HONDURAS: DO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 28/06 ATÉ AS ELEIÇÕES DE 29/11 –
CONTINUA A RESISTÊNCIA POPULARO Golpe em Honduras e a nova guerra dos EUA na América Latina[1]Marcelo Buzetto
Uma nova ofensiva imperialista está em curso
Depois de dez anos de ofensiva de um projeto democrático, popular e antiimperialista, representado pelas mobilizações operárias e populares em diversos países, por governos como os de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador e pela Alternativa Bolivariana dos Povos da América- Tratado de Comércio entre os Povos (ALBA-TCP), o que vemos em curso em “nuestra América” é o início de mais uma ofensiva da classe dominante estadunidense, com apoio e participação direta dos setores mais conservadores e reacionários da política latino-americana.
Com o objetivo de neutralizar o avanço das forças sociais e políticas que, de alguma maneira, se alinham com o processo de integração conduzido pelos governos e movimentos defensores da ALBA-TCP, uma nova escalada de violência e golpes de Estado pode tomar conta de algumas regiões de nosso continente. O golpe civil-militar em Honduras não é um fato isolado, e representa a primeira ação política-militar mais contundente contra a alternativa bolivariana que vem sendo construída desde a vitória político-eleitoral de Hugo Chávez e da esquerda venezuelana em 1998.
Vivemos um momento de rearticulação da direita e das forças conservadoras na América Latina que, preocupadas com a possibilidade de novas lutas e conquistas sociais por parte da classe trabalhadora, bem como com o fortalecimento e o surgimento de alternativas políticas que possam criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de uma estratégia profundamente antiimperialista e socialista, se unem, se movimentam, se reorganizam, dentro e fora dos parlamentos e das forças armadas, com apoio e participação direta das grandes empresas e corporações industriais e financeiras, nacionais e/ou transnacionais, onde os meios de comunicação de massa vão cada vez mais assumindo a tarefa de desencadear o necessário terrorismo mediático com a finalidade de servir como instrumento fundamental da luta ideológica, junto, é claro, com os setores que detém hoje o controle das Igrejas, seja a católica ou inúmeras outras de origem evangélica/pentecostal, etc.
Nessa nova guerra imperialista se misturam elementos e táticas da época da Guerra Fria com as novas orientações e doutrinas militares que dão grande importância e acreditam na eficiência das guerras de baixa intensidade, das diversas modalidades de guerra irregular (não-convencional) e do terrorismo, como métodos que se aplicam dentro de um estratégia militar de dominação de um determinado território. A Colômbia tem sido um grande laboratório para a aplicação dos princípios estadunidenses da contra-insurgência. A nova guerra dos EUA na América Latina já começou, e tende a militarizar a região, com possibilidade até de um conflito convencional, se se esgotam as alternativas não-convencionais. È a “guerra assimétrica” ou de “quarta-geração”, como dizem alguns especialistas na questão. Golpes de Estado, desestabilização econômica e política, terrorismo mediático, narcotráfico, paramilitarismo, bases militares, tratados de livre comércio, ofensiva diplomática, política e econômica contra os governos da região, principalmente contra as iniciativas de integração, financiamento de grupos de oposição, ampliação dos convênios e da influência junto às polícias e às forças armadas latino-americanas, etc. São inúmeras ações que se desenvolvem de maneira combinada, aplicadas de maneira diferente, respeitando a situação concreta. Quando a ameaça é maior, mais intensas são as ações. A Venezuela se tornou uma ameaça: golpe de Estado em 2002. Honduras se tornou uma ameaça: golpe de Estado em 2009. El Salvador se tornará uma ameaça?
É nesse contexto de uma nova ofensiva imperialista que podemos entender o golpe civil-militar contra o presidente eleito Manuel Zelaya, contra as massas populares e contra a ALBA-TCP.
