Marx e Engels, certamente depende cada vez mais de mudanças em todo o sistema econômico mundial", afirmou.

(Edição de Fernanda Ezabella)
20/2/2008


A renúncia de Fidel Castro e as implicações para a América Latina. Entrevista especial com Emir Sader


Aos 81 anos, sendo 49 deles no poder, Fidel Castro anunciou ontem sua renúncia ao cargo de Presidente da República de Cuba. Afastado dele desde 2006, devido a complicações no seu estado de saúde, Fidel começou sua luta pela transformação da sociedade cubana bastante jovem. Depois de se graduar em Direito, pela Universidade de Havana, intensificou sua luta contra o governo cubano, denunciando as corrupções e atos ilegais cometidos pelo poder. O golpe de estado de 1952 o convenceu sobre a necessidade de buscar novas formas de ação para transformar o país. Para realizar a Revolução Cubana, em 1955 foi até os Estados Unidos em busca de apoio dos emigrantes cubanos. Com os combatentes reunidos, dirigiu-se à Sierra Maestra, onde permaneceram por dois anos à frente do Exército Rebelde Cubano. Fidel, então, guiou a tática e a estratégia da luta contra a ditadura batistiana, financiada e apoiada pelos estadunidenses. Em 8 de janeiro de 1959, marchou até Havana e consolidou a vitória da Revolução.
Por mais que sofresse um embargo econômico dos Estados Unidos e, depois, com o fim do regime socialista na URSS, Fidel manteve-se a frente de Cuba até o dia 1 de agosto de 2006. Nesta data, delegou o seu cargo ao irmão, Raul Castro. Muitos aguardavam sua renúncia, outros não esperavam por tal notícia, tanto que os maiores jornais do Brasil não noticiaram o fato em suas primeiras edições do dia. Ao povo, Fidel diz em sua carta-renúncia: “Prepará-lo para a minha ausência, psicológica e politicamente, era minha obrigação depois de tantos anos de luta. Nunca deixei de assinalar que se tratava de uma recuperação ‘não isenta de riscos’. Meu desejo sempre foi de cumprir o dever até o último alento. É o que posso oferecer.”Para repercutir o assunto, a IHU On-Line conversou, por telefone, com o doutor em Ciências Políticas Emir Sader, que nos atendeu por telefone desde a Bolívia, onde participa de um congresso. Atualmente, Sader atua como coordenador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e é professor da Universidade de Oxford e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pensando na perspectiva da esquerda latino-americana e mundial, quais são os aspectos do pensamento de Fidel que o senhor considera ainda hoje pertinentes?
Emir Sader – Pode-se falar de uma esquerda latino-americana de antes e depois de Cuba e Fidel. Ele introduziu a questão do socialismo no coração da América Latina, na vigilância dos Estados Unidos. Também introduziu questões fundamentais, como a de que apenas uma sociedade não fundada no mercado pode terminar com o analfabetismo, universalizar direitos de saúde, de educação e culturais para toda a população. Isso tudo fazendo com que um pequeno país sem grandes produtos de exportação, com baixo valor de carteira no mercado internacional, pudesse ter a projeção que teve. Essa é a posição interna. Cuba acredita que deve seguir sendo o país mais solidário do mundo, uma referência em saúde no mundo todo e o que tem mais médicos trabalhando ativamente fora do país. Isso para não falar na escola latino-americana de Medicina, que está formando as primeiras gerações de médicos pobres, provenientes inclusive do Brasil. Possui também a Operação Milagre, que é a recuperação de milhões de latino-americanos de forma gratuita. A sociedade cubana tem um grande espírito de solidariedade totalmente contraditório com o espírito mercantil que o capitalismo difunde pelo mundo afora. Então, o Fidel é um marco da história da América Latina, da história da periferia do capitalismo.
IHU On-Line – O que significa a renúncia de Fidel para a América Latina?
