terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Reflexões Críticas Sobre Política, Ética e Conflitos Sociais


Reflexões Críticas Sobre Política e Ética

Marcelo Buzetto*

Introdução

Durante o final do século XX e neste início de século XXI o tema da “Ética na Política” ou a discussão sobre a “Cidadania” tem predominado nos debates realizados por muitos intelectuais, políticos profissionais, dirigentes de sindicatos e partidos, membros do movimento estudantil e dos mais variados movimentos populares e Organizações Não-Governamentais.
Acreditamos que qualquer análise crítica da realidade contemporânea exige algum conhecimento sobre os temas citados, pois ao tratar de questões relacionadas à Ética, à Política ou à Cidadania, estamos necessariamente discutindo os caminhos que poderão contribuir com a construção de uma nova sociedade, uma sociedade livre da intolerância, do preconceito, do individualismo e de todas as formas de opressão (de classe, raça, gênero, etc...). Acreditamos que a tarefa do conhecimento é justamente contribuir para a resolução dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais que hoje impedem que vivamos num mundo marcado pela solidariedade e pela cooperação. Já dizia o poeta e revolucionário cubano José Martí: “Conhecer é resolver!”. Nesse sentido, nosso esforço neste breve artigo será o de levantar algumas idéias e polêmicas acerca da origem e desenvolvimento da política, bem como analisar o significado do conceito ética e a responsabilidade e participação dos indivíduos nas lutas por uma transformação social que consiga garantir o atendimento das necessidades materiais e culturais de todos os seres humanos.

