quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O que muda em Cuba com a decisão de Fidel Castro de não continuar na presidência do país?

A RENÚNCIA DE FIDEL

Frei Betto

Fidel Castro, 81, renunciou às suas funções de presidente do Conselho de Estado de Cuba e Comandante-em-Chefe da Revolução. Entregue aos cuidados de sua saúde, prefere manter-se fora das atividades de governo e participar do debate político – que sempre o encantou – através de seus artigos na mídia. Permanece, porém, como membro do Birô Político do Partido Comunista de Cuba.No próximo domingo, 24, Raúl Castro, 77, será eleito, pelos novos deputados da Assembléia Nacional, para ocupar as funções de primeiro mandatário de Cuba.Esta é a segunda vez que Fidel renuncia ao poder. A primeira ocorreu em julho de 1959, sete meses após a vitória da Revolução. Eleito primeiro-ministro, entrou em choque com o presidente Manuel Urrutia, que considerou radical as leis revolucionárias, como a reforma agrária, promulgadas pelo conselho de ministros. Para evitar um golpe de Estado, o líder cubano preferiu renunciar. O povo saiu às ruas em seu apoio. Pressionado pelas manifestações, Urrutia não teve alternativa senão deixar o poder. A presidência foi ocupada por Osvaldo Dorticós e Fidel voltou à função de primeiro-ministro. Estive em Cuba em janeiro deste ano, para participar do Encontro Internacional sobre o Equilíbrio do Mundo, à luz do 155º aniversário de nascimento de José Martí, figura paradigmática do país. Retornei em meados de fevereiro para outro evento internacional, o Congresso Universidade 2008, do qual participaram vários reitores de universidades brasileiras.Nas duas ocasiões encontrei-me com Raúl Castro e outros ministros cubanos. Reuni-me também com a direção da FEU (Federação Estudantil Universitária); estudantes da Universidade de Ciências Informáticas; professores de nível básico e médio; e educadores populares.

Ilude-se quem imagina significar a renúncia de Fidel o começo do fim do socialismo em Cuba. Não há nenhum sintoma de que setores significativos da sociedade cubana aspirem à volta ao capitalismo. Nem os bispos da Igreja Católica. Exceção a uns poucos que, em nome dos direitos humanos, não se importariam que o futuro de Cuba fosse equivalente ao presente de Honduras, Guatemala ou Nicarágua. Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo... Cuba não é avessa a mudanças. O próprio Raúl Castro desencadeou um processo interno de críticas à Revolução, através das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões ora analisadas pelo governo. Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética; bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA.
Malgrado tudo isso, o país mereceu elogios do papa João Paulo II por ocasião de sua visita, em 1998. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Os primeiros setenta paises são considerados os melhores em qualidade de vida. Cuba, onde nada se paga pelo direito universal à saúde e educação de qualidades, figura em 51º lugar. O país apresenta uma taxa de alfabetização de 99,8%; conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 por cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 800 mil diplomados em 67 universidades, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.
Hoje, Cuba mantém médicos e professores atuando em mais de 100 países, incluído o Brasil, e promove, em toda a América Latina, a Operação Milagros, para curar gratuitamente enfermidades dos olhos, e a campanha de alfabetização Yo si puedo(Sim, eu sou capaz), com resultados que convenceram o presidente Lula a adotar o método no Brasil. Haverá, sim, mudanças em Cuba quando cessar o bloqueio dos EUA; forem libertados os cinco cubanos presos injustamente na Flórida por lutarem contra o terrorismo; e se a base naval de Guantánamo, ora utilizada como cárcere clandestino - símbolo mundial do desrespeito aos direitos humanos e civis - de supostos terroristas for devolvida. Não se espere, contudo, que Cuba arranque das portas de Havana dois cartazes que envergonham a nós, latino-americanos, que vivemos em ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados: “A cada ano, 80 mil crianças morrem vítimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana.” “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana.”
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

28/1/2008 'Cuba vai mudar, mas do seu jeito'. Entrevista com Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique

O espanhol Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique, talvez seja o não-cubano que melhor conheça Fidel Castro e as entranhas de Cuba. Autor do livro Fidel Castro: Biografia a duas vozes (a maior entrevista já concedida pelo cubano), ele descarta transformações abruptas na ilha após a passagem de poder à nova geração. As mudanças, diz, serão diferentes daquelas vistas na China ou no leste europeu. Com a saúde debilitada, Fidel deu sinais que poderá abrir mão da presidência neste ano. O jornalista espanhol amigo de Fidel diz quem são e o que farão os líderes cubanos da nova geração. A reportagem e a entrevista são de Ricardo Mendonça e publicadas pela revista Época, 18-01-2008. Eis a entrevista.

Fidel está com 81 anos, afastado poder há mais de um ano e, ao contrário do que muitos previam, principalmente nos EUA, isso não resultou em nenhuma mudança substancial do regime. O senhor tem alguma explicação?
IR-Sim. Acredito que essas análises que os EUA faziam eram baseadas sobre seu próprio desejo, não sobre a realidade. Todos os observadores sérios sabiam que o regime era mais sólido do que dizia a administração dos EUA. A prova disso é o que tem ocorrido agora. Já estamos no pós-Fidel, em certa medida. Ele não está mais governando e, como você disse, não há nada excepcional. A situação é estável, não há protestos, as instituições são sólidas, tivemos eleições municipais, haverá eleições legislativas agora em 2008 e, depois disso, será escolhido o novo presidente.
Não são eleições viciadas?
IR-Há um partido único e podemos pensar que isso não corresponda a uma sociedade sofisticada. Eu comentei isso com Fidel. Cuba é hoje um país com alto nível cultural, um nível educacional muito alto, muitos cientistas, técnicos, engenheiros, médicos. Então o partido único não é suficiente para refletir a sofisticação, a variedade, a pluralidade da sociedade cubana. Mas há um sistema de funcionamento democrático que merece ser bem observado. Os candidatos não podem ser apresentados pelo partido. Eles surgem da sociedade e são votados nas assembléias populares. Essas pessoas podem ser oponentes ao sistema, podem ser membros do partido. Mas muitos nãosão nem uma coisa, nem outra. São pessoas normais. Há pastores protestantes que são deputados, há sacerdotes, militantes cristãos que não concordam com a pena de morte, com algumas decisões. Mesmo assim, continua sendo partido único. O partido único se justifica no contexto de hostilidade que vive Cuba. Sempre que pensamos na evolução que poderia ocorrer em Cuba, temos que perguntar como irão evoluir os EUA com relação a Cuba. Irão suprimir o embargo econômico? Irão suprimir a pressão diplomática? Irão suprimir a ameaça militar, com invasões, terrorismo e apoio aos grupos que cometem atentados e sabotagens? Se pensarmos nisso, veremos que, apesar de tudo, em Cuba há um processo eleitoral muito interessante.

Raúl Castro, o irmão de Fidel que interinamente preside a ilha, tem idade avançada e dificilmente será sucedido por alguém que tenha participado da revolução de 1959. É razoável esperar algo diferente de um dirigente que não tenha participado da revolução?
IR-Certamente. O mais provável é que o próximo presidente seja Raúl. Mas Fidel mesmo disse que Raúl não é a verdadeira sucessão, é a continuidade. O mais importante para a revolução é quando a nova geração assumir o poder. Mudanças evidentemente irão ocorrer, pois o contexto político não é mais o mesmo, Cuba não está mais isolada. Tem excelentes relações com Brasil, Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia e Chile, entre outros.
Quem são esse possíveis substitutos da nova geração?
IR-Carlos Lage (atual vice-presidente) tem uma trajetória interessante, pois vem da direção da juventude estudantil. Felipe Perez Roque (atual ministro das Relações Exteriores), foi presidente da federação de estudantes universitários e secretário pessoal de Fidel por muito tempo. Os dois têm excelentes relações com Raúl e Fidel. Há outros: Abel Prieto, ministro da Cultura, Ricardo Alarcón (presidente da Assembléia Popular), um homem muito culto. Todos são conscientes da necessidade de proteger a identidade e a independência de Cuba. Não estou falando de modelo econômico, mas filosófico.
E do ponto de vista econômico? Há muita gente especulando se Cuba irá adotar o modelo chinês ou vietnamita. Desde 1959 Cuba tem tido aliados indispensáveis para resistir a pressão dos EUA. Mas separe que Cuba nunca adotou um modelo de maneira mimética: nunca foi semelhante à União Soviética. A organização da economia foi diferente, o setor agrícola foi preservado em cooperativas voluntárias, nunca de maneira violenta. Em muitos setores foram conservados os proprietários privados, como o de tabaco. Cuba sempre foi por uma via particular. Estou convencido que nessa nova etapa Cuba tratará de definir também uma via singular.O senhor acha que o regime pós-Fidel, mesmo conduzido por pessoas de sua confiança, responderá às reivindicações reprimidas por mais participação democrática e oportunidades econômicas?