Emir Sader – Na verdade, a renúncia veio a partir de uma transição, pois o Fidel foi deixando aos poucos de assumir funções. A renúncia foi só uma formalização. Significa que a América Latina hoje não pode preferir Cuba. Na verdade, ela tem outros regimes que estão construindo sociedades alternativas, como Equador, Bolívia, Venezuela, e que estão na esteira, no caminho que foi plantado por Fidel. Então, a atualização dele hoje é a atualização presente, por exemplo, naALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que se constrói a experiência mais avançada, aquela que o Fórum Social Mundial pregava: a de um comércio justo, em que cada país oferece o que tem e recebe o que necessita, e assim por diante. Tudo isso feito a partir desse espírito de solidariedade que contém. Então, o Fidel se retira, mas a presença do que ele sonhou é constante, ou seja, continua contemporâneo na América Latina. Esse é um final de carreira digno de quem construiu uma trajetória extraordinária.
IHU On-Line – Podemos esperar algum tipo de mudança na forma de Raul Castro conduzir a política cubana e as articulações com os outros países da América Latina?
Emir Sader – Nada significativo.IHU On-Line – A renúncia de Fidel tem relação com a nova estrutura da esquerda na América Latina, que está sendo chamada de Nova Esquerda? Emir Sader – Não, não tem nenhuma relação. A história específica da esquerda na América Latina não tem ligação com a renúncia de Fidel. A renúncia de Fidel representa a continuidade do sistema político mais além do seu grande líder fundador, não mais do que isso. Fidel já instruiu aqueles que irão dirigir a Revolução Cubana.
IHU On-Line – De que forma a renúncia de Fidel pode influenciar a esquerda atual que está se formando na América Latina?
Emir Sader – Fidel está fora da presidência há um ano e meio, então não tem nada para influenciar agora. O que tinha para influenciar já influenciou. O que ele sonhou já está tendo continuidade em outros governos.IHU On-Line – Então, Cuba continua sendo um modelo socialista para a América Latina? Emir Sader – Uma referência, não um modelo. Estão sendo construídos diversos modelos novos influenciados por Cuba, por isso é uma referência.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a declaração de Bush de que a renúncia de Fidel deva ser um começo para a democracia cubana?
Emir Sader – O fim do governo Bush pode ser o começo para a democratização dos Estados Unidos. Eu não tenho previsão para as eleições, até porque não sou especialista, mas creio que todos os candidatos (1), de alguma maneira, rejeitam o governo Bush. Bush sairá do poder sozinho, como ele mesmo disse, só ele e seu cachorro, o que não é o caso do Fidel. Este sai com o apoio do povo cubano.Notas:(1) Os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos são: Hillary Clinton é, atualmente, senadora democrata pelo Estado de Nova York. Planeja economizar 55 bilhões de dólares enfrentando empresas farmacêuticas, petrolíferas, Wall Street e inspecionando regulamentos de cartões de crédito. Propôs também um plano de aposentadoria para famílias de classe baixa e média e um programa de assistência médica. Sugeriu levantar o embargo comercial imposto décadas atrás em Cuba se o país adotasse “reformas democratizantes”.- Barack Obama é, atualmente, senador democrata por Illinois. Apresentou um plano para criar cinco milhões de novos empregos no setor de energia limpa. Além disso, propôs revitalizar a infra-estrutura do país. Obama já afirmou que pagaria pelo plano ao acabar com a guerra no Iraque e aumentar impostos de estadunidenses e corporações ricas. Afirmou que levantaria o embargo econômico dos EUA em Cuba, mesmo com o regime político atual.- John McCain (senador republicano pelo estado do Arizona) pretende abrir novos mercados para os Estados Unidos. Pretende parar com os empréstimos financeiros exagerados feitos pelo governo Bush. Na área de saúde, tem planos de crédito fiscal restituível e abertura dos mercados de assistência médica. Defende impostos baixo, simples e justos. Afirmou que os Estados Unidos precisam continuar fazendo pressão sobre o governo cubano.
- Mike Huckabee (ex-governador republicano do Arkansas) promete aumentar os gastos com o setor de Defesa e infra-estrutura pública. Pretende cortar e expandir os cortes dos impostos do governo Bush. Diz também que os Estados Unidos deve combater a concorrência externa que chama de desleal, como o praticado pela China.
20/02/2008 - 09h34Cuba deve se inspirar em reformas da China