Política, Estado e Conflitos Sociais

A política, enquanto manifestação dos conflitos sociais e dos interesses de classes sociais que lutam entre si dentro de uma determinada sociedade, nem sempre existiu, pois a mesma é resultado do surgimento das desigualdades econômicas e sociais. São as desigualdades econômicas e sociais que produzem a política e a luta entre ricos e pobres, entre explorados e exploradores, entre a elite e as massas populares, entre a classe dominante e a classe dominada. Também podemos explicar tal situação afirmando que a política surge quando um determinado grupo de pessoas decide transformar a propriedade da terra em propriedade particular, ou seja, em propriedade privada da terra. Com o surgimento da propriedade privada surgem os primeiros grandes conflitos sociais, que tem uma origem econômica. Quando um grupo de pessoas se apropria da terra e faz da mesma uma propriedade particular, surge uma divisão na sociedade entre proprietários da terra e não-proprietários, ou seja, entre senhores e escravos, pois os despossuídos, os que não tem propriedade serão obrigados a trabalhar para aqueles que concentram em suas mãos essa riqueza. Ao tratar desta questão, Jean-Jacques Rousseau, em seu texto Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, produzido no século XVIII, afirma que
"o primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: Isto me pertence!, e encontrou criaturas suficientemente simples para acreditar nesta idéia, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes , de guerras, de assassinatos, que de misérias e de horrores teria poupado o gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fôsso, tivesse gritado aos seus semelhantes: Deixem de escutar este impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertencem e de que a terra não é de ninguém!"(Rousseau, 1992:175).
Portanto, não podemos entender a política sem compreender que sua origem e seu desenvolvimento estão diretamente relacionados à luta entre setores da sociedade que ocupam um papel diferenciado dentro do processo de produção Falar em política significa falar da luta política entre as classes sociais e entre os instrumentos representativos criados por estas classes para defender seus interesses particulares. Consideramos importante este esclarecimento, pois tem sido comum, principalmente em períodos eleitorais, tratar a política como uma manifestação do desejo dos indivíduos de contribuir para a realização do bem comum, como uma forma de realização dos interesses de toda a sociedade, como uma forma dos indivíduos participarem de maneira decisiva do processo de mudanças sociais. Essa concepção de política, tão presente na propaganda difundida pela indústria cultural contemporânea, alimenta uma série de ilusões e faz parte de uma campanha permanente das classes dominantes para impedir a auto-organização dos setores mais explorados da sociedade, pois vendem a idéia de que o momento privilegiado para que o povo interfira nos rumos do país é o processo eleitoral. Não pretendemos estimular o boicote ao processo eleitoral, nem mesmo concordamos com idéias que defendem que o processo eleitoral não tem nenhuma importância numa luta pela transformação social. Mas acreditamos que, apesar da importância que pode ter uma eleição, ela jamais será o fator determinante para alterar a correlação de forças nas lutas econômicas, políticas e sociais. A política, tal como tem sido apresentada, alimenta a perversa ilusão de que somos todos iguais, temos os mesmos direitos e somos livres para determinar o nosso destino. Resumindo, a política, no mundo contemporâneo, tem sido apresentada como garantia e meio para conseguirmos construir um mundo de paz, harmonia e desenvolvimento para todos. Analisando a realidade tal como ela se manifesta, podemos afirmar que a política é sinônimo de conflito, de confronto, de disputa, de luta entre contrários, entre desiguais, de luta entre as classes sociais. Afirmar isto não é nenhuma novidade, mas reconhecer isto é uma necessidade para aqueles que querem fazer da luta política um instrumento subordinado à luta pela transformação social, uma ferramenta que pode contribuir para a construção de uma nova forma de organização da produção material e cultural.
Sendo assim, fica claro que toda ação política tem um conteúdo e uma finalidade, um objetivo, e que pode trazer melhorias ou prejuízos para a vida de determinados setores da sociedade.
Ainda sobre a origem da política, vale a pena lembrar que a propriedade privada da terra surge no período do escravismo, na Antiguidade, e junto com ela nasce uma estrutura jurídica que tem como objetivo criar leis para defender os interesses dos proprietários de terra, ou seja, do setor ou classe que tem o poder econômico concentrado em suas mãos. Essa estrutura recebe o nome de Estado, e se desenvolve na história humana junto com a propriedade privada e com as inúmeras formas de escravidão. Se desconsiderarmos este processo, teremos muita dificuldade em explicar as contradições presentes no dia-a-dia dos conflitos sociais do Brasil e do mundo contemporâneos. O Estado sempre foi “a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns” (Marx/Engels,1977:98), ou seja, um instrumento de dominação dos proprietários dos meios de produção.
Se é correto afirmar que a política é a forma como se expressa a desigualdade econômica e social criada pela separação da sociedade em proprietários e não-proprietários, senhores e escravos, ricos e pobres, separação que tem origem no surgimento da propriedade privada, podemos chegar à conclusão de que por trás de toda luta política existem interesses contraditórios, antagônicos, ou seja, interesses que defendem os mais ricos ou os mais pobres. Portanto, quando debatemos questões políticas precisamos ter clareza de quais interesses estamos defendendo.

É possível não participar das lutas políticas contemporâneas?