IR-Isso é verdadeiro, Cuba tem muitos problemas na vida cotidiana. Problemas com alimentação, habitações e também com o transporte público. Mas neste momento, esses três problemas são os temas sobre os quais está trabalhando o governo. Num contexto geopolítico diferente, a sociedade irá evoluir. As novas gerações são conscientes que estamos em outra época.
Em Cuba há pena de morte, dissidentes presos, restrições para deslocamentos, inexistência de organizações independentes. Por tudo isso, o senhor não classifica Fidel como ditador?
IR- Há pena de morte, é verdade, mas não é aplicada mais há cinco anos. Há uma moratória. O próprio Fidel me disse que, filosoficamente, é contra. Com relação aos dissidentes, é preciso ser prudente. De fato, há pessoas detidas, mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem: organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as personalidades importantes da dissidência estão em liberdade e têm suas atividades, como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo Payá. Quando você fala em penas altas, é preciso levar em consideração que Cuba é um dos países que mais sofre com o terrorismo. Grupos anti-cubanos de Miami já fizeram 3.500 mortos nos últimos 40 anos. E com relação a Fidel, ele se manteve muito tempo no poder, mas porque Cuba está sob muita hostilidade. Fidel é produto da história, fundador do Estado cubano, teórico da revolução, além de líder carismático. Ele é a estratégia da resistência cubana.
Mas o sistema não está pensado para que outro dirigente fique 40 anos no poder. Logo no começo da biografia-entrevista de Fidel, o senhor descreve o gabinete dele e cita um busto de Abraham Lincoln. Não lhe pareceu estranho a presença da estatueta de um presidente americano naquele local?
IR-Fidel Castro, curiosamente, tem grande admiração por Lincoln. Não sei se você se lembra, mas a primeira viagem de Fidel após a revolução de 1959 foi para os EUA. Ele foi visitar o Congresso e se inclinou na frente da imensa estátua branca de Lincoln. É porque Lincoln foi o libertador dos escravos. Para Fidel, foi uma figura muito importante. Mas Fidel nunca escondeu sua admiração por John Kennedy, Jimmy Carter ou Bill Clinton. As relações sempre foram difíceis com Ronald Reagan e Bush filho.

14:33 19Feb2008 RTRS-Stédile espera que reflexões de Fidel contribuam para esquerda
Por Mair Pena NetoRIO DE JANEIRO, 19 de fevereiro (Reuters) - Integrante da coordenação nacional do MST e da Via Campesina Brasil, João Pedro Stédile considerou acertada a decisão de Fidel Castro de deixar a Presidência de Cuba e acha que suas reflexões irão contribuir para a esquerda latino-americana e mundial, "que se encontra em grave crise". Para Stédile, Fidel tem uma trajetória coerente de luta contra "os inimigos do povo" e é líder "inconteste" dos cubanos, não precisando disputar cargos. "A decisão é mais do que acertada, pois, assim, poderá usar melhor seu tempo para escrever e expor reflexões que podem contribuir não só com o povo cubano, mas com toda a esquerda latino-americana e mundial, que se encontra em grave crise", disse Stédile à Reuters através de email. A saída de Fidel da Presidência não deve significar grandes mudanças na política cubana, segundo Stédile. Ele acha que a imprensa sempre mistificou o poder em Cuba, como se estivesse centralizado em algumas pessoas."O poder real em Cuba é exercido pelo conjunto do partido e pelas inúmeras formas de organização popular", afirmou Stédile. "Qual governo se atreveria a deixar que a população mantivesse armas em suas casas e em locais prontos para serem usadas, especialmente em caso de invasão dos Estados Unidos, se o povo não estivesse representado?", acrescentou. Stédile destacou as conquistas da sociedade cubana, principalmente relacionadas às questões de saúde e educação, mas reconhece a existência de dificuldades econômicas e necessidades materiais. O líder do MST atribuiu os problemas cubanos à falta de recursos naturais, à burocracia e ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. "No entanto, acredito que o povo cubano, com sua sabedoria e sua elevada cultura, saberá encontrar soluções para esses problemas. O socialismo, como sonharam Marx e Engels, certamente depende cada vez mais de mudanças em todo o sistema econômico mundial", afirmou.

(Edição de Fernanda Ezabella)
20/2/2008


A renúncia de Fidel Castro e as implicações para a América Latina. Entrevista especial com Emir Sader