Adriana Mompean
Do Diário do Grande ABC

Raúl Castro, irmão de Fidel, deverá ser consagrado presidente de Cuba na reunião do Parlamento no próximo domingo, que escolherá o novo dirigente da ilha. “Eu acredito que o nome do Raúl Castro é o mais cotado para assumir o comando. Ele é uma das figuras consideradas mais fortes e simbólicas da Revolução”, afirma Marcelo Buzetto, coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Fundação Santo André.

Raúl Castro sempre foi o sucessor natural de Fidel. Aos 76 anos, dedicou quase toda sua vida ao irmão, cerca de 49 anos como o número dois de Cuba. Ministro das Forças Armadas, Raúl Castro assumiu em 31 de julho de 2006 a chefia do Partido Comunista, o Conselho de Estado e o Exército, após a cirurgia intestinal realizada por Fidel.

Entretanto, Raúl não possui o mesmo carisma de Fidel. Ele tem uma imagem de dirigente rígido, enérgico e é considerado mais pragmático que o irmão. Atribui-se a ele uma vontade de reforma política inspirada nas experiências chinesa e vietnamita, devido as suas freqüentes visitas aos dois países comunistas. Isso significa uma abertura econômica, com a atração de investimentos estrangeiros, mas com a manutenção do sistema comunista.

Raúl Castro também é considerado um homem discreto, que viveu toda a vida sob a sombra de Fidel. “Dedico 90% do meu tempo ao Partido Comunista de Cuba e a maioria das minhas atividades não é publicável. Por isso não saio na imprensa”, disse durante uma cerimônia militar, em dezembro de 2003.

Embargo - A saída de Fidel Castro não deve modificar, por enquanto, a política dos Estados Unidos em relação a Cuba e nem o fim do embargo econômico, implantado contra a ilha em 13 de outubro de 1960, pelo presidente Dwight Eisenhower.

Washington prometeu desistir de seu programa de isolamento somente em caso de eleições livres – uma exigência reiterada terça-feira pelo presidente George W. Bush.

O Instituto Internacional para o Estudo de Cuba, com sede em Londres, acredita que a renúncia de Fidel Castro à Presidência de Cuba é uma “jogada política genial” que “colocará o embargo contra a ilha no coração das eleições presidenciais americanas”.

“Essa renúncia colocará uma forte pressão sobre os aspirantes à Presidência dos Estados Unidos, que deverão esclarecer se manterão relações com o novo líder cubano”, ressaltou o instituto, que faz parte da Metropolitan University.

Candidatos - Terça-feira, os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, tanto democratas quanto republicanos, consideraram que a saída de Fidel Castro não é suficiente para que Cuba seja um país livre.

“Quero dizer à nova direção do regime cubano que os Estados Unidos estão dispostos a dialogar se houver progressos no caminho da democracia, com reformas reais e significativas”, declarou Hillary Clinton.

Seu adversário democrata, Barak Obama, defendeu um início de normalização desde que haja uma “mudança democrática significativa”. (Com agências)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Reflexões Críticas Sobre Política, Ética e Conflitos Sociais


Reflexões Críticas Sobre Política e Ética

Marcelo Buzetto*

Introdução

Durante o final do século XX e neste início de século XXI o tema da “Ética na Política” ou a discussão sobre a “Cidadania” tem predominado nos debates realizados por muitos intelectuais, políticos profissionais, dirigentes de sindicatos e partidos, membros do movimento estudantil e dos mais variados movimentos populares e Organizações Não-Governamentais.
Acreditamos que qualquer análise crítica da realidade contemporânea exige algum conhecimento sobre os temas citados, pois ao tratar de questões relacionadas à Ética, à Política ou à Cidadania, estamos necessariamente discutindo os caminhos que poderão contribuir com a construção de uma nova sociedade, uma sociedade livre da intolerância, do preconceito, do individualismo e de todas as formas de opressão (de classe, raça, gênero, etc...). Acreditamos que a tarefa do conhecimento é justamente contribuir para a resolução dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais que hoje impedem que vivamos num mundo marcado pela solidariedade e pela cooperação. Já dizia o poeta e revolucionário cubano José Martí: “Conhecer é resolver!”. Nesse sentido, nosso esforço neste breve artigo será o de levantar algumas idéias e polêmicas acerca da origem e desenvolvimento da política, bem como analisar o significado do conceito ética e a responsabilidade e participação dos indivíduos nas lutas por uma transformação social que consiga garantir o atendimento das necessidades materiais e culturais de todos os seres humanos.