É muito comum ouvirmos várias pessoas dizendo “eu não gosto de política”, “eu não me meto em política”, “essa greve é política”, “esse movimento é político”, e quando entramos num debate sobre algum assunto polêmico, também aparecem aqueles que se apresentam com “neutros”, utilizando uma série de argumentos para afirmar que “nesta questão eu não apóio nenhum dos lados”. Estas afirmações, tão comuns nos corredores e nas salas das universidades, assim como nas ruas, expressam na verdade o nível de consciência e de conhecimento das pessoas. Que aqueles trabalhadores e membros dos setores mais pobres da população reproduzam nas ruas estas idéias é até compreensível, pois sua situação econômica faz com que os mesmos não tenham acesso ao conhecimento crítico, mas quando vemos este tipo de manifestação se multiplicar no meio daqueles que tem as condições objetivas para se ter acesso a esse tipo de conhecimento, não há outra reação a não ser a indignação.
Se a sociedade é dividida em classes, e cada classe tem interesses próprios, cada indivíduo pertence a uma das classes em luta e, portanto, consciente ou não disso, participa da luta entre as classes. Sendo assim, todo indivíduo participa da vida política nacional, e todo indivíduo também contribui com a transformação das relações econômicas e sociais predominantes no mundo atual ou com a manutenção da atual situação de miséria, violência e injustiças que fazem parte do nosso cotidiano. Essa participação ocorre independente da vontade do indivíduo. É impossível não interferir nos conflitos sociais e nas lutas econômicas e políticas que acontecem todos os dias. Esta participação ou interferência ocorre de maneira consciente e organizada ou de maneira passiva, sendo que esta última faz com que o indivíduo seja manipulado por forças políticas, sociais e culturais que não representam os interesses de sua classe.
É preciso entender que nem sempre um indivíduo defende os interesses da classe que pertence, pois uma coisa é a situação de classe, a posição que o indivíduo ocupa no processo de produção, a situação objetiva do mesmo na economia e na sociedade, outra coisa é a posição de classe, que é a iniciativa tomada pelo indivíduo com o objetivo de defender interesses de outra classe, e não os de sua classe originária. Por exemplo, é possível encontrar trabalhadores e pessoas dos setores mais pobres da população que defendem idéias e opiniões que estão mais ligadas aos interesses da classe dominante do que aos interesses de sua própria classe. Isso é muito comum durante os processos eleitorais, onde muitos pobres do campo e da cidade votam em candidatos que defendem somente os interesses dos mais ricos. Também é possível acontecer o contrário, onde pessoas que tem origem na classe dominante começam a defender os interesses dos mais pobres, por acreditarem que a atual forma de organização econômica e social é injusta e, portanto, precisa ser substituída por uma nova sociedade, com novas relações sociais e de produção. Esse fato acontece com menor intensidade, pois sabemos que “as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual” (Marx/Engels, 1977:72).
Para saber se a afirmação acima tem algum vínculo com a realidade contemporânea, basta analisarmos os meios de comunicação de massa e a indústria cultural existente, que são instrumentos de difusão das idéias e do modo de vida da classe dominante. E uma das formas mais eficientes de difusão dos valores e da ética burguesa-capitalista é a propaganda e o marketing, pois são instrumentos que os donos do poder econômico tem para estimular as pessoas a consumirem cada vez mais produtos num tempo cada vez menor.
Essa lógica perversa do capital - entendido aqui como uma relação social que separa radicalmente os trabalhadores dos meios de produção (Marx, 1985:262) – criou uma sociedade onde todos são estimulados a consumir, mas só uma minoria da população tem condições de satisfazer suas necessidades.
Num mundo marcado pela desigualdade e pela injustiça, é impossível a indiferença, é impossível ficar sem se posicionar diante dos grandes dilemas que afetam a humanidade neste início do século XXI. Os indiferentes e os que se auto-intitulam “neutros” estão, em verdade, se posicionado a favor dos que tem o poder econômico e político. Ficar calado, se resignar, não participar das lutas econômicas, sociais e políticas que visam construir uma sociedade mais justa, fraterna, democrática e verdadeiramente humana significa contribuir para a manutenção da ordem vigente, significa ser cúmplice e também agente das forças que representam os interesses do capital e da classe dominante.
O poeta e escritor comunista alemão Bertold Brecht escreveu um pequeno texto sobre a postura “apolítica” de alguns cidadãos, denominados por ele de analfabetos políticos. Diz o texto (O analfabeto político) que
"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior dos bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