Aos 81 anos, sendo 49 deles no poder, Fidel Castro anunciou ontem sua renúncia ao cargo de Presidente da República de Cuba. Afastado dele desde 2006, devido a complicações no seu estado de saúde, Fidel começou sua luta pela transformação da sociedade cubana bastante jovem. Depois de se graduar em Direito, pela Universidade de Havana, intensificou sua luta contra o governo cubano, denunciando as corrupções e atos ilegais cometidos pelo poder. O golpe de estado de 1952 o convenceu sobre a necessidade de buscar novas formas de ação para transformar o país. Para realizar a Revolução Cubana, em 1955 foi até os Estados Unidos em busca de apoio dos emigrantes cubanos. Com os combatentes reunidos, dirigiu-se à Sierra Maestra, onde permaneceram por dois anos à frente do Exército Rebelde Cubano. Fidel, então, guiou a tática e a estratégia da luta contra a ditadura batistiana, financiada e apoiada pelos estadunidenses. Em 8 de janeiro de 1959, marchou até Havana e consolidou a vitória da Revolução.
Por mais que sofresse um embargo econômico dos Estados Unidos e, depois, com o fim do regime socialista na URSS, Fidel manteve-se a frente de Cuba até o dia 1 de agosto de 2006. Nesta data, delegou o seu cargo ao irmão, Raul Castro. Muitos aguardavam sua renúncia, outros não esperavam por tal notícia, tanto que os maiores jornais do Brasil não noticiaram o fato em suas primeiras edições do dia. Ao povo, Fidel diz em sua carta-renúncia: “Prepará-lo para a minha ausência, psicológica e politicamente, era minha obrigação depois de tantos anos de luta. Nunca deixei de assinalar que se tratava de uma recuperação ‘não isenta de riscos’. Meu desejo sempre foi de cumprir o dever até o último alento. É o que posso oferecer.”Para repercutir o assunto, a IHU On-Line conversou, por telefone, com o doutor em Ciências Políticas Emir Sader, que nos atendeu por telefone desde a Bolívia, onde participa de um congresso. Atualmente, Sader atua como coordenador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e é professor da Universidade de Oxford e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pensando na perspectiva da esquerda latino-americana e mundial, quais são os aspectos do pensamento de Fidel que o senhor considera ainda hoje pertinentes?
Emir Sader – Pode-se falar de uma esquerda latino-americana de antes e depois de Cuba e Fidel. Ele introduziu a questão do socialismo no coração da América Latina, na vigilância dos Estados Unidos. Também introduziu questões fundamentais, como a de que apenas uma sociedade não fundada no mercado pode terminar com o analfabetismo, universalizar direitos de saúde, de educação e culturais para toda a população. Isso tudo fazendo com que um pequeno país sem grandes produtos de exportação, com baixo valor de carteira no mercado internacional, pudesse ter a projeção que teve. Essa é a posição interna. Cuba acredita que deve seguir sendo o país mais solidário do mundo, uma referência em saúde no mundo todo e o que tem mais médicos trabalhando ativamente fora do país. Isso para não falar na escola latino-americana de Medicina, que está formando as primeiras gerações de médicos pobres, provenientes inclusive do Brasil. Possui também a Operação Milagre, que é a recuperação de milhões de latino-americanos de forma gratuita. A sociedade cubana tem um grande espírito de solidariedade totalmente contraditório com o espírito mercantil que o capitalismo difunde pelo mundo afora. Então, o Fidel é um marco da história da América Latina, da história da periferia do capitalismo.
IHU On-Line – O que significa a renúncia de Fidel para a América Latina?
Emir Sader – Na verdade, a renúncia veio a partir de uma transição, pois o Fidel foi deixando aos poucos de assumir funções. A renúncia foi só uma formalização. Significa que a América Latina hoje não pode preferir Cuba. Na verdade, ela tem outros regimes que estão construindo sociedades alternativas, como Equador, Bolívia, Venezuela, e que estão na esteira, no caminho que foi plantado por Fidel. Então, a atualização dele hoje é a atualização presente, por exemplo, naALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que se constrói a experiência mais avançada, aquela que o Fórum Social Mundial pregava: a de um comércio justo, em que cada país oferece o que tem e recebe o que necessita, e assim por diante. Tudo isso feito a partir desse espírito de solidariedade que contém. Então, o Fidel se retira, mas a presença do que ele sonhou é constante, ou seja, continua contemporâneo na América Latina. Esse é um final de carreira digno de quem construiu uma trajetória extraordinária.
IHU On-Line – Podemos esperar algum tipo de mudança na forma de Raul Castro conduzir a política cubana e as articulações com os outros países da América Latina?
Emir Sader – Nada significativo.IHU On-Line – A renúncia de Fidel tem relação com a nova estrutura da esquerda na América Latina, que está sendo chamada de Nova Esquerda? Emir Sader – Não, não tem nenhuma relação. A história específica da esquerda na América Latina não tem ligação com a renúncia de Fidel. A renúncia de Fidel representa a continuidade do sistema político mais além do seu grande líder fundador, não mais do que isso. Fidel já instruiu aqueles que irão dirigir a Revolução Cubana.
IHU On-Line – De que forma a renúncia de Fidel pode influenciar a esquerda atual que está se formando na América Latina?
Emir Sader – Fidel está fora da presidência há um ano e meio, então não tem nada para influenciar agora. O que tinha para influenciar já influenciou. O que ele sonhou já está tendo continuidade em outros governos.IHU On-Line – Então, Cuba continua sendo um modelo socialista para a América Latina? Emir Sader – Uma referência, não um modelo. Estão sendo construídos diversos modelos novos influenciados por Cuba, por isso é uma referência.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a declaração de Bush de que a renúncia de Fidel deva ser um começo para a democracia cubana?
Emir Sader – O fim do governo Bush pode ser o começo para a democratização dos Estados Unidos. Eu não tenho previsão para as eleições, até porque não sou especialista, mas creio que todos os candidatos (1), de alguma maneira, rejeitam o governo Bush. Bush sairá do poder sozinho, como ele mesmo disse, só ele e seu cachorro, o que não é o caso do Fidel. Este sai com o apoio do povo cubano.Notas:(1) Os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos são: Hillary Clinton é, atualmente, senadora democrata pelo Estado de Nova York. Planeja economizar 55 bilhões de dólares enfrentando empresas farmacêuticas, petrolíferas, Wall Street e inspecionando regulamentos de cartões de crédito. Propôs também um plano de aposentadoria para famílias de classe baixa e média e um programa de assistência médica. Sugeriu levantar o embargo comercial imposto décadas atrás em Cuba se o país adotasse “reformas democratizantes”.- Barack Obama é, atualmente, senador democrata por Illinois. Apresentou um plano para criar cinco milhões de novos empregos no setor de energia limpa. Além disso, propôs revitalizar a infra-estrutura do país. Obama já afirmou que pagaria pelo plano ao acabar com a guerra no Iraque e aumentar impostos de estadunidenses e corporações ricas. Afirmou que levantaria o embargo econômico dos EUA em Cuba, mesmo com o regime político atual.- John McCain (senador republicano pelo estado do Arizona) pretende abrir novos mercados para os Estados Unidos. Pretende parar com os empréstimos financeiros exagerados feitos pelo governo Bush. Na área de saúde, tem planos de crédito fiscal restituível e abertura dos mercados de assistência médica. Defende impostos baixo, simples e justos. Afirmou que os Estados Unidos precisam continuar fazendo pressão sobre o governo cubano.
- Mike Huckabee (ex-governador republicano do Arkansas) promete aumentar os gastos com o setor de Defesa e infra-estrutura pública. Pretende cortar e expandir os cortes dos impostos do governo Bush. Diz também que os Estados Unidos deve combater a concorrência externa que chama de desleal, como o praticado pela China.
20/02/2008 - 09h34Cuba deve se inspirar em reformas da China

Adriana Mompean
Do Diário do Grande ABC

Raúl Castro, irmão de Fidel, deverá ser consagrado presidente de Cuba na reunião do Parlamento no próximo domingo, que escolherá o novo dirigente da ilha. “Eu acredito que o nome do Raúl Castro é o mais cotado para assumir o comando. Ele é uma das figuras consideradas mais fortes e simbólicas da Revolução”, afirma Marcelo Buzetto, coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Fundação Santo André.

Raúl Castro sempre foi o sucessor natural de Fidel. Aos 76 anos, dedicou quase toda sua vida ao irmão, cerca de 49 anos como o número dois de Cuba. Ministro das Forças Armadas, Raúl Castro assumiu em 31 de julho de 2006 a chefia do Partido Comunista, o Conselho de Estado e o Exército, após a cirurgia intestinal realizada por Fidel.

Entretanto, Raúl não possui o mesmo carisma de Fidel. Ele tem uma imagem de dirigente rígido, enérgico e é considerado mais pragmático que o irmão. Atribui-se a ele uma vontade de reforma política inspirada nas experiências chinesa e vietnamita, devido as suas freqüentes visitas aos dois países comunistas. Isso significa uma abertura econômica, com a atração de investimentos estrangeiros, mas com a manutenção do sistema comunista.

Raúl Castro também é considerado um homem discreto, que viveu toda a vida sob a sombra de Fidel. “Dedico 90% do meu tempo ao Partido Comunista de Cuba e a maioria das minhas atividades não é publicável. Por isso não saio na imprensa”, disse durante uma cerimônia militar, em dezembro de 2003.

Embargo - A saída de Fidel Castro não deve modificar, por enquanto, a política dos Estados Unidos em relação a Cuba e nem o fim do embargo econômico, implantado contra a ilha em 13 de outubro de 1960, pelo presidente Dwight Eisenhower.

Washington prometeu desistir de seu programa de isolamento somente em caso de eleições livres – uma exigência reiterada terça-feira pelo presidente George W. Bush.

O Instituto Internacional para o Estudo de Cuba, com sede em Londres, acredita que a renúncia de Fidel Castro à Presidência de Cuba é uma “jogada política genial” que “colocará o embargo contra a ilha no coração das eleições presidenciais americanas”.

“Essa renúncia colocará uma forte pressão sobre os aspirantes à Presidência dos Estados Unidos, que deverão esclarecer se manterão relações com o novo líder cubano”, ressaltou o instituto, que faz parte da Metropolitan University.

Candidatos - Terça-feira, os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, tanto democratas quanto republicanos, consideraram que a saída de Fidel Castro não é suficiente para que Cuba seja um país livre.

“Quero dizer à nova direção do regime cubano que os Estados Unidos estão dispostos a dialogar se houver progressos no caminho da democracia, com reformas reais e significativas”, declarou Hillary Clinton.

Seu adversário democrata, Barak Obama, defendeu um início de normalização desde que haja uma “mudança democrática significativa”. (Com agências)

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