Política, Estado e Conflitos Sociais

A política, enquanto manifestação dos conflitos sociais e dos interesses de classes sociais que lutam entre si dentro de uma determinada sociedade, nem sempre existiu, pois a mesma é resultado do surgimento das desigualdades econômicas e sociais. São as desigualdades econômicas e sociais que produzem a política e a luta entre ricos e pobres, entre explorados e exploradores, entre a elite e as massas populares, entre a classe dominante e a classe dominada. Também podemos explicar tal situação afirmando que a política surge quando um determinado grupo de pessoas decide transformar a propriedade da terra em propriedade particular, ou seja, em propriedade privada da terra. Com o surgimento da propriedade privada surgem os primeiros grandes conflitos sociais, que tem uma origem econômica. Quando um grupo de pessoas se apropria da terra e faz da mesma uma propriedade particular, surge uma divisão na sociedade entre proprietários da terra e não-proprietários, ou seja, entre senhores e escravos, pois os despossuídos, os que não tem propriedade serão obrigados a trabalhar para aqueles que concentram em suas mãos essa riqueza. Ao tratar desta questão, Jean-Jacques Rousseau, em seu texto Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, produzido no século XVIII, afirma que
"o primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: Isto me pertence!, e encontrou criaturas suficientemente simples para acreditar nesta idéia, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes , de guerras, de assassinatos, que de misérias e de horrores teria poupado o gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fôsso, tivesse gritado aos seus semelhantes: Deixem de escutar este impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertencem e de que a terra não é de ninguém!"(Rousseau, 1992:175).
Portanto, não podemos entender a política sem compreender que sua origem e seu desenvolvimento estão diretamente relacionados à luta entre setores da sociedade que ocupam um papel diferenciado dentro do processo de produção Falar em política significa falar da luta política entre as classes sociais e entre os instrumentos representativos criados por estas classes para defender seus interesses particulares. Consideramos importante este esclarecimento, pois tem sido comum, principalmente em períodos eleitorais, tratar a política como uma manifestação do desejo dos indivíduos de contribuir para a realização do bem comum, como uma forma de realização dos interesses de toda a sociedade, como uma forma dos indivíduos participarem de maneira decisiva do processo de mudanças sociais. Essa concepção de política, tão presente na propaganda difundida pela indústria cultural contemporânea, alimenta uma série de ilusões e faz parte de uma campanha permanente das classes dominantes para impedir a auto-organização dos setores mais explorados da sociedade, pois vendem a idéia de que o momento privilegiado para que o povo interfira nos rumos do país é o processo eleitoral. Não pretendemos estimular o boicote ao processo eleitoral, nem mesmo concordamos com idéias que defendem que o processo eleitoral não tem nenhuma importância numa luta pela transformação social. Mas acreditamos que, apesar da importância que pode ter uma eleição, ela jamais será o fator determinante para alterar a correlação de forças nas lutas econômicas, políticas e sociais. A política, tal como tem sido apresentada, alimenta a perversa ilusão de que somos todos iguais, temos os mesmos direitos e somos livres para determinar o nosso destino. Resumindo, a política, no mundo contemporâneo, tem sido apresentada como garantia e meio para conseguirmos construir um mundo de paz, harmonia e desenvolvimento para todos. Analisando a realidade tal como ela se manifesta, podemos afirmar que a política é sinônimo de conflito, de confronto, de disputa, de luta entre contrários, entre desiguais, de luta entre as classes sociais. Afirmar isto não é nenhuma novidade, mas reconhecer isto é uma necessidade para aqueles que querem fazer da luta política um instrumento subordinado à luta pela transformação social, uma ferramenta que pode contribuir para a construção de uma nova forma de organização da produção material e cultural.
Sendo assim, fica claro que toda ação política tem um conteúdo e uma finalidade, um objetivo, e que pode trazer melhorias ou prejuízos para a vida de determinados setores da sociedade.
Ainda sobre a origem da política, vale a pena lembrar que a propriedade privada da terra surge no período do escravismo, na Antiguidade, e junto com ela nasce uma estrutura jurídica que tem como objetivo criar leis para defender os interesses dos proprietários de terra, ou seja, do setor ou classe que tem o poder econômico concentrado em suas mãos. Essa estrutura recebe o nome de Estado, e se desenvolve na história humana junto com a propriedade privada e com as inúmeras formas de escravidão. Se desconsiderarmos este processo, teremos muita dificuldade em explicar as contradições presentes no dia-a-dia dos conflitos sociais do Brasil e do mundo contemporâneos. O Estado sempre foi “a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns” (Marx/Engels,1977:98), ou seja, um instrumento de dominação dos proprietários dos meios de produção.
Se é correto afirmar que a política é a forma como se expressa a desigualdade econômica e social criada pela separação da sociedade em proprietários e não-proprietários, senhores e escravos, ricos e pobres, separação que tem origem no surgimento da propriedade privada, podemos chegar à conclusão de que por trás de toda luta política existem interesses contraditórios, antagônicos, ou seja, interesses que defendem os mais ricos ou os mais pobres. Portanto, quando debatemos questões políticas precisamos ter clareza de quais interesses estamos defendendo.