A Ética nas lutas políticas do mundo contemporâneo

Quando nos referimos à palavra ética estamos nos referindo a um conjunto de valores que se manifestam na prática cotidiana dos indivíduos. A ética diz respeito ao comportamento do indivíduo na sociedade, à posição assumida pelo indivíduo nas suas relações com a natureza e com os outros seres humanos.
A ética praticada pelos indivíduos numa sociedade dividida em classes sofre a influência da moral, e a moral é um produto do desenvolvimento histórico-social. Não podemos falar de um conjunto de regras e orientações universalmente válidas para todos os períodos e sociedades existentes. Numa sociedade de classes, a moral acaba sendo uma forma de difusão do comportamento, das regras e dos valores que satisfazem o objetivo de uma parte da sociedade. A moral dominante na atualidade está a serviço dos interesses do capital e seus representantes (empresários, banqueiros, etc...).
Sendo assim, não podemos discutir ética, política e moral desconsiderando os antagonismos existentes no capitalismo deste início de século. As regras de conduta e o comportamento dos indivíduos são produto da relação dos mesmos com o mundo em que vivem, e as relações sociais e de produção dominantes, bem como o nível de consciência, a situação de classe e a posição de classe são fatores que determinam a ética e a moral de uma pessoa e/ou coletivo.
Quando nos referimos à política exercida pelos Estados Nacionais, percebemos que a ética, a moral, os valores ou o chamado “bom senso” estão subordinados à classe ou setor da classe dominante que tem o controle deste aparato jurídico-político-repressivo. Um exemplo disto é quando um Estado leva seus cidadãos para a guerra. "Em tempo de paz, diz a moral e o “bom senso” que o indivíduo está proibido de matar seu semelhante, e que deve obedecer o antigo lema: “não matarás”. Mas em tempos de guerra criam-se outros mandamentos, e o assassinato de outros indivíduos é não só justificado, como se transforma em condição necessária para a realização dos objetivos dos Estados e das classes envolvidas no conflito" (Trotski, 1969:14).
Outra questão importante para nossa reflexão é sobre o tema da “ética na política”.
Se a política é a expressão dos conflitos sociais, e se as lutas sociais se transformam em lutas políticas entre as classes, não é possível existir uma única ética ou moral, pois as classes, durante sua formação e desenvolvimento, criam suas próprias regras, seus próprios valores, que servem para garantir a realização de seus objetivos.
Portanto, acreditar na possibilidade de que todos os políticos reproduzam em suas ações cotidianas os mesmos valores e tenham o mesmo comportamento é alimentar uma ilusão, é não compreender que a sociedade atual tem como base a desigualdade econômica e social e, sendo assim, os interesses dos indivíduos que participam mais ativamente da vida política são distintos. Isso não significa que devamos aceitar que cada político faça o que bem entende de sua campanha ou de seu mandato, pois não podemos aceitar passivamente a mentira, a corrupção ou o ataque permanente aos direitos dos trabalhadores e aos direitos humanos, prática comum da maioria daqueles que ocupam hoje algum cargo no poderes legislativo ou executivo.
É preciso pressionar os chamados “representantes da sociedade civil” para que não façam de seus mandatos instrumentos de defesa dos interesses da classe dominante. Mas se fazemos isto já estamos nos posicionando e dizendo claramente qual é o nosso lado, qual é a ética e a moral que seguimos, pois quando afirmamos que devemos fazer das ações políticas um instrumento de defesa da classe trabalhadora e dos setores mais explorados da sociedade, estamos criando um conjunto de orientações que defendem os interesses de uma parte da sociedade, vale a pena destacar, da maioria da sociedade.
A ética e a moral assumem o caráter classista, e reproduzem idéias e valores que ajudam na manutenção do modo de produção capitalista ou na construção de uma nova sociedade, não-capitalista. Um sistema que tem como base de sustentação a propriedade privada dos meios de produção, o capital, a desigualdade econômica e social e o trabalho assalariado só pode produzir uma ética e moral dominantes com a finalidade de atender os interesses da acumulação privada e ampliada do capital, ou seja, a acumulação de riquezas nas mãos de uma minoria de proprietários dos meios de produção. Um sistema que tem na sua natureza a desigualdade, a competição, a concorrência jamais poderá estimular o desenvolvimento de valores como a solidariedade, a honestidade e a cooperação.
Apesar desta constatação, não podemos anular o papel dos indivíduos na história, e sabemos que é plenamente possível uma ética e uma moral que se contraponham aos valores dominantes, mas não serão uma ética e uma moral dominantes, pois enquanto a base material da sociedade permanecer inalterada, será impossível viver no reino da solidariedade, da igualdade e da justiça. O que queremos afirmar é que existem muitos indivíduos que, por desenvolverem uma ética e uma moral de natureza anticapitalista, conseguem não se subordinar por completo às exigências da ordem do capital.
Não é possível conciliar a solidariedade com a defesa dos interesses do capital. Quem é cúmplice ou representante da atual ordem econômica e social está impossibilitado de se libertar totalmente do individualismo, da ganância e do espírito destrutivo da concorrência capitalista.
A guerra enquanto a continuação da política
Se queremos de fato entender o que é a política, basta estudarmos a história das guerras, que são decisões políticas que levam à morte milhões de seres humanos. O século XX foi o século do imperialismo, o século das guerras imperialistas. Entre 1914 e 1991 foram contabilizadas 187 milhões de mortes como resultado das guerras do século XX. Como afirma Emir Sader, somente na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) “morreram 8 milhões de soldados – o dobro do número de mortos em guerras nos 125 anos anteriores-, 9 milhões de civis e, logo depois da guerra, 6 milhões de pessoas morreram pela epidemia da gripe espanhola. Além disso, 20 milhões de pessoas ficaram inválidas, num quadro de vítimas em que, pela primeira vez em uma guerra, houve mais mortos civis do que militares” (Sader; 2000, p. 119 e 120).
