domingo, 30 de dezembro de 2007

Brasil: produção em grande escala de agrocombustíveis estimulará a monocultura e reduzirá a produção de alimentos

Agrocombustíveis no contexto da crise do petróleo
Aquecimento global e disparada na cotação dos combustíveis fósseis compõem o pano-de-fundo da expansão da produção de grãos e cana pelo globo

Jorge Pereira Filho,
da Redação do Jornal Brasil de Fato.
Um desafio está colocado para a humanidade: repensar a base estrutural sobre o qual está assentado o modo de vida da maioria dos habitantes do planeta. É bem verdade que a crise do petróleo é notícia mais que anunciada, mas a situação tem se agravado nos últimos anos. O combustível fóssil foi a base da industrialização do século 20 e, hoje, está presente em nosso cotidiano, às vezes, de forma imperceptível. Quem sabe que há derivados de petróleo em um medicamento? Você passaria um dia sem plástico? Isso para não falar de fraldas descartáveis, borrachas, fertilizantes, produtos de limpeza, combustíveis para motores...Há tempos, o consumo de petróleo no planeta cresce a uma velocidade superior à da descoberta de novas jazidas. Em 1996, o mundo utilizava 71,5 milhões de barris anuais. Dez anos depois, o volume passou para 83,7 milhões – 16% a mais. Nesse mesmo período, as descobertas de novas jazidas comprovadas elevaram em 15% as reservas globais de petróleo, como mostra o relatório anual da transnacional britânica BP, estudo referência no segmento. A tendência é de que essas curvas sigam se distanciando. Em apenas 10 anos, o consumo de petróleo na China aumentou 100%: passou de 3,7 milhões de barris anuais para 7,4 milhões entre 1996 e 2006; já o da Índia subiu 50%. O acréscimo dessas duas emergentes potências industriais ainda se soma à constante evolução do consumo nos Estados Unidos – subiu 12% em uma década. O país responde por 24% do consumo global, embora tenha menos de 5% da população mundial. Uma das conseqüências dessa escalada é a alta no preço do barril de petróleo. Se custava 19 dólares em 1997, hoje seu valor se aproxima dos 100 dólares. E quanto maior o valor do petróleo, pior para os países subdesenvolvidos, com maior dificuldade de obterem dólares, e para a população pobre, que sofre diretamente o impacto da elevação de preços em cadeia, como dos alimentos.Impactos ambientaisOutro aspecto da explosão do consumo de petróleo no século passado é a ampliação do efeito estufa e o alardeado aquecimento global. Trata-se de um debate que já extrapolou a mesa dos estudos científicos. Embora ainda não seja consensual, a hipótese hegemônica é a de que o modelo industrial do século 20 e o padrão de consumo dos países ricos provocaram uma elevação nas temperaturas médias do planeta. Uma das organizações referência nessa questão é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC-ONU), composto por delegações de 130 países. Seus últimos estudos apontam 90% de probabilidade de que a ação humana elevou a temperatura média do planeta nos últimos 50 anos.O IPCC prevê, ainda, que a Terra ficará até 4ºC mais quente em 100 anos. Os impactos podem ser devastadores. Um terço das espécies animais morreriam; tufões e secas se ampliariam pelo planeta. Cerca de 1 bilhão de pessoas poderiam ficar sem água potável por conta do derretimento do gelo no topo de cordilheiras importantes, como o Himalaia e os Andes.Para o IPCC, uma das principais medidas a serem tomadas de forma a conter esse processo é a redução do consumo de fontes de energia de combustível fóssil: o petróleo e o gás natural. Algo que impacta diretamente, por exemplo, um dos principais ramos capitalistas, a indústria automotiva e a filosofia do transporte individual.AgrocombustíveisEm meio ao debate sobre as saídas para a questão, algumas medidas estão sendo anunciadas. Os governos dos Estados Unidos e da União Européia decidiram trocar parte dos combustíveis fósseis pelos chamados agrocombustíveis – uma tentativa de manter o atual padrão de consumo nessas regiões do globo e gerar uma tímida resposta à opinião pública sensível à questão do aquecimento global. Não por acaso, a indústria automobilística é parceira dessa solução. O Brasil também aderiu à iniciativa e elevará a participação de biodiesel na gasolina (veja quadro).A medida abriu um novo nicho de mercado capitalista e despertou o interesse do agronegócio e de setores conservadores nos países pobres. Mas não foi só. Nacionalistas, intelectuais e organizações de pequenos agricultores também vislumbraram a abertura de uma janela de desenvolvimento. No entanto, apontam que seria necessário alterar o modelo de produção no campo, deixar o protagonismo com os pequenos produtores e reafirmar a soberania do país sobre seu território. “Biomassa só tem viabilidade em país tropical, mas não basta se não controlarmos o nosso território. E isso só pode ser conseguido a partir do desenvolvimento da agricultura familiar”, propõe o agrônomo Marcello Guimarães.Críticos da massificação dos agrocombustíveis em um modelo de produção de monoculturas argumentam que os países ricos vão transferir às nações mais pobres o ônus da solução ambiental: as terras dos países tropicais deixarão de produzir alimentos para abastecer automóveis. O impacto previsível é a elevação nos preços dos alimentos. Estudo das Nações Unidas divulgado em junho mostra que os gastos globais com a importação de alimentos devem crescer 5% em 2007. A alta está sendo puxada pelos preços de importação de grãos e óleos vegetais, usados em grande escala na produção de agrocombustíveis. Ambientalistas alardeiam também os impactos de uma possível expansão das monoculturas nos países tropicais: diminuição da biodiversidade e derrubada de florestas, outro fator de que contribui para o aquecimento global. Por sua vez, movimentos sociais camponeses e organizações de direitos humanos atentam para as condições servis de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar e soja, por exemplo. O Brasil, líder global na produção de agrocombustível e disseminador dessa tecnologia em outros países, é um exemplo. Entre 2002 e 2006, 1.386 cortadores de cana morreram em São Paulo por diversos problemas de saúde ligados ao trabalho, segundo o Ministério do Trabalho. Outro efeito dessa opção como modelo de desenvolvimento, na atual configuração de forças da sociedade brasileira, seria uma maior concentração de terras e a perda de soberania sobre seu território. Neste ano, o sueco-britânico Johan Eliasch, por exemplo, comprou 160 mil hectares do Estado do Amazonas. Das 10 maiores empresas do setor de álcool no Brasil, quatro têm capital estrangeiro. “Se houvesse a reforma agrária e a correlação de forças no campo fosse alterada, os camponeses poderiam assumir a oferta de etanol e óleos vegetais no país sem a plantantion. Eu só vejo caminho apenas nesse sentido, democratizar o processo da produção dos agrocombustíveis.”, avalia o agrônomo Horácio Martins.

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