É possível não participar das lutas políticas contemporâneas?

É muito comum ouvirmos várias pessoas dizendo “eu não gosto de política”, “eu não me meto em política”, “essa greve é política”, “esse movimento é político”, e quando entramos num debate sobre algum assunto polêmico, também aparecem aqueles que se apresentam com “neutros”, utilizando uma série de argumentos para afirmar que “nesta questão eu não apóio nenhum dos lados”. Estas afirmações, tão comuns nos corredores e nas salas das universidades, assim como nas ruas, expressam na verdade o nível de consciência e de conhecimento das pessoas. Que aqueles trabalhadores e membros dos setores mais pobres da população reproduzam nas ruas estas idéias é até compreensível, pois sua situação econômica faz com que os mesmos não tenham acesso ao conhecimento crítico, mas quando vemos este tipo de manifestação se multiplicar no meio daqueles que tem as condições objetivas para se ter acesso a esse tipo de conhecimento, não há outra reação a não ser a indignação.
Se a sociedade é dividida em classes, e cada classe tem interesses próprios, cada indivíduo pertence a uma das classes em luta e, portanto, consciente ou não disso, participa da luta entre as classes. Sendo assim, todo indivíduo participa da vida política nacional, e todo indivíduo também contribui com a transformação das relações econômicas e sociais predominantes no mundo atual ou com a manutenção da atual situação de miséria, violência e injustiças que fazem parte do nosso cotidiano. Essa participação ocorre independente da vontade do indivíduo. É impossível não interferir nos conflitos sociais e nas lutas econômicas e políticas que acontecem todos os dias. Esta participação ou interferência ocorre de maneira consciente e organizada ou de maneira passiva, sendo que esta última faz com que o indivíduo seja manipulado por forças políticas, sociais e culturais que não representam os interesses de sua classe.
É preciso entender que nem sempre um indivíduo defende os interesses da classe que pertence, pois uma coisa é a situação de classe, a posição que o indivíduo ocupa no processo de produção, a situação objetiva do mesmo na economia e na sociedade, outra coisa é a posição de classe, que é a iniciativa tomada pelo indivíduo com o objetivo de defender interesses de outra classe, e não os de sua classe originária. Por exemplo, é possível encontrar trabalhadores e pessoas dos setores mais pobres da população que defendem idéias e opiniões que estão mais ligadas aos interesses da classe dominante do que aos interesses de sua própria classe. Isso é muito comum durante os processos eleitorais, onde muitos pobres do campo e da cidade votam em candidatos que defendem somente os interesses dos mais ricos. Também é possível acontecer o contrário, onde pessoas que tem origem na classe dominante começam a defender os interesses dos mais pobres, por acreditarem que a atual forma de organização econômica e social é injusta e, portanto, precisa ser substituída por uma nova sociedade, com novas relações sociais e de produção. Esse fato acontece com menor intensidade, pois sabemos que “as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual” (Marx/Engels, 1977:72).
Para saber se a afirmação acima tem algum vínculo com a realidade contemporânea, basta analisarmos os meios de comunicação de massa e a indústria cultural existente, que são instrumentos de difusão das idéias e do modo de vida da classe dominante. E uma das formas mais eficientes de difusão dos valores e da ética burguesa-capitalista é a propaganda e o marketing, pois são instrumentos que os donos do poder econômico tem para estimular as pessoas a consumirem cada vez mais produtos num tempo cada vez menor.
Essa lógica perversa do capital - entendido aqui como uma relação social que separa radicalmente os trabalhadores dos meios de produção (Marx, 1985:262) – criou uma sociedade onde todos são estimulados a consumir, mas só uma minoria da população tem condições de satisfazer suas necessidades.
Num mundo marcado pela desigualdade e pela injustiça, é impossível a indiferença, é impossível ficar sem se posicionar diante dos grandes dilemas que afetam a humanidade neste início do século XXI. Os indiferentes e os que se auto-intitulam “neutros” estão, em verdade, se posicionado a favor dos que tem o poder econômico e político. Ficar calado, se resignar, não participar das lutas econômicas, sociais e políticas que visam construir uma sociedade mais justa, fraterna, democrática e verdadeiramente humana significa contribuir para a manutenção da ordem vigente, significa ser cúmplice e também agente das forças que representam os interesses do capital e da classe dominante.
O poeta e escritor comunista alemão Bertold Brecht escreveu um pequeno texto sobre a postura “apolítica” de alguns cidadãos, denominados por ele de analfabetos políticos. Diz o texto (O analfabeto político) que
"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior dos bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