A guerra sempre fez parte da política expansionista dos países imperialistas, pois o controle dos recursos naturais e de um determinado território sempre teve um papel estratégico na luta de classes e na luta entre as nações opressoras e as nações oprimidas.
Desde o final do século XIX, o processo de desenvolvimento e expansão mundial do capital e do capitalismo fez com que a guerra se transformasse numa das principais formas de acumulação de capital para a classe dominante das potências capitalistas centrais, principalmente para a classe dominante da potência hegemônica do momento.
Além disso, as potências capitalistas da época precisavam de novos mercados consumidores para seus produtos industrializados. A África, a Ásia e a América Latina serão territórios disputados através de guerras de conquista, guerras civis ou golpes militares com a participação direta ou indireta do capital e dos exércitos imperialistas. Para realizar seus objetivos, os países centrais desenvolveram uma política externa baseada na pilhagem e no militarismo.
No século V A.C. (antes de Cristo), o filósofo e estrategista chinês Sun Tzu já alertava que “A arte da guerra é de importância vital para o Estado” (Sun Tzu, 1987:123). Para ele política e guerra são inseparáveis, por isso, tanto na ação política cotidiana como no campo de batalha numa guerra, “se conhecemos o inimigo e a nós mesmos, não precisamos temer o resultado de uma centena de combates. Se nos conhecemos, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos nem ao inimigo, sucumbiremos em todas as batalhas” (Sun Tzu, 1987: 128).
Também N. Maquiavel entendia que compreender as lutas políticas existentes é uma condição fundamental para qualquer vitória no campo militar, assim como o conhecimento sobre a Arte da Guerra é indispensável para qualquer vitória no campo político. Maquiavel percebe que - tanto na política quanto na guerra - quem possuir um conhecimento mais profundo sobre todos os fatores que estão presentes num conflito terá mais possibilidade de sair vitorioso, e afirma para políticos e militares que “Convém nos aconselharmos com muitos a respeito das coisas que devemos fazer; depois, devemos confiar a poucos aquilo que queremos fazer” (Maquiavel, 2002:128). A política já aparece, tanto na Antiguidade quanto no Renascimento, como manifestação de conflitos, insurreições, guerras e revoluções, como ação consciente e organizada de indivíduos, grupos e classes que disputam o poder econômico e político em uma determinada sociedade. Maquiavel não alimenta ilusões quanto aos conflitos e interesses inconciliáveis que são explicitados através da ação política, pois percebe “que o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo” (Maquiavel, 1983:39). O conflito entre “os grandes” e “o povo” nada mais é do que o conflito entre a classe dominante e a classe dominada.
Mas foi o general prussiano Clausewitz que elaborou uma frase que, para muitos, é a síntese perfeita das relações entre a política e a guerra. Para este,
"A guerra é, pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à sua vontade (...) a guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios" (Clausewitz, 1996:7 e 27).
Seguindo a mesma linha de raciocínio de Clausewitz, Mao Tsé Tung afirmava que
"A guerra é a continuação da política. Nesse sentido a guerra é política e é, em si mesma, um ato político; desde os tempos mais antigos, nunca houve uma guerra que não tivesse caráter político (...) O objetivo da guerra não é outro senão “conservar as próprias forças e destruir o inimigo” (...) destruir o inimigo significa desarmá-lo ou “privá-lo da capacidade de resistir”, e não, destruir fisicamente todas as suas forças (...) A conservação das forças próprias e a destruição do inimigo, como objetivo da guerra, constituem a própria essência da guerra e o fundamento de todo e qualquer ato de guerra. Essa essência da guerra está presente em todas as atividades, desde o domínio da técnica ao domínio da estratégia" (Tsé Tung, 1975:241;247-249).
“Destruir o inimigo”, “desarmá-lo” ou “privá-lo da capacidade de resistir” são recomendações que adquirem um caráter universal, seja quando utilizadas numa luta política ou numa ação militar. Portanto, quando questionamos a expressão ética na política não queremos afirmar que um governo, grupo ou indivíduo não possa ter uma posição digna, integra, solidária e verdadeiramente humana durante um determinado conflito social. Só pretendemos chamar a atenção para que possamos compreender que toda ação humana sofre influências das condições materiais de vida e das contradições inerentes ao processo de existência dos indivíduos historicamente determinados.
É plenamente possível saber o que é certo e o que é errado numa perspectiva transformadora, humanista e, portanto, anticapitalista. Também é possível praticar a solidariedade e a cooperação, mesmo vivendo numa sociedade que tem como base o individualismo e a guerra de todos contra todos (competição/concorrência). Mas para tomarmos uma posição consciente nas lutas políticas da atualidade, uma posição que defenda os interesses da maioria da sociedade, temos que nos livrar de algumas ilusões que visam apresentar a política e o Estado como instrumentos da realização do bem estar comum, como uma forma de beneficiar todos os membros da sociedade.
Na política e na vida cotidiana cada um pode escolher o caminho que quer seguir. O caminho mais fácil é o do conformismo, do imobilismo, do individualismo e da resignação diante dos problemas que nos cercam. É uma tendência comum na atualidade. Mas consideramos que o caminho mais correto é o da solidariedade, da mobilização e da organização de todas as forças sociais que de alguma maneira se contrapõem aos interesses da classe dominante, fazendo do conhecimento e da política instrumentos da luta pela transformação social, pois assim nossa ética e nossa moral estarão a serviço da satisfação das necessidades humanas de todos aqueles homens e mulheres que são cotidianamente impedidos pelo capital e seus representantes de viver com dignidade.