As razões do golpe em Honduras Os resultado das eleições de Honduras em 2005 foi o seguinte:
Os candidatos e partidos de nomeação
Votes Votos
% %
José Manuel Zelaya Rosales -
Liberal Party of Honduras ( Partido Liberal de Honduras )
José Manuel Zelaya Rosales -
Partido Liberal de Honduras (Partido Liberal de Honduras)
915,075 915.075
49.9 49,9
Porfirio Lobo Sosa -
National Party of Honduras (Partido Nacional de Honduras )
Porfirio Lobo Sosa -
Partido Nacional de Honduras (Partido Nacional de Honduras)
846,493 846.493
46.2 46,2
Juan Ángel Almendares Bonilla -
Democratic Unification Party ( Unificación Democrática )
Ángel Juan Almendares Bonilla -
Unificação Democrática (Unificación Democrática-UD)
27,731 27.731
1.5 1,5
Juan Ramón Martínez -
Christian Democratic Party of Honduras ( Partido Demócrata Cristiano de Honduras )
Juan Ramón Martínez -
Partido Democrata Cristão de Honduras (Partido Demócrata Cristiano de Honduras)
25,722 25.722
1.4 1,4
Carlos Sosa Coello -
Innovation and Unity Party ( Partido Innovación y Unidad )
Carlos Sosa Coello - Partido Inovação e Unidade (Partido Innovación y Unidad)
18,689 18.689
1.0 1,0
Total (Turnout 46.0 %) Total (46,0% de participação)
1,833,710 1.833.710
100.0% 100,0%
Registered voters Eleitores registrados
3,988,605 3.988.605
Source:
Honduras government election website through Adam Carr Fonte:
site Honduras eleição de governo através de Adam Carr http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_HondurasCom a vitória eleitoral em novembro de 2005, Manuel Zelaya, do Partido Liberal, assume a presidência numa situação geopolítica marcada pela ascensão de governos progressistas/reformistas e populares/antiimperialistas. Desde 2006, quando toma posse, busca uma aproximação e inicia um diálogo com Cuba e Venezuela, bem como com a Nicarágua já governada por Daniel Ortega e a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Também acompanha em El Salvador a crescente influência política e eleitoral da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), que já possuía o controle de várias prefeituras e demonstrava ter se tornado uma das principais forças políticas do país. Finalmente, em 2008, Zelaya, com o apoio de setores do Partido Liberal e da direção do Partido da Unificação Democrática – UD, bem como dos movimentos sociais, Via Campesina, sindicatos e demais setores democráticos e de esquerda, decide que é hora de ingressar oficialmente na ALBA-TCP. Honduras vai firmar uma série de convênios de cooperação econômica e social com países da ALBA-TCP, tais como: 1. criação de uma linha de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Venezuela (BANDES) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola de Honduras realizar empréstimos com baixas taxas de juros para micros, pequenos e médios agricultores; 2. compra de bônus emitidos pelo governo de Honduras pelo governo da Venezuela, com o objetivo de ajudar o governo de Zelaya a financiar projetos de moradia popular e de desenvolvimento econômico local; 3. participação da PETROCARIBE, sob o comando do governo de Honduras, em atividades de estudo, prospecção e comercialização do petróleo hondurenho, visando ampliar a produção no país; 4. Aprovação de projetos para ampliar a produção de alimentos em Honduras com recursos do Fundo Petroleiro da ALBA-TCP; 5. apoio ao Fundo Especial de Sementes, para garantir a demanda dos pequenos agricultores; 6. apoio técnico gratuito da TELESUR para o canal estatal de televisão de Honduras; 7. ampliação da cooperação médica cubana em Honduras; 8. fornecimento de 80 bolsas integrais por ano para jovens hondurenhos estudarem gratuitamente medicina, humanidades e/ou carreiras técnicas em Cuba; 9. ampliação do Programa de Alfabetização “Yo si puedo!”, com colaboração de Cuba em 206 municípios, visando transformar Honduras em “Território Livre do Analfabetismo”; 10. apoiar diversas iniciativas para garantir a independência energética e a soberania alimentar em Honduras.
Além da adesão à ALBA-TCP, podemos afirmar que outras razões do golpe foram: as reformas democráticas e populares, tais como o amento do salário mínimo em 60%, o veto presidencial à conservadora lei de proibição da venda de anticoncepcionais (defendida pela cúpula da Igreja Católica e aprovada pela maioria conservadora dos deputados), a defesa feita por Zelaya na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação à volta de Cuba (que foi expulsa em 1962), as declarações de Zelaya sobre a possibilidade de transformar a base militar dos EUA em aeroporto internacional, indicando não ter intenção de renovar o acordo de cooperação militar (como fez o Equador com a base de Manta) e sua aproximação com os movimentos sociais hondurenhos.
28 de junho: contra o poder popular e cidadão, contra-revolução preventiva
Mas o que a classe dominante hondurenha considera como o ápice dos conflitos com o governo de Manuel Zelaya, e que apresenta como o motivo principal que levou à deposição do presidente foi uma iniciativa plenamente legal e constitucional de consulta popular/referendo, onde o governo propôs que, no dia 28 de junho o povo deveria se manifestar se apoiaria ou não a instalação de uma “quarta urna” nas eleições de novembro deste ano. Se o povo dissesse não, o assunto estaria encerrado, mas se o povo dissesse sim à “quarta-urna”, o governo faria uma nova consulta em novembro, com a seguinte pergunta: “Você concorda com a instalação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte em Honduras?”.