A Ética nas lutas políticas do mundo contemporâneo

Quando nos referimos à palavra ética estamos nos referindo a um conjunto de valores que se manifestam na prática cotidiana dos indivíduos. A ética diz respeito ao comportamento do indivíduo na sociedade, à posição assumida pelo indivíduo nas suas relações com a natureza e com os outros seres humanos.
A ética praticada pelos indivíduos numa sociedade dividida em classes sofre a influência da moral, e a moral é um produto do desenvolvimento histórico-social. Não podemos falar de um conjunto de regras e orientações universalmente válidas para todos os períodos e sociedades existentes. Numa sociedade de classes, a moral acaba sendo uma forma de difusão do comportamento, das regras e dos valores que satisfazem o objetivo de uma parte da sociedade. A moral dominante na atualidade está a serviço dos interesses do capital e seus representantes (empresários, banqueiros, etc...).
Sendo assim, não podemos discutir ética, política e moral desconsiderando os antagonismos existentes no capitalismo deste início de século. As regras de conduta e o comportamento dos indivíduos são produto da relação dos mesmos com o mundo em que vivem, e as relações sociais e de produção dominantes, bem como o nível de consciência, a situação de classe e a posição de classe são fatores que determinam a ética e a moral de uma pessoa e/ou coletivo.
Quando nos referimos à política exercida pelos Estados Nacionais, percebemos que a ética, a moral, os valores ou o chamado “bom senso” estão subordinados à classe ou setor da classe dominante que tem o controle deste aparato jurídico-político-repressivo. Um exemplo disto é quando um Estado leva seus cidadãos para a guerra. "Em tempo de paz, diz a moral e o “bom senso” que o indivíduo está proibido de matar seu semelhante, e que deve obedecer o antigo lema: “não matarás”. Mas em tempos de guerra criam-se outros mandamentos, e o assassinato de outros indivíduos é não só justificado, como se transforma em condição necessária para a realização dos objetivos dos Estados e das classes envolvidas no conflito" (Trotski, 1969:14).
Outra questão importante para nossa reflexão é sobre o tema da “ética na política”.
Se a política é a expressão dos conflitos sociais, e se as lutas sociais se transformam em lutas políticas entre as classes, não é possível existir uma única ética ou moral, pois as classes, durante sua formação e desenvolvimento, criam suas próprias regras, seus próprios valores, que servem para garantir a realização de seus objetivos.
Portanto, acreditar na possibilidade de que todos os políticos reproduzam em suas ações cotidianas os mesmos valores e tenham o mesmo comportamento é alimentar uma ilusão, é não compreender que a sociedade atual tem como base a desigualdade econômica e social e, sendo assim, os interesses dos indivíduos que participam mais ativamente da vida política são distintos. Isso não significa que devamos aceitar que cada político faça o que bem entende de sua campanha ou de seu mandato, pois não podemos aceitar passivamente a mentira, a corrupção ou o ataque permanente aos direitos dos trabalhadores e aos direitos humanos, prática comum da maioria daqueles que ocupam hoje algum cargo no poderes legislativo ou executivo.
É preciso pressionar os chamados “representantes da sociedade civil” para que não façam de seus mandatos instrumentos de defesa dos interesses da classe dominante. Mas se fazemos isto já estamos nos posicionando e dizendo claramente qual é o nosso lado, qual é a ética e a moral que seguimos, pois quando afirmamos que devemos fazer das ações políticas um instrumento de defesa da classe trabalhadora e dos setores mais explorados da sociedade, estamos criando um conjunto de orientações que defendem os interesses de uma parte da sociedade, vale a pena destacar, da maioria da sociedade.
A ética e a moral assumem o caráter classista, e reproduzem idéias e valores que ajudam na manutenção do modo de produção capitalista ou na construção de uma nova sociedade, não-capitalista. Um sistema que tem como base de sustentação a propriedade privada dos meios de produção, o capital, a desigualdade econômica e social e o trabalho assalariado só pode produzir uma ética e moral dominantes com a finalidade de atender os interesses da acumulação privada e ampliada do capital, ou seja, a acumulação de riquezas nas mãos de uma minoria de proprietários dos meios de produção. Um sistema que tem na sua natureza a desigualdade, a competição, a concorrência jamais poderá estimular o desenvolvimento de valores como a solidariedade, a honestidade e a cooperação.
Apesar desta constatação, não podemos anular o papel dos indivíduos na história, e sabemos que é plenamente possível uma ética e uma moral que se contraponham aos valores dominantes, mas não serão uma ética e uma moral dominantes, pois enquanto a base material da sociedade permanecer inalterada, será impossível viver no reino da solidariedade, da igualdade e da justiça. O que queremos afirmar é que existem muitos indivíduos que, por desenvolverem uma ética e uma moral de natureza anticapitalista, conseguem não se subordinar por completo às exigências da ordem do capital.
Não é possível conciliar a solidariedade com a defesa dos interesses do capital. Quem é cúmplice ou representante da atual ordem econômica e social está impossibilitado de se libertar totalmente do individualismo, da ganância e do espírito destrutivo da concorrência capitalista.
A guerra enquanto a continuação da política
Se queremos de fato entender o que é a política, basta estudarmos a história das guerras, que são decisões políticas que levam à morte milhões de seres humanos. O século XX foi o século do imperialismo, o século das guerras imperialistas. Entre 1914 e 1991 foram contabilizadas 187 milhões de mortes como resultado das guerras do século XX. Como afirma Emir Sader, somente na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) “morreram 8 milhões de soldados – o dobro do número de mortos em guerras nos 125 anos anteriores-, 9 milhões de civis e, logo depois da guerra, 6 milhões de pessoas morreram pela epidemia da gripe espanhola. Além disso, 20 milhões de pessoas ficaram inválidas, num quadro de vítimas em que, pela primeira vez em uma guerra, houve mais mortos civis do que militares” (Sader; 2000, p. 119 e 120).