Bibliografia
CLAUSEWITZ, Carl Von. (1996). Da guerra. São Paulo, Martins Fontes.
MAQUIAVEL, N. (1983). “O Príncipe”. In: Maquiavel, coleção “Os Pensadores”. São Paulo, abril Cultural.
_______________ (2002). A arte da guerra. São Paulo, Martin Claret.
MARX, K. (1985). O Capital, Livro I, Volume II, Coleção “Os Economistas”. São Paulo, Abril Cultural.
MARX, K. e ENGELS, F. (1977). A ideologia alemã. São Paulo, Grijalbo.
ROUSSEAU, J.J. (1992). Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. In: O contrato social e outros escritos. São Paulo, Cutrix.
SADER, Emir. (2000). Século XX: uma biografia não-autorizada. O século do imperialismo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.
TROTSKI, L. (1969). Moral e revolução. Rio de Janeiro, Paz & Terra.
TSÉ TUNG, Mao. (1975). “Sobre a guerra prolongada”. In: Obras escolhidas, Tomo II. Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras.
TZU, Sun. (1987). A arte da guerra. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército.
*Marcelo Buzetto - professor do Centro Universitário Fundação Santo André e da Universidade Metodista de São Paulo-SBC. Membro do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais - NEILS/PUC-SP e Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos-NELAM/CUFSA. Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP.

Um comentário:

Maisa Pego disse...

Ótimo texto, reflexão que faz ampliar nosso olhar diante das nossas escolhas na sociedade.