Ou seja, o motivo considerado fundamental para o golpe de Estado foi a tentativa do governo de democratizar as decisões políticas, garantindo a mais ampla participação popular através de referendos onde a população, os partidos e movimentos poderiam defender livremente suas posições, organizando campanhas contra e a favor e levando o debate sobre qual projeto o povo quer para as ruas de todo o país.
Temendo a possibilidade de ampliação do poder popular, a contra-revolução preventiva foi se apresentando como a saída mais eficaz para garantir a manutenção dos privilégios da classe dominante hondurenha. Conhecida na América Central como um “porta-aviões” da contra-revolução, Honduras foi transformada em base de apoio para inúmeras iniciativas golpistas ao longo do século XX. De Honduras saíram tropas para derrubar o presidente Jacob Arbénz, da Guatemala, em 1954, e mercenários que tentaram, junto com o governo dos EUA, derrubar a Revolução Cubana em 1961, na invasão da “Baía dos Porcos”. Também soldados hondurenhos estavam entre os que invadiram Santo Domingo, na República Dominicana, em 1965, para derrubar o governo democrático de Juan Bosch. Talvez a mais explícita utilização de Honduras como base da contra-revolução na América Central tenha ocorrido entre 1979 e 1990, quando da vitória da Revolução Popular Sandinista, na Nicarágua. Treinados pelos EUA, e com apoio das ditaduras dos países vizinhos, os contra-revolucionários entravam pela fronteira de Honduras para fazer ações de sabotagem e terrorismo contra o povo nicaragüense e sua revolução.
A mobilização popular e as iniciativas progressistas do governo Zelaya procuravam enterrar esse triste e trágico passado, demonstrando agora que o país seguiria num outro caminho, de fortalecimento da solidariedade entre os povos e nações oprimidas pelo imperialismo, mas no meio do caminho surge o golpe civil-militar.
A Frente Nacional Contra o Golpe de Estado: mobilização permanente e resistência unificada para garantir a vitória popular
Nesse processo de mobilização e resistência popular, democrática e antiimperialista, surge a Frente Nacional contra o Golpe de Estado, com a participação da Via Campesina , do Bloco Popular, da Confederação Unitária dos Trabalhadores de Honduras (CUTH), da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), da Confederação dos Trabalhadores de Honduras (CTH), de setores do Partido Liberal, do Partido Unificação Democrática-UD, do Movimento Nova Democracia, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Bebidas e Similares (STYBYS), do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), da Federação Universitária Revolucionária- FUR, das Feministas Contra o Golpe e de outras dezenas de organizações representativas do povo de Honduras.
Entre 10 e 13 de agosto estive em Tegucigalpa junto com os companheiros Ivan Pinheiro (Casa da América Latina-RJ) e Amauri Soares (Deputado Estadual-SC), e foi possível perceber que o nível de consciência política das massas, bem como sua capacidade de mobilização e organização tem se elevado desde o dia 28 de junho, pois a disposição de enfrentar os golpistas vem crescendo, e várias formas de luta estão em curso ou em desenvolvimento. Numa situação como esta é inevitável que surjam diversas formas de luta e de organização da resistência contra o golpe de Estado. Passeatas até a Casa Presidencial e ao Congresso Nacional, bloqueio de estradas e rodovias, greves nas fábricas, nas escolas e nas universidades, marchas, concentrações em locais estratégicos, ocupações de prédios públicos, atividades culturais contra o golpe, carreatas e as mais criativas ações de grupo e/ou de massas aparecem como resultado dessa gigantesca onda de mobilização social que toma conta de Honduras nesse momento. Com 5 mil, 50 ou 500 mil, as mobilizações continuam após mais de 60 dias de golpe.
Agora a resistência não quer só a volta imediata do presidente Manuela Zelaya, quer uma nova Assembléia Constituinte para criar novas leis que possibilitem mais democracia e mais poder para o povo. Também a Frente de resistência conclama o boicote ao processo eleitoral de novembro enquanto não houver a volta à normalidade democrática, que significa Manuel Zelaya na presidência, libertação dos presos políticos, fim dos processos e perseguições contra os membros da resistência, eleições livres e democráticas, continuidade dos programas sociais e manutenção de Honduras na ALBA-TCP.
Para onde vai Honduras?
Como existem muitas possibilidades, é difícil prever com certeza e precisão até onde vai este golpe de estado e até onde vai a resistência popular hondurenha. Muitos fatores indicam que não existem somente dois caminhos: ou vitória popular imediata ou capitulação/derrota e institucionalização do golpe.
Alguns fatores decisivos para garantir a vitória ou a derrota de uma das forças em disputa são: a capacidade de mobilização e organização das classes sociais, o nível de consciência política e a maturidade das lideranças e da base na defesa de seus interesses econômicos e políticos, o grau e a intensidade da unidade construída pelas forças sociais que representam um mesmo projeto e uma mesma estratégia no atual cenário da luta de classes em Honduras, a coragem, a determinação e a lucidez das organizações políticas e sociais na condução do conflito existente, bem como a disposição das mesmas de levar adiante uma “guerra prolongada” cuja solução ultrapassará os limites do processo eleitoral e de qualquer acordo à curto prazo.
Alguns apostam na legitimação/institucionalização do golpe, com reconhecimento do novo governo iniciado por Canadá, México e Colômbia, depois seguido de EUA, Peru e outros, com algum acordo relacionado à manutenção do processo eleitoral em novembro, com eleições controladas pelos golpistas e acompanhadas por comissão da OEA (Argentina,Canadá, Costa Rica, Jamaica, México, República Dominicana). A dúvida é se os golpistas vão aceitar isso, pois sua intransigência em aceitar a volta de Zelaya sem que o mesmo seja preso dificulta esse caminho. Isso pode ocorrer sem a volta de Zelaya ou com a volta de Zelaya, que seria o acordo proposto por Oscar Árias, presidente da Costa Rica, onde o presidente deposto aceitaria formar um governo de união nacional supervisionado por uma comissão da OEA e de “notáveis”, além da Corte Suprema (a mesma que mandou prendê-lo), até as eleições de novembro e a posse do novo presidente. Golpistas dizem que Zelaya conversa com setores do Partido Nacional sobre as próximas eleições, já que o candidato do PL é um golpista (Elvin, que prega a união dos liberais).
Na impossibilidade de um acordo/conciliação entre os diversos setores da classe dominante, inclusive setores que apóiam o presidente deposto, cria-se um impasse que pode favorecer a continuidade das lutas populares, pois, numa situação como esta, a mobilização de massas pode continuar, com um programa de mudanças que dá seguimento a algumas propostas do governo Zelaya e vai mais adiante, com o debate da constituinte e outras questões. Se for assim, a esquerda pode apresentar uma candidatura que é a expressão desse movimento de massas, seja pelo Partido Unificação Democrática - UD ou por uma frente de partidos e movimentos contra o golpe e pela nova Constituição. O movimento de massas pode pressionar Zelaya para aceitar essa solução e assim participar das eleições com um programa democrático, popular e antiimperialista. Também a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado pode manter a posição aprovada recentemente numa assembléia, de que as eleições, com os golpistas no governo, não são legítimas e propor o boicote ao processo, denunciando para o mundo as irregularidades, e pregando o boicote consciente, lembrando que em 2005 (como o voto não é obrigatório) somente 49% dos hondurenhos com direito ao voto compareceram às urnas. O fato é que, em relação à participação ou não no processo eleitoral,que já está se iniciando sob o controle dos golpistas, temos a impressão que existem, no interior da resistência ao golpe, posições diferentes que podem fragilizar a unidade conquistada até o momento.
As fragilidades da ALBA-TCP e a necessidade de uma campanha internacional de defesa da “Revolução Bolivariana”
A ALBA-TCP precisa de tempo para se desenvolver e se consolidar, pois sua influência, na atualidade, ainda é pequena. É preciso ir construindo uma nova correlação de forças no continente, que dê o fôlego necessário para impulsionar esse processo de integração iniciado por Cuba e Venezuela em 2004. Se a ALBA-TCP não ganha tempo e não consegue novos aliados, infelizmente, todas as iniciativas econômicas, sociais, políticas e culturais poderão desaparecer diante da possibilidade de vitória de governos de centro-direita ou de governos que se apresentam como de esquerda, mas acabam fazendo o jogo da direita, hostilizando ou procurando demonstrar que não querem se “parecer” ou não querem seguir “o caminho de Chávez”, como tem insistido em afirmar publicamente o recentemente eleito presidente de El Salvador, Maurício Funes, um jornalista de classe média viável eleitoralmente, mas não muito confiável ideológicamente, pois nem começou a governar e já se presta a contribuir na campanha internacional de desqualificação do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando assim ânimo e munição para o imperialismo continuar sua nova fase de ofensiva contra a “Revolução Bolivariana”. Ao ficar comparando Lula e Chávez, e demonstrar preferência pelo primeiro, Funes vai desgastando uma relação de solidariedade que Chávez vem construindo desde sua posse, em 1999, com o partido salvadorenho Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), e sua posição de fazer em El Salvador um governo “a la Lula” frustrará as expectativas daqueles que esperavam um governo coerente com as idéias e o programa debatido pelo já falecido comunista da FMLN, comandante Shafik Handal.
Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, havia dito que, “se a OEA não resolver o problema (restituição de Zelaya na presidência), teremos que resolver nós mesmos, países da ALBA-TCP”. Até hoje penso no que significa esta frase, com a qual concordo. O que significaria os países da ALBA-TCP resolverem por conta própria, com apoio e ação conjunta dos movimentos sociais hondurenhos e latino-americanos a questão de Honduras? Foi só uma frase? Essa iniciativa está em curso? São dúvidas que logo se esclarecerão.
Fica evidente que a ALBA-TCP precisa se fortalecer, e ir criando também estruturas conjuntas de defesa diante da possibilidade de golpes de Estados contra os países membros. Urge a criação e desenvolvimento de uma Escola Latino-Americana de Defesa, organizada sob os princípios e valores da ALBA, com uma nova doutrina militar, comprometida com o programa democrático, popular e antiimperialista que inspira os governos chamados hoje por alguns de “bolivarianos”. Além disso, passou da hora de formar um “Conselho Bolivariano de Defesa”, com países membros da ALBA-TCP, e com a colaboração de países que podem contribuir de alguma maneira com um projeto dessa natureza.
Também se faz necessário um amplo e forte movimento de solidariedade e defesa da “Revolução Bolivariana” e do governo de Hugo Chávez, pois se a Venezuela cair novamente nas garras do imperialismo, o projeto de integração sonhado pela esquerda do continente estará seriamente ameaçado de desaparecer em alguns poucos anos.
As fragilidades de Manuel Zelaya e as ilusões do nacionalismo burguês
Se queremos fazer uma reflexão na perspectiva da classe trabalhadora não podemos alimentar ilusões quanto às fragilidades presentes da figura de Zelaya e de parte dos setores que o apóiam nesta luta legítima pela volta à condição de presidente de Honduras. Como já disseram, no passado, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Rui Mauro Marini, em países periféricos da América Latina a única possibilidade de uma plena e efetiva independência nacional é através de um processo de transição que promova significativas transformações econômicas, políticas e sociais com um caráter democrático, popular e antiimperialista, criando assim as condições necessárias para que a nação seja colocada no rumo da construção de novas relações de produção, ou seja, na construção de uma sociedade socialista. Capitalismo dependente e subordinado ou socialismo? Eis a questão. A possibilidade de um capitalismo autônomo nunca fez parte da realidade contemporânea centro-americana, sendo que, para Honduras e toda a América Latina, só restam dois caminhos: a existência na condição de submissão/subordinação aos interesses do grande capital, principalmente estadunidense, ou a construção de um processo de ruptura para assegurar a verdadeira soberania e autodeterminação, o que irá implicar, necessariamente, numa guinada à esquerda de todo e qualquer governo que tenha isso como um dos objetivos centrais de sua estratégia. Zelaya faz parte de um setor da classe dominante hondurenha que hoje se encontra numa situação de minoria, que não é a força hegemônica no interior da sua classe, situação que o empurra para uma posição política que não é a mais comum entre os indivíduos que são proprietários dos meios de produção.
Não devemos criminalizá-lo por isso, pois sabemos que existem diferenças entre a situação e a posição de classe. Basta ver os casos de Engels, Marx, Fidel, Lênin, etc. Mas aqui não existe semelhança alguma de Zelaya com os revolucionários citados.
Zelaya não demonstra verdadeira disposição de enfrentar até as últimas conseqüências os principais inimigos do povo de Honduras e da ALBA-TCP. Suas atitudes indicam mais uma tentativa de buscar um acordo que possibilite a participação dele e de alguns aliados no processo eleitoral visando acumular força para uma disputa presidencial futura do que alguém que estará junto com o povo na luta contra o golpe mesmo que isso signifique enfrentar condições bastante desfavoráveis para defender determinados princípios e levar adiante profundas transformações no país.
Na jornada de luta de 11 e 12 de agosto, nas ruas de Tegucigalpa, ouvimos de alguns militantes o questionamento sobre o por quê Zelaya não volta ao país para liderar o movimento de massas que está em curso? E por quê ele não entra em Honduras, seja publicamente, seja clandestinamente, já que a própria comunidade internacional, através de decisões da ONU (Organizações das Nações Unidas), da OEA, da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), do MERCOSUL (Mercado Comum Sul-Americano) e da EU (União Européia) afirmaram que ele é o único e legítimo presidente de Honduras.
Será que Zelaya quer evitar uma guerra civil? Mas será que a guerra que ele pode estar querendo evitar já não começou? O golpe foi uma ação político-militar, e o poder da violência e das armas é o que está garantindo a manutenção do governo ilegítimo. No Brasil nós vimos o que a falta de iniciativa (para não dizer outro nome) de João Goulart nos custou: vinte anos de ditadura. Enquanto o povo estava com disposição de resistir ao golpe em 1964, inclusive setores das forças armadas, onde estava o presidente deposto? Fugindo e desmobilizando a resistência. Essas atitudes, em momentos decisivos da história de um país, geralmente custam a liberdade e a vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras. Será que Zelaya vai ser conhecido na história recente de seu país como aquela liderança popular que não esteve à altura dos desafios do momento ou será que irá nos surpreender e desobedecer os golpistas, enfrentando todos os riscos necessários para estar junto com seu povo nessa justa guerra de resistência contra a miséria, a exploração e o imperialismo?
Que o proletariado e as massas populares de Honduras se preparem, pois o destino de todas as conquistas sociais trazidas pela ALBA-TCP passa, necessariamente, pela forma como será resolvido este conflito. Se no passado os salvadorenhos, nicaragüenses e guatemaltecos nos ensinaram como enfrentar ditadores e golpistas, talvez estejamos entrando num período onde esta tarefa será de responsabilidade dos hondurenhos.
Certa vez um centro-americano escreveu: “Cuando la historia no puede escribirse com la pluma, entonces debe escribirse com el fusil” (Farabundo Martí).
TEXTO PUBLICADO NA REVISTA SEM TERRA, N. 52, SET/OUT. DE 2009.
ESCRITO EM 28/08/2009.HONDURAS: O PRIMEIRO GOLPE CIVIL-MILITAR CONTRA A ALBA07/07/09-Editorial Brasil de Fato-Marcelo Buzetto Novamente nossa América Latina se vê diante de um golpe civil-militar que derrubou um presidente eleito democraticamente pelo voto popular. Essa ação faz parte de uma ofensiva das forças anti-populares, anti-democráticas e pró-imperialistas de Honduras, que vinham nos últimos anos construindo uma frente política e militar com o objetivo de obstruir e dificultar toda e qualquer iniciativa do governo do presidente Manuel Zelaya que fosse numa direção mais progressista, tanto na sua política interna quanto na sua política externa.
O presidente deposto não pode ser considerado um político com longa trajetória nas fileiras da esquerda hondurenha. Zelaya e o Partido Liberal tem assumido posições mais progressistas desde sua eleição, em 2005, fato que ocorre numa conjuntura marcada por vitórias eleitorais que, impulsionadas por lutas populares e de massa, resultaram em ações concretas no sentido de construirmos uma nova geopolítica latino-americana. Talvez um dos maiores exemplos disto seja a Alternativa Bolivariana dos Povos da América-Tratado de Comércio dos Povos (ALBA). Criada em 2004 por Cuba e Venezuela, á fortalecida com a entrada de Bolívia, Nicarágua, Dominica e Honduras. Desde 2006, o presidente Manuel Zelaya vem enfrentando os setores mais conservadores da política hondurenha por defender a participação ativa do país na construção de uma verdadeira integração econômica, social e política com conteúdo popular e democrático, que garanta, de fato, a soberania e a autodeterminação das nações.
O golpe civil-militar seguiu o método clássico do golpismo na região, e nos fez lembrar da deposição de governos como de Jacob Arbénz (Guatemala-1954), João Goulart (Brasil-1964) e Salvador Allende (Chile-1973). Mas alguns elementos novos estão presentes, e talvez possamos afirmar que tal ação em Honduras tenha mais semelhança com a tentativa de derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em abril de 2002, com a diferença de que o novo gestor do imperialismo estadunidense, Barak Obama, se posicionou contrário à deposição do presidente eleito.
A tendência, na história da América Latina contemporânea, é de derrotas de governos populares, democráticos e antiimperialistas através de golpes de estado dirigidos pela classe dominante nacional com apoio e participação ativa da classe dominante estadunidense, representada pelo governo, pelas empresas multinacionais, pela CIA e pelas forças armadas dos EUA.
Com a vitória popular anti-golpista na Venezuela em 2002, vivenciamos algo que, para muitos, era inesperado ou mesmo impossível de ocorrer. Diante do poder econômico das grandes corporações industriais e financeiras, dos veículos de comunicação de massa da classe dominante, de um setor militar anti-democrático e golpista, da esmagadora maioria dos dirigentes da Igreja Católica, de uma central sindical pró-imperialista (CTV) e do apoio de governos de direita como os dos EUA e da Espanha, como poderia o povo venezuelano garantir o mandato do presidente Chávez e derrotar essa iniciativa das forças conservadoras?
Quantos não foram os analistas políticos e até mesmo lideranças e intelectuais de esquerda que, diante das imagens e informações que circularam na imprensa burguesa, não chegaram à conclusão de que o governo Chávez chegou ao fim, que o golpe era irreversível. E diante da certeza de alguns, explode uma grande mobilização popular por toda a Venezuela e, minuto a minuto, começa a surgir a verdade sobre quais eram as forças políticas e os indivíduos e governos envolvidos na conspiração civil-militar.
A situação de Honduras é distinta da Venezuela de 2002 por vários motivos. Vale a pena lembrar de alguns: Chávez nasce politicamente no interior da esquerda venezuelana, é um quadro claramente de esquerda; Chávez possuía um grau considerável de apoio no interior das forças armadas, o que ajudou a neutralizar os golpistas; o apoio explícito do governo dos EUA ao golpe; a motivação do golpe: na Venezuela a mídia burguesa construiu a idéia de que o governo foi responsável pelo assassinato de manifestantes (o que não era verdade), e em Honduras o motivo alegado pelos golpistas foi se opor à uma consulta popular prevista para ocorrer no último domingo, 28 de junho de 2009, para saber se o povo desejaria participar de um processo de construção de uma nova Constituição para o país.
Olhando para a situação dos países membros da ALBA, principalmente para os casos de Venezuela, Bolívia e Equador, que recentemente aprovaram novas constituições que expressam a nova correlação de forças políticas e sociais vigente, a direita hondurenha entrou em pânico com a possibilidade de que a classe trabalhadora e as massas populares possam ter uma participação mais ativa, mais consciente e mais organizada no processo de construção das transformações necessárias para garantir uma vida mais digna para o povo daquele país.
Muitas questões ainda não foram respondidas em relação ao golpe: qual foi o papel dos EUA nesse processo? Será possível um golpe civil-militar desse tipo sem apoio dos EUA num país onde a burguesia é estruturalmente subordinada aos interesses de Washington? Por quê representantes do governo dos EUA mantiveram contatos com líderes golpistas antes e durante o processo do golpe?
Diante do golpe a resistência popular nacional e internacional novamente se fez presente. Só a mobilização popular e a solidariedade internacionalista podem fazer recuar as forças golpistas. A Via Campesina – Honduras e demais movimentos sociais do continente seguem denunciando a perseguição e a violência contra as manifestações populares, que já chegaram a reunir num mesmo dia mais de 300 mil hondurenhos em Tegucigalpa, capital do país.Impedido de voltar ao país no último domingo, pois os golpistas obstruíram a pista do aeroporto, Zelaya continua recebendo o apoio da OEA, da ONU, da UNASUL e da ALBA.
A vitória popular em Honduras é fundamental para fortalecer os países da ALBA na luta pelo direito de decidir qual será o caminho de desenvolvimento econômico, social e político escolhido pelo povo de cada nação latino-americana. A batalha de Honduras será decisiva para a América Central e Caribe, pois para esta região de “nuestra América” só existem dois caminhos: submissão aos interesses dos EUA ou construção livre, soberana e independente de uma integração verdadeiramente popular, democrática e antiimperialista, que possa ir criando as condições para a vitória do socialismo na América Latina.
Continua a Batalha de Honduras-27/10/09Marcelo Buzetto
Tudo indica que se desenvolverá um longo processo de acirramento das lutas sociais e populares naquele país, e o ano de 2010 começará com uma intensa disputa entre dois projetos bastante definidos: de um lado o das forças conservadoras, anti-democráticas e pró-imperialistas (golpistas de todas as origens, com a cumplicidade de Obama e o apoio de países como Israel, Colômbia, Peru e México) e do outro o das forças sociais democráticas, populares, progressistas, antiimperialistas/anticapitalistas (representadas pelos governos da ALBA-TCP, por governos progressistas e pelos movimentos e organizações da resistência hondurenha anti-golpista).
A truculência, a agressividade e falta de flexibilidade e de disposição dos golpistas em aceitar uma saída negociada para a atual crise política acabou criando condições mais favoráveis para que sejam explicitadas as finalidades daqueles que hoje estão no comando do governo de Honduras. Sua firmeza em não fazer nenhuma concessão em questões que consideram fundamentais para legitimar suas posições golpistas acabou resultando num fracasso de qualquer possibilidade de saída “pelo alto”, sem a efetiva participação das massas populares.
Durante as negociações, exigências absurdas eram colocadas ao legítimo presidente de Honduras, Manuel Zelaya. O presidente derrubado por uma ação armada violenta e anti-democrática foi cotidianamente agredido, ofendido, desqualificado pelo principal chefe da quadrilha que se apoderou do governo, senhor Roberto Micheletti. Criaram uma operação midiática internacional, unindo todas as forças mais reacionárias do planeta, no sentido de mostrar que Zelaya estava sendo intransigente, que dificultava as negociações com suas declarações sobre a legitimidade dos movimentos da resistência pacífica e popular.
Os golpistas demonstraram que estão dispostos a ir até as últimas conseqüências na defesa de sua ação anti-democrática e pró-imperialista. Sua intransigência é na verdade uma mensagem bem explícita para o povo de nosso continente: a direita latino-americana existe, resiste e iniciará/incitará novas guerras e ondas de perseguição, tortura e violência, se esse for o preço a pagar pelo enfraquecimento e/ou derrota de qualquer nova estratégia verdadeiramente de esquerda.
Mas agora a resistência não quer só a volta imediata do presidente Manuel Zelaya, quer uma nova Assembléia Constituinte para criar novas leis que possibilitem mais democracia e mais poder para o povo. Também a Frente de resistência conclama o boicote ao processo eleitoral de novembro enquanto não houver a volta à normalidade democrática, que significa Manuel Zelaya na presidência, libertação dos presos políticos, fim dos processos e perseguições contra os membros da resistência, eleições livres e democráticas, continuidade dos programas sociais e manutenção de Honduras na ALBA-TCP.
Diante dessa nova ofensiva imperialista fica evidente que a ALBA-TCP precisa se fortalecer, e ir criando também estruturas conjuntas de defesa diante da possibilidade de golpes de Estados contra os países membros. Talvez seria o caso de se pensar na criação e desenvolvimento de uma Escola Latino-Americana de Defesa, organizada sob os princípios e valores da ALBA, com uma nova doutrina militar, comprometida com o programa democrático, popular e antiimperialista que inspira os governos chamados hoje por alguns de “bolivarianos”. Também um “Conselho Bolivariano de Defesa”, com países membros da ALBA-TCP, e com a colaboração de países que podem contribuir de alguma maneira com um projeto dessa natureza.
Outra iniciativa que se faz necessária é um amplo e forte movimento de solidariedade e defesa da “Revolução Bolivariana” e do governo de Hugo Chávez, pois se a Venezuela cair novamente nas garras do imperialismo, o projeto de integração sonhado pela esquerda do continente estará seriamente ameaçado de desaparecer em alguns poucos anos.
Independente do resultado das negociações e dos resultados eleitorais da farsa e da fraude ilegal/ilegítima de 29 de novembro, Honduras nunca mais será a mesma, pois se elevou o nível de consciência política das massas, cresceu a capacidade de mobilização e de organização dos partidos e movimentos da resistência nacional anti-golpista e a classe trabalhadora conseguiu construir no dia-a-dia das lutas um instrumento fundamental de unidade na ação: a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado.
Todo esse esforço ainda não é suficiente para impor uma derrota definitiva e contundente do projeto imperialista, mas resultou num acúmulo de forças e numa importante lição para os próximos e, talvez, ainda mais decisivos passos.
Diversas formas de luta e diversas formas de mobilização estão e estarão se desenvolvendo nesta legítima resistência popular para garantir que se cumpra o artigo 3º. Da Constituição hondurenha: “Ninguém deve obediência a um governo usurpador!”.
Editorial Jornal Brasil de Fato/novembro/2009.