A guerra sempre fez parte da política expansionista dos países imperialistas, pois o controle dos recursos naturais e de um determinado território sempre teve um papel estratégico na luta de classes e na luta entre as nações opressoras e as nações oprimidas.
Desde o final do século XIX, o processo de desenvolvimento e expansão mundial do capital e do capitalismo fez com que a guerra se transformasse numa das principais formas de acumulação de capital para a classe dominante das potências capitalistas centrais, principalmente para a classe dominante da potência hegemônica do momento.
Além disso, as potências capitalistas da época precisavam de novos mercados consumidores para seus produtos industrializados. A África, a Ásia e a América Latina serão territórios disputados através de guerras de conquista, guerras civis ou golpes militares com a participação direta ou indireta do capital e dos exércitos imperialistas. Para realizar seus objetivos, os países centrais desenvolveram uma política externa baseada na pilhagem e no militarismo.
No século V A.C. (antes de Cristo), o filósofo e estrategista chinês Sun Tzu já alertava que “A arte da guerra é de importância vital para o Estado” (Sun Tzu, 1987:123). Para ele política e guerra são inseparáveis, por isso, tanto na ação política cotidiana como no campo de batalha numa guerra, “se conhecemos o inimigo e a nós mesmos, não precisamos temer o resultado de uma centena de combates. Se nos conhecemos, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos nem ao inimigo, sucumbiremos em todas as batalhas” (Sun Tzu, 1987: 128).
Também N. Maquiavel entendia que compreender as lutas políticas existentes é uma condição fundamental para qualquer vitória no campo militar, assim como o conhecimento sobre a Arte da Guerra é indispensável para qualquer vitória no campo político. Maquiavel percebe que - tanto na política quanto na guerra - quem possuir um conhecimento mais profundo sobre todos os fatores que estão presentes num conflito terá mais possibilidade de sair vitorioso, e afirma para políticos e militares que “Convém nos aconselharmos com muitos a respeito das coisas que devemos fazer; depois, devemos confiar a poucos aquilo que queremos fazer” (Maquiavel, 2002:128). A política já aparece, tanto na Antiguidade quanto no Renascimento, como manifestação de conflitos, insurreições, guerras e revoluções, como ação consciente e organizada de indivíduos, grupos e classes que disputam o poder econômico e político em uma determinada sociedade. Maquiavel não alimenta ilusões quanto aos conflitos e interesses inconciliáveis que são explicitados através da ação política, pois percebe “que o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo” (Maquiavel, 1983:39). O conflito entre “os grandes” e “o povo” nada mais é do que o conflito entre a classe dominante e a classe dominada.
Mas foi o general prussiano Clausewitz que elaborou uma frase que, para muitos, é a síntese perfeita das relações entre a política e a guerra. Para este,
"A guerra é, pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à sua vontade (...) a guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios" (Clausewitz, 1996:7 e 27).
Seguindo a mesma linha de raciocínio de Clausewitz, Mao Tsé Tung afirmava que
"A guerra é a continuação da política. Nesse sentido a guerra é política e é, em si mesma, um ato político; desde os tempos mais antigos, nunca houve uma guerra que não tivesse caráter político (...) O objetivo da guerra não é outro senão “conservar as próprias forças e destruir o inimigo” (...) destruir o inimigo significa desarmá-lo ou “privá-lo da capacidade de resistir”, e não, destruir fisicamente todas as suas forças (...) A conservação das forças próprias e a destruição do inimigo, como objetivo da guerra, constituem a própria essência da guerra e o fundamento de todo e qualquer ato de guerra. Essa essência da guerra está presente em todas as atividades, desde o domínio da técnica ao domínio da estratégia" (Tsé Tung, 1975:241;247-249).
“Destruir o inimigo”, “desarmá-lo” ou “privá-lo da capacidade de resistir” são recomendações que adquirem um caráter universal, seja quando utilizadas numa luta política ou numa ação militar. Portanto, quando questionamos a expressão ética na política não queremos afirmar que um governo, grupo ou indivíduo não possa ter uma posição digna, integra, solidária e verdadeiramente humana durante um determinado conflito social. Só pretendemos chamar a atenção para que possamos compreender que toda ação humana sofre influências das condições materiais de vida e das contradições inerentes ao processo de existência dos indivíduos historicamente determinados.
É plenamente possível saber o que é certo e o que é errado numa perspectiva transformadora, humanista e, portanto, anticapitalista. Também é possível praticar a solidariedade e a cooperação, mesmo vivendo numa sociedade que tem como base o individualismo e a guerra de todos contra todos (competição/concorrência). Mas para tomarmos uma posição consciente nas lutas políticas da atualidade, uma posição que defenda os interesses da maioria da sociedade, temos que nos livrar de algumas ilusões que visam apresentar a política e o Estado como instrumentos da realização do bem estar comum, como uma forma de beneficiar todos os membros da sociedade.
Na política e na vida cotidiana cada um pode escolher o caminho que quer seguir. O caminho mais fácil é o do conformismo, do imobilismo, do individualismo e da resignação diante dos problemas que nos cercam. É uma tendência comum na atualidade. Mas consideramos que o caminho mais correto é o da solidariedade, da mobilização e da organização de todas as forças sociais que de alguma maneira se contrapõem aos interesses da classe dominante, fazendo do conhecimento e da política instrumentos da luta pela transformação social, pois assim nossa ética e nossa moral estarão a serviço da satisfação das necessidades humanas de todos aqueles homens e mulheres que são cotidianamente impedidos pelo capital e seus representantes de viver com dignidade.

Bibliografia
CLAUSEWITZ, Carl Von. (1996). Da guerra. São Paulo, Martins Fontes.
MAQUIAVEL, N. (1983). “O Príncipe”. In: Maquiavel, coleção “Os Pensadores”. São Paulo, abril Cultural.
_______________ (2002). A arte da guerra. São Paulo, Martin Claret.
MARX, K. (1985). O Capital, Livro I, Volume II, Coleção “Os Economistas”. São Paulo, Abril Cultural.
MARX, K. e ENGELS, F. (1977). A ideologia alemã. São Paulo, Grijalbo.
ROUSSEAU, J.J. (1992). Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. In: O contrato social e outros escritos. São Paulo, Cutrix.
SADER, Emir. (2000). Século XX: uma biografia não-autorizada. O século do imperialismo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.
TROTSKI, L. (1969). Moral e revolução. Rio de Janeiro, Paz & Terra.
TSÉ TUNG, Mao. (1975). “Sobre a guerra prolongada”. In: Obras escolhidas, Tomo II. Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras.
TZU, Sun. (1987). A arte da guerra. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército.
*Marcelo Buzetto - professor do Centro Universitário Fundação Santo André e da Universidade Metodista de São Paulo-SBC. Membro do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais - NEILS/PUC-SP e Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos-NELAM/CUFSA. Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP.